Acórdão nº 1512/17.2T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório L. G.

e esposa M. P.

, vieram intentar ação sob a forma de processo comum contra D. C.

e Herança Ilíquida e Indivisa Aberta Por óbito de M. F.

, representada pelo requerido D. C., por H. C. e por B. C.

.

Alegaram, em síntese, que são os donos dos prédios identificados no art. 7º da petição e que o prédio rústico descrito confronta pelo sul com o prédio da propriedade dos RR., composto de casa de 2 pavimentos e logradouro, divisão essa que é feita por uma parede em pedra, construída pelo menos há mais de 100 anos.

Mais alegaram que a menos de um metro da parede que divide o prédio dos réus do prédio dos autores, situa-se um poço, localizado no prédio dos RR., onde é captada água, sendo a mesma conduzida por um tubo subterrâneo que segue em direção ao prédio dos autores e desemboca num reservatório de água situado no mesmo prédio, sendo essa água depois utilizada pelos autores para a lima e rega do prédio rústico e para uso e gastos domésticos no prédio urbano.

Invocaram, ainda, que a referida água é compropriedade dos autores e réus, tendo aqueles adquirido o direito sobre a mesma por compra e venda celebrada em 4 de setembro de 1871 e, de qualquer forma, por usucapião. Aquando de tal contrato foi feita uma entrada na divisória dos prédios para que os antepossuidores dos autores pudessem aceder ao poço para praticarem os atos necessários à utilização da água. Mais asseveraram que há mais de 20 anos onde existia inicialmente uma abertura foi colocada uma cancela e posteriormente, com a edificação da parede de pedra, um portão em ferro. É por esse portão que os autores têm vindo a fazer o acesso ao poço.

Para o caso de não se entender que adquiriram o direito de propriedade sobre as águas, defenderam que sempre ter-se-á de concluir pelo direito de servidão de tais águas, a par, dos sempre constituídos direitos acessórios de servidão de passagem, de presa e de aqueduto a onerar o prédio dos réus.

Mais alegaram que, em março de 2016, os réus procederam à construção de uma parede em tijolos e cimento com cerca de 1,80m, na entrada do portão de acesso ao poço, assim os impedindo de ali aceder, encontrando-se os autores sem acesso e impedidos de praticar todos os atos necessários para que possam usufruir da sua água livremente e sem limitações.

Por último, invocaram que os réus, apesar de terem sido condenados em sede de providência cautelar a destruírem a parede de blocos, ainda não o fizeram, continuando a impedir os autores de acederem ao poço.

Pediram: .a) que se declare que os autores são os donos e legítimos proprietários dos prédios identificados no artigo 7º da petição; .b) que sejam os réus condenados a reconhecer o direito de posse e propriedade dos autores sobre o poço situado no prédio dos RR. e as águas nele captadas; o direito de passagem e os direitos acessórios de servidão de presa e aqueduto; .c) serem os réus condenados a absterem-se da prática de quaisquer atos que impeçam o exercício, gozo ou fruição desses direitos; Subsidiariamente .d) ser declarado que os autores são os donos e proprietários da água que nasce ou é captada ou existe no subsolo do prédio por usucapião; .e)Subsidiariamente pedem que se declare que os autores são os donos e proprietários da água que existe no subsolo do prédio identificado no artigo 10º; .f)E ainda para a hipótese de não proceder o pedido formulado na alínea b), se declare constituída por destinação do anterior proprietário e por usucapião, um direito de servidão de águas a onerar o prédio identificado em 10ª, em benefício dos identificados no artº 7º para rega e lima e gastos domésticos dos referidos prédios, bem como direito de passagem e os direitos acessórios alegados no artº 41º; . g) serem os AA. condenados a reconhecer estes direitos, o direito de passagem e demais direitos acessórios dos autores e absterem-se de praticar qualquer ato que pertube, impeça ou diminua o seu completo e livre exercício pelos autores; .h)ordenar os RR. a proceder à demolição da parede de blocos e cimento; .i) ordenar os réus a proceder à demolição de toda e qualquer construção que de alguma forma interfira com o direito de posse e propriedade dos autores sobre as águas captadas, o direito de passagem e os direitos acessórios, alegados no artº 41º; j) se condenem os RR. no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a favor dos AA. no valor de 500 euros por cada dia que mantenham a parede de blocos e cimento.

Os réus, contestaram, pugnando pela ineptidão da petição inicial e impugnaram a maioria dos factos alegados pelos autores. Defenderam que na parede que divide os prédios não havia cancela nem havia portão. Mais invocaram que os autores têm vindo a retirar as utilidades do poço através da cabine por detrás do mesmo, pelo que não necessitam de outro acesso. Referem também que o poço se encontra fechado e por isso não necessita de manutenção e as poucas vezes que os AA. terão necessidade de aceder à bomba de captação submersível não lhes confere o direito de entrarem no seu prédio quando entenderem.

