Acórdão nº 1070/18.0T8VNF-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Junho de 2021

Magistrado ResponsávelLÍGIA VENADE
Data da Resolução02 de Junho de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I RELATÓRIO.

  1. C. veio, nos termos do disposto no artº 1133º, do CPC, requerer a instauração de processo de inventário, motivado por dissolução, por divórcio, da união matrimonial com M. C..

    Fê-lo no Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão da Comarca de Braga, por apenso ao processo de divórcio sem consentimento que correu termos naquele juízo, convertido em divórcio por mútuo consentimento. Mais alega que nesse juízo correu sob o n.º 862/18.5T8VNF arrolamento de bens comuns do ex-casal, cuja apensação requer. Invoca o artº. 1083º, nº. 1, b) do C.P.C. quanto à competência dos Tribunais judiciais, e ao disposto nos artºs. 206.º, n.º 2 do CPC e artigo 122.º, n.º 2 da LOSJ, para justificar a apensação ao divórcio.

    No Tribunal “a quo” foi proferido o seguinte despacho: “(…) A questão de saber se o processo de inventário subsequente ao divórcio/separação corre por apenso ou não é actualmente controvertida, não tendo nós, de momento, uma posição muito clara sobre tal matéria. Temos defendido que o mesmo não corre por apenso.

    A primeira nota a reter coloca-se em saber se, tendo o divórcio sido decretado por um tribunal judicial, a competência é exclusiva do tribunal ou concorrente, por causa do critério da dependência referido no art. 1083.º/1, b), CPC. Se se entender que é competência exclusiva, então a consequência poderá, segundo alguns autores, e por força do art. 206º/2 CPC, que o processo de inventário corra por apenso. Se se defender que é competência concorrente com os cartórios, então não. Portanto, a questão tem de se colocar logo aqui: é de competência exclusiva dos tribunais ou podem as partes instaurar o processo no notário? Alguns juristas defendem que sendo instaurado no tribunal, corra por apenso porque, já existindo um processo no tribunal que este visa "executar", então em vez de se juntar certidão da sentença que decretou o divórcio, apensa-se o inventário ao divórcio. Ou seja, justificando-se a dependência nestes casos por uma questão de economia processual, numa interpretação mais lata do conceito de dependência, e aceitando-se uma dependência "fraca" como suficiente. Mas esta solução não resolve a questão prévia de saber se o inventário é de competência exclusiva/concorrente, e que é a questão central.

    Por outro lado, a ligação de dependência não é propriamente evidente, ao contrário do que sucede com os inventários de separação de meações em consequência de penhora ou insolvência - art. 1133.º CPC -, ou mesmo com os inventários por justificação de ausência. Nestes dois casos, temos um processo de inventário que se vai/pode reflectir no processo preeexistente, sendo o inventário como que um incidente do outro processo, que ainda não terminou ou pode ser reaberto. Ao que acresce que não temos uma norma como a do CPC anterior, que dizia expressamente que corriam por apenso ao divórcio, sendo certo que a regra de os processos "dependentes" correrem por apenso aos principais já existia também (art. 211/2 CPC anterior) - pelo que, se dependência houvesse, então não era necessário que o legislador expressamente estipulasse que corriam por apenso, tal apensação resultaria diretamente do então art. 211.º/2. E parecerá um pouco contraditório dizer-se que estes inventários são dependência do processo onde se decretou o divórcio e ao mesmo tempo termos inventários de separação de meações que não correm por apenso/nos próprios autos onde o divórcio foi decretado (os divórcios decretados nas conservatórias). Ou seja, pode haver separação de meações fora do processo de divórcio. Além de que o que sucede no inventário não vai reflectir-se no processo de divórcio, ao contrário dos inventários do art. 1133.º ou do inventário em justificação de ausência (neste último, apesar de tal poder não acontecer, há casos em que se pode ter de praticar alguns actos no processo onde se declarou a ausência, já depois do inventário pendente).

    Defendendo-se um conceito restrito de dependência, ou de dependência "forte", a operação de partilhar não é dependente do processo de divórcio; é, sim, consequência (não necessária, pois podem partilhar por acordo) da decisão que o decretou, mas não do processo, que até já terminou.

    Em suma, e por ora, defendemos que o processo de inventário não corre por apenso, porquanto o artº 1133º do CPC não o prevê, conforme dispunha o artº 1404º, nº 3, do CPC anterior, e porque não sendo da competência exclusiva dos tribunais, podendo o inventário efectuar-se no Notário, não poderá, obviamente, correr por apenso.

    Como última nota, e como reflexão, deixamos no “ar” a seguinte questão: se as partes, após o divórcio ou separação, forem residir para um local muito longe (vg. Portimão), fará sentido o processo correr por apenso no Juízo de Família e Crianças de V. N. de Famalicão? Assim sendo, e pelos fundamentos expostos, determino, após trânsito, a desapensação destes autos ao processo de inventário e a, oportuna, distribuição.

    Notifique. “*O requerente veio interpor recurso do despacho proferido apresentando alegações com as seguintes -CONCLUSÕES- A. Porque a Lei n.º 117/2019, de 13-9, que entrou em vigor no dia 01-01-2020, veio, além do mais, revogar o regime jurídico do processo de inventário instituído pela Lei n.º 23/2013, de 05-03, aprovando um novo regime do inventário notarial e reintroduzindo no CPC (artigos 1082.º a 1135.º) o inventário judicial.

  2. Porque a mesma estabelece a repartição de competências para a tramitação do inventário entre os Tribunais Judiciais e os Cartórios Notariais, delimitando o artigo 1083.º do CPC os casos em que o processo de inventário é da competência exclusiva dos primeiros.

  3. Porque o processo de inventário será, nomeadamente, da competência exclusiva dos Tribunais Judiciais “Sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial” (artigo 1083.º, n.º 1, alínea b) do CPC).

  4. Porque o artigo 1133.º, n.º 1, do CPC postula que, “Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns.”.

  5. Porque o inventário para separação de meações constitui evidente dependência do processo de divórcio judicial, na medida em que é consequência do que nele foi decidido, pois é da Sentença de divórcio que emerge o direito à partilha dos bens comuns do casal.

  6. Porque o inventário tem de correr nos Tribunais Judiciais (Juízos de Família e Menores) quando seja subsequente a ação de divórcio judicial, de acordo com a referida alínea b) do n.º 1 do artigo 1083.º do CPC, e tendo em vista o disposto no n.º 2...

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