Acórdão nº 445/20.0T8VPA.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução14 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório Y – Construções Lda., com sede na Rua …, n.º .., fracção .., Barcelos intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra Seguradoras X, S.A., com sede na Avenida …, n.º …, Lisboa, pedindo que:

  1. Se declare existente, válido e eficaz o contrato de seguro ramo automóvel, apólice n.º .........56.

    b) Se condene a Ré a mandar proceder à reparação do veículo pagando a quantia de €.11.603,25 (onze mil, seiscentos e três euros e vinte e cinco cêntimos).

    c) Se condene a Ré no pagamento de uma indemnização a favor da Autora a título de danos não patrimoniais, nunca inferior a €4.000,00 (quatro mil euros).

    d) Se condene a Ré nas custas e legais acréscimos.

    Alega para tanto e em síntese que é proprietária do veículo com a matrícula JO, e em 27/07/2018, celebrou com a Ré um contrato de seguro de danos próprios que cobria, para além do mais, as situações de furto ou roubo, choque e colisão.

    Que no dia 13/09/2018, um trabalhador da Autora, que se encontrava em Espanha, em trabalho, pegou na chave do veículo da autora, e sem lhe dar conhecimento, ou ao funcionário responsável pela viatura, fez a viagem de regresso a Portugal, bem sabendo que o veículo não lhe pertencia e que agia sem conhecimento e autorização da Autora.

    Que horas mais tarde, o legal representante da Autora deslocou-se à habitação do trabalhador em causa, o qual entregou a chave do veículo e indicou a localização do mesmo apresentando o veículo diversos danos resultantes da condução desde Espanha até à sua residência, sendo que a reparação dos danos ascende a €11.603,25.

    Mais alega que deu conhecimento da situação à Ré, a qual declinou a sua responsabilidade.

    Entende que tem direito à reparação do veículo, devendo a Ré ser ainda condenada a indemnizar a Autora pelos danos não patrimoniais sofridos, pois ao não reparar o veículo deixou a Autora numa situação económica difícil.

    Regularmente citada a Ré veio contestar confirmando a celebração do contrato de seguro com as coberturas de quebra de vidros, furto ou roubo e choque, colisão e capotamento, tendo sido também acordadas franquias, com excepção da cobertura furto ou roubo para a qual não foi fixada franquia; entende, contudo, que o sinistro em causa não tem cobertura na apólice, pois não sabe se inexistiu autorização do agente para utilizar o veículo, porque o agente era funcionário da Autora e dependia economicamente da mesma e porque o agente não tinha carta de condução, o que é igualmente uma cláusula de exclusão do seguro.

    Mais alega que as cláusulas do seguro excluem também os danos sofridos pela Autora em virtude da privação do uso.

    A Autora veio exercer o contraditório defendendo que não se verifica a exclusão do sinistro pois quando o funcionário praticou os factos não estava ao serviço efectivo da Autora e apenas trabalhou para a Autora 3 dias e a Autora desconhecia se o agente tinha ou não tinha carta de condução, pois tal não era necessário para as funções para as quais foi contratado e porque nunca iria ter autorização para conduzir o veículo.

    Pediu ainda que a Ré seja condenada como litigante de má-fé, em multa fixada no máximo e indemnização a favor da autora nunca inferior a €2.400,00.

    A Ré veio requerer o desentranhamento da resposta da Autora por inadmissibilidade legal e pronunciar-se quanto ao pedido de condenação como litigante de má-fé, cuja improcedência defende, por ser manifestamente infundado.

    Foi indeferido o pedido de desentranhamento formulado pela Ré a fls. 131, foi dispensada a realização de audiência prévia, proferido o despacho saneador e despacho a fixar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

    Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se: A. Declarar existente, válido e eficaz o contrato de seguro ramo automóvel apólice n.º .........56.

    1. Absolver a ré Seguradoras X, S.A., dos demais pedidos formulados pela autora Y – Construções Lda..

    2. Absolver a ré Seguradoras X, S.A., do pedido de condenação como litigante de má fé.

    *Custas a cargo da autora.

    *Registe e notifique.” Inconformada, apelou a Autora da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma: “CONCLUSÕES: 1. Entende a Recorrente que o Meritíssimo Juiz a quo, face à correta apreciação e valoração da prova documental junta aos autos e, bem assim, da prova produzida em Audiência de Julgamento não poderia ter absolvido a Recorrida nos moldes constantes da sentença, razão pela qual não concorda com todas as conclusões retiradas e que ficaram plasmadas na sentença e, naturalmente, com a decisão proferida.

    1. Com efeito, contrariamente ao constante da sentença recorrida, entende a Recorrente que não se verificaram as exclusões da responsabilidade da Ré estando assim o sinistro abrangido pelo contrato de seguro com a apólice nº .........56.

