Acórdão nº 2445/20.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução21 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I.RELATÓRIO O autor F. F. instaurou, em 27-05-2020, no Tribunal de Guimarães, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a ré L. A..

Pediu que esta fosse condenada: “A) – A pagar ao Autor uma indemnização de valor nunca inferior a €85,258,15 (…), a título de ressarcimento de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que todos os seus comportamentos causaram directa e necessariamente ao Autor, pela posse e ocupação dos seus bens móveis e imóvel no período de 21/03/2005 a 03/09/2018, ou seja, pela habitação do imóvel e uso dos bens móveis aqui supra indicados, porque bens próprios e exclusivos do Autor, e porque tal conduta foi exercida pela Ré contra a vontade do Autor, sabendo a Ré que não o podia fazer, violando, assim, de forma ilícita e culposa o seu direito de propriedade sobre os mesmos, acrescida dos juros legais contados desde a data da citação desta acção até efectivo e integral pagamento.

B)- No pagamento de sanção pecuniária compulsória, de montante não inferior a uma UC (Unidade de Conta Processual), por cada dia de atraso no cumprimento da decisão em que venha a ser condenada e notificada pelo Tribunal, de forma a assegurar a efectividade de mesma, dividindo-se o montante desta sanção em partes iguais entre o Estado e o Autor (Artº. 829-A, nº 1 e 3, do CC).

C)- No pagamento das custas do processo, procuradoria condigna e no mais de Lei”.

Alegou, para tanto, resumindo [1] que no âmbito do processo de divórcio que correu entre ambos, a casa de morada de família e respectivo recheio foram, primeiro provisoriamente, por decisão judicial, e, depois, por acordo homologado, atribuídos à ré (neste caso, até que fosse efectuada a partilha), tendo-lhe sido entregues em 07-03-1997.

Uma vez renovada, pela ré, a instância litigiosa, foi proferida, em 26-10-2000, a sentença, já transitada, que decretou o divórcio por culpa do autor.

Na sequência, este, em 02-10-2002, instaurou inventário para partilha dos bens comuns. Na respectiva conferência de interessados, realizada em 30-09-2004, o autor licitou sobre o dito imóvel (relacionado aí como verba nº 18) e sobre alguns dos móveis do recheio (verbas 7, 11, 12, 14, 15 e 17).

Em 07-01-2005, foi elaborado o mapa de partilha, segundo o qual o quinhão do autor foi preenchido com os bens licitados; e, o da ré, entre o mais, com tornas, a pagar por este, no valor de €48.630,30. Tal mapa foi homologado por sentença de 01-03-2005, transitada em 21-03-2005, e, através desta, assim, adjudicados os respectivos quinhões.

Porém, nem a casa (e recheio) foram, então, entregues pela ré ao autor, nem este pagou àquela as tornas devidas.

Em 23-05-2013, a ré intentou execução comum para cobrança do seu crédito. Por sua vez, o autor requereu, em 12-12-2017, a entrega coerciva daqueles bens, isto porque ela “sempre se recusou a fazê-lo”.

Com efeito, se é certo que, desde que foi nomeada cabeça de casal no processo de inventário e até à partilha (21-03-2005), a ré exerceu as respectivas funções de administradora dos bens comuns, a partir daí, apesar de os licitados e adjudicados terem passado a ser propriedade plena e exclusiva do autor, foi ela que os “possuiu, habitou e utilizou de forma exclusiva, e também os administrou de forma exclusiva, daqui retirando todos os seus frutos e rendimentos exclusivamente para si” até 03-09-2018, data em que foram entregues ao autor, “sendo que habitou de forma exclusiva a casa de habitação e utilizou esta e o seu recheio em proveito próprio”, nunca por isso lhe tendo pago qualquer quantia. Tal utilização “representou um rendimento para a ré”, pois “o valor de uso destes bens móveis e imóvel representou uma vantagem económica que não pode deixar de ser considerada neste processo, sob pena de injusto locupletamento à custa alheia e de um intolerável enriquecimento sem causa da ré, que, aliás, a lei não consente”. Conforme perícia efectuada no apenso E do inventário e utilizando os critérios nela apurados, o valor de tal utilização ascende a €80.258,15.

Assim, a ré, com essa “posse e uso de forma exclusiva” dos bens, cujo “valor locativo mensal correspondente ao uso deste tipo de bens”, auferiu “um rendimento no valor nunca inferior a €80.258,15” que o autor “tem o direito de exigir da ré, como exige, o seu pagamento”, uma vez que esta “não pode beneficiar do lucro ou rendimento que lhe proporcionou a utilização exclusiva destes bens próprios e exclusivos do Autor desde, pelo menos, 21/03/2005 e 03/09/2018, em prejuízo deste.

” Acrescentou, ainda, que sofreu danos, pois “nunca teve outra casa de habitação se não a indicada nestes autos, nem tem” e “a privação destes bens (a casa de habitação e respetivo recheio) durante este período – 13 anos, 5 meses e 13 dias -, ocorreu de forma completamente ilegítima e causou prejuízos sérios ao Autor, como se passa a demonstrar”.

