Acórdão nº 5646/19.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE SANTOS
Data da Resolução07 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I – RELATÓRIO A. P.

, contribuinte fiscal n.º ………, casado, residente na rua …, n.º .., freguesia de …, Braga, propôs a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra T. P.

, contribuinte fiscal n.º ………, casada, residente na Avenida …, n.º …, freguesia de …, Amares, peticionando a condenação desta a restituir à herança de G. P., irmã de ambos, falecida a 13 de fevereiro de 2017, os saldos bancários indicados nos arts. 4º e 5º da petição inicial, existentes nas contas bancárias aí identificadas tituladas pela irmã falecida, bem como o valor do prédio objeto da doação indicada no art. 6 desse articulado e os bens móveis que constituíam o recheio desse prédio.

Alega, para o efeito, que a ré, aproveitando-se da situação de fragilidade, ignorância da G. P., convenceu-a a fazer o levantamento das quantias correspondentes àqueles saldos bancários, bem como a realizar a doação do prédio e respetivo recheio, acrescentando que “convenhamos que não é difícil persuadir uma pessoa de 77 anos de idade, analfabeta, doente, física e mental, frágil e vive sozinha que aquilo que está a ser feito, é para o seu bem, e que irá ser muito bem tratada”. Invoca, ainda, que tais bens foram subtraídos, deste modo, ao acervo hereditário da irmã falecida, passando a integrar o património da ré.

A Ré contestou impugnando a versão dos factos vertida na petição inicial, concluindo pela improcedência da acção.

Teve lugar a audiência prévia, no âmbito da qual, o Mmº juiz a quo pôs à consideração das partes a seguinte questão: "Para se pronunciarem sobre uma eventual ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir".

Nesta sequência o Ilustre Mandatário do autor pronunciou-se no sentido de que, “atenta a matéria de facto melhor descrita no seu articulado, não há ineptidão da petição inicial, concluindo pela improcedência desta exceção.” Tendo então sido concedida a palavra ao lustre Mandatário da ré foi dito “parecer pertinente a questão colocada pelo Tribunal, atendendo a que, conforme está vertido na sua contestação, os fundamentos da ação e pedido estão em contradição, pugnando pela procedência da exceção de ineptidão da petição inicial.” Foi proferido saneador sentença que decidiu: “Nestes termos, ao abrigo das normas acima citadas e ainda do disposto no art. 200º, nº 2, do C.P.C., decide-se julgar nulo todo o processo, por ineptidão da petição inicial, e, consequentemente, absolver a Ré da instância.” Inconformado com a sentença dela veio recorrer o Autor formulando as seguintes conclusões: 43.º O objeto do presente recurso visa a revogação da decisão proferida pelo Juízo Central Cível de Braga, em sede de audiência prévia, a qual, na sequência de as partes terem informado a falta de acordo conciliatório, considerou a petição inicial inepta, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC e determinou a nulidade de todo o processo.

  1. A exceção dilatória, de conhecimento oficioso, suscitada, nos termos do artigo 577.º, alínea b), e artigos 196.º e 578.º, que determinou a absolvição da instância, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, alínea b), todos do CPC, insuscetível de ser sanada, é violadora de princípios estruturantes do Processo Civil, mormente o poder-dever de boa gestão processual, a proibição do efeito surpresa, o princípio da oficialidade e do inquisitório.

  2. O vício de conteúdo da PI que, por via da sentença, ora em crise, determinou a nulidade de todo o processo, nos termos do artigo 186.º, n.º 1, do CPC, e o não conhecimento do mérito da ação com fundamento na falta de causa de pedir, nos termos do artigo 552.º, n.º 1, alínea d), restringe o direito do autor ao apuramento da verdade material, no âmbito de uma justiça equitativa.

  3. O Autor, aqui recorrente alegou como lhe competia os factos essenciais relacionados com herança indivisa, bem como as razões de direito que lhes estavam subjacentes, alegando os indícios de fragilidade e debilidade da autora da herança que a levou a cometer suicídio, baseando-se nesses factos jurídicos para enunciar o seu pedido, no intuito da produção da prova, em sede de audiência final, cumprindo os requisitos da petição inicial previstos no artigo 552.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

  4. Tanto o Autor que peticionou, por via da petição inicial, como a Ré que impugnou, por via da contestação, sempre se manifestaram cientes dos articulados, relacionados com o acervo da herança, por morte de G. P., irmã de ambos, sem suscitarem qualquer exceção, vício de conteúdo da petição inicial, ou dúvidas de interpretação, inclusive nas tentativas de conciliação, já goradas desde 09 de dezembro de 2020.

  5. A questão colocada pelo Meritíssimo Juiz, em sede de audiência prévia, ex novo, em 23/06/2021, convidando as partes a pronunciarem-se sobre uma eventual ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, nos termos e tempos em que foi apresentada, acarreta um efeito surpresa, injustificado e inadmissível nos presentes autos.