    2. De igual forma, não pode a Recorrente compartilhar do entendimento constante da sentença no que diz respeito a considerar que se encontra preenchida a exclusão prevista na clausula nº 3º alínea b) da condição especial de «furto ou roubo», pelo facto do crime de furto de uso ter sido praticado por um trabalhador da Autora.

    3. O mesmo se verificando quanto ao entendimento constante da sentença no que diz respeito a considerar que se encontra preenchida a exclusão prevista na clausula 40º nº 1 alínea a) das condições gerais do contrato, pelo facto do veículo ser conduzido por pessoa que, para tal, não esteja legalmente habilitada.

    4. E consequententente considerar que tal sinistro está excluido da cobertura de “furto ou roubo” e bem assim de “choque, colisão e capotamento”.

    5. Bem como entende a ora recorrente que a sentença em apreço violou o disposto nos artigos 12º, 15º e 16º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, na redacção do Decreto-Lei n.º 249/99, de 7 de julho e ainda o disposto nos artigos 280º e 286º do Código Civil, pelo que deverá ser revogada e substituída por outra que faça a correta aplicação do direito, conforme se demonstrará.

    6. EM VIRTUDE DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA: Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo, tendo por referência as ilações e conclusões retiradas, no nosso entendimento, sem qualquer suporte factual, considerar que se verificava a exclusao da responsabilidade da ré, por entender que o sinistro ocorrido não estará abrangido pelo contrato de seguro com a apólice n.º .........56.

    7. Concluindo pela absolvição da Recorrida nos termos e moldes constantes da sentença, para cujo teor, por brevidade e economia processual, se remete.

    8. Entende a Recorrente que ocorreu um manifesto e notório erro na apreciação da matéria de facto e de direito, impondo-se a sua reapreciação por V.Ex.ªs.

    9. Da análise da prova documental e testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento é notório e evidente o erro de julgamento e, bem assim, as contradições que a fundamentação de facto encerra.

    10. A pessoa que furtou o veículo, quando o fez, não se encontrava ao serviço efetivo da recorrente, pois furtou o veículo durante a noite, quando já tinha terminado o seu horário de trabalho, sem autorização ou consentimento desta, enquanto todos os restantes funcionários se encontravam a dormir.

    11. O autor do crime foi contratado pela recorrente no dia 8.09.2019 e o furto ocorreu no dia 13.09.2018, pelo que o mesmo apenas trabalhou para a recorrente pelo período de 4 dias e depois deste episódio, o contrato de trabalho cessou.

    12. Assim não podemos concordar com o Digníssimo Tribunal “à quo” ao considerar que o mesmo dependia financeiramente da ora recorrente.

    13. A recorrida veio invocar a exclusão da sua responsabilidade, dada a existência da cláusula 40º, nº 1, alínea a) das Condições Gerais do Contrato de Seguro celebrado entre Autora e Ré: 1. Para além das exclusões previstas na cláusula 5.ª, o contrato também não garantirá ao abrigo das coberturas facultativas acima previstas, as seguintes situações: a) Sinistros em que o veículo seja conduzido por pessoa que, para tal, não esteja legalmente habilitada ou esteja inibida, por lei ou decisão judicial, de conduzir.

    14. Sucede que a cláusula em causa é abusiva, por contrária à boa-fé, sendo uma clásula proibida, logo nula, dado que exige que o condutor do veículo furtado seja portador de carta de condução e introduz um significativo desequilíbrio contratual entre as partes e esvazia a utilidade do seguro contratado (art.s 12º, 15º e 16º do DL nº 446/85 e art. 280º do CCivil).

    15. As condições gerais e especiais de um contrato de seguro, não deixam de ser cláusulas contratuais gerais, e, como tal, estão submetidas ao DL nº 446/85.

    16. O contrato de seguro resolve-se por regra num contrato de adesão, na medida em que o tomador se limita a aderir aos termos que lhe são propostos, não discutindo as partes todos os termos do contrato.

    17. De acordo com José Vasques (ob. cit., p. 355) “as cláusulas abusivas são normalmente associadas ao contrato de adesão e ao contrato de seguro. Esta associação fica a dever-se ao facto de o contrato de seguro ser, provavelmente, o mais antigo contrato de adesão, a comportar uma extensa enunciação de condições, frequentemente redigidas e impressas de forma que dificulta a sua legibilidade e compreensão”.

    18. O caráter abusivo de uma cláusula contratual geral, por atentatória da boa-fé, pode e deve ser conhecido oficiosamente pelo Tribunal, precedendo o cumprimento do contraditório.

    19. Tal conhecimento oficioso é permitido pelo ordenamento jurídico nacional e foi especialmente pretendido pela Diretiva 93/13/CEE, sendo esta a orientação do Tribunal de Justiça da União Europeia.

    20. A aludida cláusula 40 nº 1 alínea a) que exige que o condutor de veículo furtado seja portador de carta de condução é claramente abusiva, por contrária à boa-fé.

    21. Assim como a exclusão prevista na clausula nº 3 alínea b) da condição especial de...

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