Primeiro, porque tal posse e uso exclusivos ocorreu “contra a vontade do autor F. F., como ela bem sabe”, já que, “desde a data de 21/03/2005 e até 03 de Setembro de 2018 o Autor, por diversas vezes, interpelou a Ré extrajudicialmente para esta proceder à entrega desses bens, e desocupar a casa de habitação” mas ela “sempre se recusou a fazê-lo, alegando precisamente que precisava da casa para si e para a família da filha de ambos I. R., que também ali residia juntamente com o marido e 2 filhos”. Tal declaração “demonstra que a posse e uso destes bens a seu favor lhe proporcionava vantagens económicas e interesse, pois permitiu-lhe garantir a seu favor o direito de habitação durante todos estes anos.” Também aconteceu que, em 07/05/2000, o autor foi vítima de um acidente. Este “causou-lhe uma incapacidade parcial permanente superior a 50%, que o impediu de exercer uma actividade profissional remunerada normal, quer por conta própria, quer por conta de outrem, situação que se mantem até hoje, além de que a saúde do Autor tornou-se cada vez mais débil, que se agravou ao longo dos tempos, como, aliás, já era previsível à data do mesmo, conforme resulta dos documentos médicos aqui juntos”. Tal facto “implicou que a situação financeira do Autor entrasse em total derrapagem durante todos estes anos, ao ponto de mal ter dinheiro para comer, pois o seu único rendimento era a sua pensão de reforma por invalidez de valor aproximado a € 250,00, pois hoje (2020), esta ascende a apenas € 321,17”. Assim, “durante todos estes anos o Autor foi resolvendo o seu problema de habitação com recurso a arrendamento, pagando as respetivas rendas, a habitações cedidas por pessoas amigas, a quem teve também de pagar pelas despesas com o seu alojamento, e finalmente viu-se obrigado a ter de regressar a casa de seus pais, onde residiu até 03/09/2018, mas cujas despesas com o seu alojamento também teve de suportar”.

Ora, “se a Ré tivesse entregado estes bens ao Autor logo que findou a partilha (21/03/2005), como devia, o Autor teria sido poupado às despesas com os arrendamentos que foi obrigado a contrair, a título de habitação.”. Por isso, “a este título – habitação – o prejuízo do Autor nunca pode ser de valor inferior ao lucro ou vantagem económica obtida pela Ré pela posse e ocupação dos bens aqui em causa do Autor durante todo o tempo aqui supra indicado, ou seja, de valor nunca inferior a € 80.258,15”.

“Efetivamente, em virtude dessa ocupação e posse pela Ré destes bens neste período, o Autor ficou impedido de os fruir, quer diretamente, quer dando-os de arrendamento, por um valor mensal que, em termos de mercado, seria o adequado a constituir como contrapartida pela fruição destes bens, valor este indicado no relatório pericial aqui junto, ou seja, a atuação da Ré determinou para o Autor a privação de um rendimento que, até à data de 03/09/2018, ascende a valor nunca inferior a €80.258,15, rendimento este em cujo ressarcimento deve a Ré ser condenada, sob pena de se verificar, para a Ré, uma situação de verdadeiro e ilícito enriquecimento sem causa, que, de todo, não pode ocorrer.” E, “por seu lado, se o Autor tivesse podido fruir indiretamente destes bens, o mesmo poderia ter tido um rendimento a título de rendas, também de valor equivalente, no pleno uso do seu direito de propriedade sobre os mesmos.” Porque tais factos lhe provocaram “um estado de espirito muito depressivo, muitos momentos de angústia, desgosto, preocupação e muita aflição, pois muitas vezes viu-se na iminência de ser despejado das casas onde se encontrava a habitar, porque não tinha dinheiro para cumprir com os arrendamentos, ou com o pagamento das ajudas no seu alojamento quando estava em casa de pessoas amigas” e porque “todos estes sentimentos de transtorno, preocupação e aflição, são também merecedores da tutela do direito, e por isso, suscetíveis de compensação em dinheiro”, é seu direito exigir-lhe indemnização, também a título de danos morais, no valor de €5.000,00.

Em conclusão, como “o Autor passou a ser, de facto e de direito, o proprietário pleno e exclusivo destes bens” e “como seu exclusivo proprietário, o ora Autor goza, de modo pleno e exclusivo, dos respectivos direitos de uso (“ius utendi”), fruição (“ius fruendi”) e de disposição (“ius abutendi”) (Artºs. 1305 e 1308 do CC)” e “correlativamente, foi ilícita e ilegítima a adoção desta conduta por parte da Ré de privação destes bens do Autor a favor dela durante todos estes anos, pois perturbou, afetou, diminuiu e constituiu obstáculo ao normal exercício dos poderes correspondentes ao exercício do aludido direito de propriedade do Autor sobres estes mesmos bens” e “ela sabia e sempre soube que tal conduta não lhe era permitida por Lei, mas mesmo assim, não deixou de a exercer de forma voluntária”, tal “conduta ilícita e culposa da Ré fá-la incorrer em responsabilidade civil, com o consequente dever de indemnizar o Autor, nos termos do disposto nos Artsº. 1305, 1308, 483, 562 e 566, todos do CC.” Sustenta, enfim, tal pretensão indemnizatória no valor total peticionado “com...

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