  6. Com efeito, salvo o devido respeito, e é muito, a decisão em apreço, nas circunstâncias de tempo e modo como foi suscitada nos autos, mais se afigura uma “retaliação processual”, do que uma exceção dilatória quo ante de conhecimento oficioso que poderia pôr termo ao processo, ab initio, até por questões de economia processual.

  7. O modus operandi do tribunal a quo, aquando do conhecimento da não obtenção de acordo para resolução do litígio, é violador do poder-dever da boa gestão e da economia processual, tanto em relação à possibilidade de aperfeiçoamento do articulado, se assim fosse entendido, ou à possibilidade de pôr termo ao processo, evitando diligências inúteis que não tinham razão de ser.

  8. Sem prejuízo do conhecimento oficioso da exceção dilatória, o tribunal decide pela ineptidão da petição inicial, sustentando-a na falta de causa de pedir, numa convicção meramente teórica e sem razão de ciência que não logra explanar as razões para não considerar as alegações relativas à situação de fragilidade, debilidade e respetivo suicídio.

  9. Resulta da parca motivação do tribunal, em violação das disposições do artigo 607.º, n.º 4 do CPC, uma fundamentação muito ténue, em relação à falta de causa de pedir relacionada com factos indiciadores da debilidade e fragilidade da autora da herança in illo tempore, relativamente aos indícios de falta ou vício da vontade.

  10. A posição do tribunal ao escamotear as trágicas circunstâncias em que ocorreu a morte da autora da herança, o respetivo estado mental, e circunstâncias em que passados alguns meses, após ter viajado para França e ido viver com a Ré, cometeu suicídio, ignorando a factualidade apresentada pelo Autor, faz tábua rasa dos elementos de prova requeridos com a PI.

  11. Os efeitos da decisão em apreço, em resultado de não ter havido convite ao aperfeiçoamento, desconsiderando todo o circunstancialismo invocado pelo autor e considerando que o autor não expôs factos que consubstanciem a causa de pedir, refutando o conhecimento do mérito da causa, consistem em coartar a produção da prova e impedir um julgamento justo.

  12. O incumprimento dos princípios estruturantes do Processo Civil, não permitindo, v.g., o aperfeiçoamento da PI, em tempo, como seria desejável em prol da economia e da celeridade processual, nem respeitando o princípio da proibição da decisão-surpresa, optando pelas disposições da absolvição da instância, nos termos do artigo 278.º, n.º 1, , alínea b) do CPC, sem fundamentar as razões pelas quais no processo, não foi suscetível de ser sanado o vício de conteúdo da PI, configura uma contradição e incoerência na tramitação da ação.

  13. Nas circunstâncias em que operou a exceção, com a decisão em apreço foram coartadas ao autor as possibilidades de apresentar os meios de prova permitidos por lei, denegando-se a produção da prova, na audiência final mormente a documental e testemunhal elencada na petição, não cumprindo os princípios da imediação e da oralidade ainda que sob a égide do ónus da prova, ao abrigo dos artigos 342.º e sgts do CC.

  14. A fundamentação da decisão do tribunal, no que concerne às fragilidades da autora da herança para efeito de formação da vontade, menospreza a factualidade apresentada, os indícios de indubitável fragilidade e debilidade mesmo tendo como fim nefasto – o suicídio, configura uma omissão de justiça, desvalorizando indícios e factos objetivos que impedem o apuramento da verdade material.

  15. Para além disso, e reiterando, a exceção dilatória insuscetível de ser sanada, nas circunstâncias e enquadramento jurídico em que foi suscitada, revela-se em desconformidade com os princípios estruturantes do Processo Civil, designadamente o princípio da oficialidade, do inquisitório, o poder-dever de gestão processual, previsto no artigo 6.º, e a proibição da decisão-surpresa, em violação do artigo 3.º, n.º 3 do CPC o que configura uma nulidade.

  16. Nesta conformidade, a decisão sub judice, para além de violar princípios estruturantes do Processo Civil, coartando os trâmites dos efeitos da produção da prova e o apuramento da verdade material em sede de audiência final, configura uma omissão de pronúncia ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

  17. Para além do mais, a insuficiência de fundamentação em relação à motivação do tribunal, atento a situação de fragilidade e debilidade alegada na petição inicial, viola ainda o artigo 607.º, n.º 4 do CPC.

  18. Ambas as situações cominam, em nosso entender, em nulidade, na medida em que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão principal que devia apreciar, e os termos em que se pronunciou quanto à falta de causa de pedir carecem de fundamentação, devendo a decisão em apreço ser revogada.

    TERMOS EM QUE,

    1. Deve o presente Recurso ser julgado procedente, devendo ser revogada a sentença emanada do tribunal a quo; E, consequentemente, b) Pugna-se pelo prosseguimento da ação, tendo em vista o conhecimento do mérito da causa.

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