Acórdão nº 4576/20.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 07 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução07 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. I. D.

e mulher, A. L.

, residentes na Urbanização …, n.º …, em Fafe (aqui Recorrentes), apresentaram-se à insolvência, pedindo que: · fossem declarados em estado de insolvência; · e lhes fosse deferida a exoneração do seu passivo restante, fixando-se-lhes um rendimento indisponível de € 1.905,00 (equivalente a três salários mínimos nacionais).

Alegaram para o efeito, em síntese: terem, respectivamente, 70 e 67 anos de idade, e serem casados entre si; e encontrarem-se eles próprios impossibilitados de cumprirem as suas obrigações vencidas, de cerca de € 185.000,00, por falta de património e de rendimentos suficientes para o efeito (tendo as mesmas resultado da sua actividade de sócios e gerentes de C. e F., Limitada que se dedicava à construção civil - também ela já declarada insolvente -, e cujas obrigações garantiram pessoalmente, tendo ainda contraído diversos empréstimos, em benefício da Sociedade e deles próprios).

Mais alegaram terem como único rendimento a pensão mensal de velhice auferida pelo Requerente, de € 936,73, mas que se encontra penhorada em um terço (por isso só auferindo a quantia líquida mensal de € 638,99); terem de fazer face com ele a todas as despesas do seu agregado familiar, composto por eles próprios e por dois filhos comuns (solteiros, maiores, cada um deles já declarado insolvente, e sem quaisquer rendimentos ou património próprio); e sobreviverem apenas com a ajuda de familiares (nomeadamente, de uma outra filha da Requerente).

Por fim alegaram: terem cumprido o seu dever de se apresentarem à insolvência, tê-lo feito em tempo, e não terem culpa na criação dessa situação; não terem beneficiado antes da exoneração do passivo restante; e não terem registado qualquer condenação criminal, pelos crimes previstos nos arts. 227.º a 229.º, do CP.

1.1.2.

Foi proferida sentença, onde, nomeadamente: se declarou a insolvência dos Requerentes (I. D. e mulher, A. L.); se decretou a imediata apreensão de todos os seus bens; e se designou o prazo de trinta dias para reclamação de créditos (sentença que aqui se dá por integralmente reproduzida).

1.1.3.

Foi proferido despacho, declarando encerrado o processo de insolvência, por insuficiência da massa insolvente para satisfazer as custas do processo e as suas restantes dívidas; e declarando fortuito o carácter da insolvência (decisões que aqui se dão por integralmente reproduzidas).

1.1.4.

Após apresentação do relatório a que alude o art. 155.º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (1) pelo Administrador de Insolvência, e junção de prova documental pelos Requerentes (I. D. e mulher, A. L.), foi proferido despacho, admitindo liminarmente o pedido dos Requerentes de exoneração do passivo restante (após parecer favorável do Administrador de Insolvência, e não oposição dos credores dela), lendo-se nomeadamente no mesmo (que aqui se dá por integralmente reproduzido): «(…) Ora, inexiste qualquer indício de que os insolventes se tenham abstido de se apresentar à insolvência após o conhecimento da sua situação de insolvência, assim como não há indícios de que os devedores tenham actuado em prejuízo dos seus credores e bem assim que as suas condutas se possam subsumir a qualquer culpa grave no agravamento da situação.

Acresce que nenhum dos credores dos Insolventes se opôs ao dito pedido de exoneração do passivo restante. Também o Sr.(a) Administrador (a) de Insolvência nada opôs ao dito pedido.

Em sede de qualificação da insolvência foi já proferida decisão que a declarou como fortuita.

Não decorre, igualmente, dos autos que os insolventes tenham violado quaisquer deveres de informação ou colaboração (art.º 238º, nº 1 do CIRE). Acresce que os insolventes nunca foram condenados pelos crimes enunciados no art.º 238º, nº 1, al. f) do CIRE, conforme se pode constatar dos CRC juntos aos autos.