Os réus, deduziram ainda pedido reconvencional nos seguintes termos: .serem os Reconvindos condenados a reconhecer a sua propriedade sobre o poço e sobre a água aí extraída, abstendo-se da prática de quaisquer atos que conflituem com tais direitos.

E, subsidiariamente (1), para a hipótese de se reconhecer a servidão de aproveitamento de águas, pediram que “os adminicula servitutis sejam determinados na medida da necessidade do aproveitamento de águas através de canos subterrâneos”.

Por último, pediram a condenação dos autores no pagamento da quantia de €5.000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos pelo R. D. C. e ainda, a sua condenação como litigantes de má-fé, em multa e em indemnização aos Reconvintes no montante de 1.000,00.

Notificados, os autores, apresentaram resposta, impugnando os factos alegados pelos réus, pedindo a improcedência do pedido reconvencional, bem como do pedido de condenação como litigantes de má fé e, por sua vez, requereram a condenação dos réus como litigantes de má fé por terem deduzido pedido de indemnização a que sabem não ter direito.

Os réus igualmente se defenderam do pedido de condenação como litigantes de má fé, por considerarem que o mesmo não tem fundamento legal.

Foi realizada a audiência prévia na qual, foi admitida a reconvenção e esclarecido pelos autores que os pedidos deduzidos em b), d) e e), são de compropriedade e não de propriedade plena.

Proferiu-se despacho saneador, no qual se julgou improcedente a alegada exceção de ineptidão da petição inicial e foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

Em 02.10.2019 foi realizada a inspeção judicial ao local, efectuada pela Mma. Juíza então em funções Em 10.09.2020, por ter mudado a titular do processo, foi efectuada nova inspeção ao local, pela Mma. Juíza que proferiu a decisão recorrida.

Teve lugar a audiência final e após foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo expendido e em conformidade com as supra disposições legais, julgo: .A) a ação procedente por provada e, em consequência: .a) condenam-se os réus a reconhecerem o direito de posse e compropriedade dos autores sobre o poço e as águas captadas no mesmo poço referido em 9, bem como a reconhecer-lhes o direito de passagem descrito em 16 e absterem-se da prática de atos que impeçam o exercício desses direitos.

.b) condenam-se os réus no pedido de demolição da parede de blocos e cimento referida em 18, bem como de toda e qualquer construção que interfira com o exercício dos direitos ora reconhecidos.

.c) absolvem-se os réus do pedido de sanção pecuniária compulsória.

.B) a reconvenção improcedente, por não provada e, em consequência, absolvem-se os autores dos pedidos deduzidos, bem como do pedido de condenação como litigantes de má fé.” Os RR. não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações da seguinte forma: I – Nulidade da sentença, nos termos do 615, n.º1 , b) e c) porquanto os factos dados como provados pelo tribunal recorrido não são suficientes para o mesmo fundamentar a decisão recorrida; no mais concluindo com matéria factual contrária à prova testemunhal e documental constante dos autos.

II- Questão de facto de alteração/ ampliação da matéria de facto.

III- Questão de direito, sobre aplicação de normas de ónus probatório, alegação e prova de factos essenciais, contradição entre factos provados e conclusões e prova pericial.

1- Não foram alegados nem provados factos que atribuam a propriedade ou a compropriedade do poço aos AA.

2- Resulta dos factos provados 5.º e 26.º que o poço é uma construção física existente no prédio dos RR.

3- Foram os próprios AA. que alegaram que haviam adquirido por concessão datada de 4.09.1871 o direito de tirar água do poço.

4- No mesmo contrato ficou estabelecido que “(…)e por esta também concedo a licença ao mesmo comprador de tirar a Agoa do meu poço para uso de sua casa para todo o tempo do mundo podendo fazer entrada quando fizer a parede para o mesmo poço na parte mais procima ao dito poço(…)”.

5- Os AA., apesar de o alegarem, não provaram sequer que o poço fosse o mesmo a que diz respeito os autos.

6- Os AA. apenas provaram que retiram água de um poço por meio de tubos subterrâneos.

7- Ora, o poço em discussão nos autos é parte integrante do prédio rústico dos RR., enquanto construção com caracter de permanência, nos termos do art. 204, n.º1,d) e n.º 3 do C.C.

8- A posse e propriedade do poço estabelece-se por inerência à posse do imóvel em que o mesmo se integra.

9- Não foram alegados e muito menos provados e a matéria de facto provada atribui a propriedade aos AA. (ponto 5.º e 26.º dos factos provados) e bem assim, salvo o devido respeito não ficou provado que o direito água do poço não conhecesse quaisquer restrições ou limites.

10- Existe contradição entre os factos provados nos itens 5. º e 26.º e a decisão de compropriedade AA...

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