Assim, relativamente ao pedido de exoneração do passivo restante formulado, em face dos elementos constantes dos autos não há razões que obstem ao deferimento da pretensão formulada e nomeadamente algum dos previstos no n.º 1 do art.º 238º do C.I.R.E.

Não havendo pois motivos para o indeferimento liminar de tal pretensão e afigurando-se-nos razoável a pretensão manifestada, o Tribunal através deste despacho inicial faculta a possibilidade de recurso ao mecanismo em causa aos requerentes, na condição de, nos termos do art.º 237º al. b) do CIRE, os devedores, durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo satisfaçam as condições previstas no art.º 239º do mesmo código, ou seja, que durante esse período de cessão o respectivo rendimento disponível seja cedido a pessoa, que de seguida seja designada, como fiduciário, rendimento esse que será todo o auferido pelos mesmos com ressalva de uma quantia equivalente a uma retribuição mínima mensal garantida, quantia que fica reservada para cada um dos devedores (art.º 239º nº 3 al. b) do CIRE), ou seja, um total de duas retribuições mínimas mensais garantidas.

Determina-se ainda que durante esse período os devedores fiquem sujeitos ao cumprimento das obrigações previstas no n.º 4 do art.º 239º do CIRE.

Para fiduciário nomeio o Sr(ª). Administrador(a) de Insolvência já nomeado nos autos.

Notifique.

Registe e publicite nos termos do art.º 240º e 247º do CIRE.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformados com esta decisão, os Insolventes (I. D. e mulher, A. L.), na parte em que fixou o seu rendimento disponível, interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se alterasse a decisão recorrida (fixando o seu rendimento indisponível em três salários mínimos nacionais).

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões): A - O Tribunal a quo deveria ter decidido conforme alegado, ter o tribunal apreciado a situação do agregado familiar dos requerentes na decisão que proferiu e se requer seja conhecido, devendo ser declarado que em face dos factos alegados e provados pelos requerentes o valor reservado para os requerentes e acima do qual deve ser efetuada a cessão seja de pelo menos 1905€ ou seja de 952,50€ para cada.

Pelo que o tribunal a quo violou a al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.

B - O Tribunal a quo deveria ter sido decidido conforme alegado, após ter apreciado a situação do agregado familiar dos requerentes na decisão que proferiu e se requer seja conhecido, devendo ser declarado que em face dos factos alegados e provados pelos requerentes o valor reservado paras os requerentes e acima do qual deve ser efetuada a cessão seja de pelo menos 1905€ ou seja de 952,50€ para cada.

Pelo que o tribunal a quo violou a al. i) do n.º 3 do art.º 239.º do CIRE.

*1.2.2. Contra-alegações Não foram juntas quaisquer contra-alegações.

*II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR 2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

*2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar 2.2.1. Identificação das questões Mercê do exposto, duas questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem: 1.ª - É a decisão recorrida nula, na parte em que fixou o rendimento disponível a ceder pelos Insolventes aos seus credores, nomeadamente por não especificar os fundamentos de facto que a justificam (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC)? 2.ª - Foi insuficientemente considerado, na determinação do rendimento disponível a ceder pelos Insolventes aos seus credores, o terem os mesmos a seu cargo dois filhos maiores?*2.2.2. Ordem do seu conhecimento Lê-se no art. 663.º, n.º 2, do CPC, que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».

Mais se lê, no art. 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

Ora, tendo sido invocada pelos Recorrentes (I. D. e mulher, A. L.) a nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo (vício que, a verificar-se, obsta à sua validade), deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às restantes questões objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento das demais (2).

*III - QUESTÃO PRÉVIA - Vícios da decisão de mérito 3.1.

Nulidades da decisão judicial versus Erro de julgamento As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou à sua validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º, do CPC (3).

Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença» ou de despacho judicial, já que «a decisão da matéria de facto está...

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