Acórdão nº 8264/15.9T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | RAQUEL BAPTISTA TAVARES |
Data da Resolução | 28 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I.
Relatório A. M. e mulher, M. B.
intentaram contra G. M. e mulher, M. P.
a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, na qual pedem que: A) se declare que são donos, senhores e legítimos possuidores do imóvel identificado no n.º 1, da P.I.; B) se determine a fixação da linha divisória ou de demarcação entre os dois prédios confinantes de Autores e Réus, com colocação e cravação dos respectivos marcos divisórios para futura construção do muro divisório, na parte em que o mesmo puder ser edificado, de conformidade com as linhas de demarcação proposta em n.º 31 – no que diz respeito à confrontação sul do prédio dos Autores e norte do prédio dos Réus – e proposta em n.º 50 e 51 – no que diz respeito a parte da confrontação poente do prédio dos AA. e nascente do prédio dos Réus – ambas melhor explicadas na P.I.; C) condenem os Réus a demolir a parte do muro construída sobre o logradouro do prédio dos Autores e a restituir aos mesmos a parcela de terreno que abusivamente ocuparem, após a construção desse muro; D) condenem os Réus a indemnizar os Autores no valor mínimo de €20,00 por cada dia passado, a contar do dia 15 de Abril do ano da propositura da acção até ao momento em que for reposta a anterior situação e, muito particularmente, até à data em que for demolido o respectivo muro construído no logradouro do prédio dos Autores e restituída a estes a faixa de terreno abusivamente ocupada pelos Réus.
Alegam, para tanto e em síntese: Que os Réus, proprietários de prédio que confina de nascente com o lado poente do prédio dos Autores, sem o consentimento e contra a vontade destes, ocuparam parte do logradouro do prédio dos Autores com a construção de um muro de pedra, assenhoreando-se de parcela de terreno a estes pertencente.
Que, uma vez que nunca foram definidos os limites comuns de ambas as propriedades, mostra-se necessário estabelecer a exacta localização da linha delimitadora, nas vertentes sul e poente do prédio dos Autores/norte e nascente do prédio dos Réus.
Que a actuação abusiva dos Réus vem causando prejuízo aos Autores.
Regularmente citados, os Réus contestaram impugnando que a linha divisória dos dois prédios seja a indicada pelos Autores e alegando que o limite dos dois prédios foi acordado entre si e a anterior proprietária R. F. e traçado no local o limite da divisão dos dois prédios através da construção de um muro provisório em blocos.
Mais alegam que a parcela de terreno situada a poente da sua casa, até ao muro em pedra que no limite edificaram, faz parte do seu prédio e invocam a aquisição originária do direito de propriedade, fundada no exercício da posse pública, pacífica e de boa-fé, ininterruptamente mantida desde pelo menos 1978.
Alegam ainda que a faixa de terreno situada a norte da sua casa de habitação, delimitada por guias e pavimentada em cubo de granito, é caminho público do domínio da Junta de Freguesia, sendo transitado desde tempos imemoriais por pessoas daquele local, entre os quais Réus, Autores e anteproprietários, para aceder, a pé e de carro, aos seus prédios e a outros situados a poente e sul.
Que caso se não considere que o caminho é público, sempre se encontra constituída a favor dos Réus servidão de passagem pela referida parcela de terreno, resultante do trânsito, por Autores e antepossuidores, para aceder, a pé e de carro, ao quintal do seu prédio através da faixa de terreno situada a poente do mesmo.
Os Réus reconvieram, pedindo a condenação dos Autores a) reconhecer que os Reconvintes são donos e legítimos possuidores do prédio acima referido no artigo 247º, e que deste faz parte integrante a faixa de terreno que aludem nos artigos 257º e 267º da contestação/reconvenção; b) reconhecer que os Reconvintes detêm a posse dessa faixa de terreno de forma legal e legítima; c) reconhecer que o caminho com as características constantes no artigo 271º da contestação/reconvenção se trata dum caminho público. Se assim não for entendido d) reconhecer que sobre essa parcela de terreno existe uma servidão legal de passagem; e) abster-se da prática de quaisquer actos lesivos do direito de propriedade e posse dos Reconvintes.
Pediram a condenação dos Autores no pagamento de multa como litigantes de má-fé de valor não inferior a € 5.000,00 (cinco mil euros).
Os Autores replicaram mantendo a versão da petição inicial e impugnando a matéria alegada pelos Réus, e os fundamentos do pedido reconvencional destes, concluindo pedindo a improcedência da reconvenção.
Por despacho proferido a 27/06/2016 (fls. 160 e ss.), transitado em julgado, foi fixado em €122.070,00 o valor da presente acção e determinada a remesso dos autos para a Instância Central Cível de Guimarães, por competente em razão do valor.
Por despacho de 09/12/2016 foi admitido o pedido reconvencional e determinado o cumprimento do disposto nos artigos 15º e 16º da Lei n.º 83/95.
Foi proferido despacho saneador e despacho destinado à identificação do objecto do litígio e à enunciação enunciando dos temas da prova.
Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, julgo: A.
Parcialmente procedente a acção, declarando que os Autores são donos, senhores e legítimos possuidores do imóvel identificado nos factos provados números 1 e 2.
B.
Parcialmente improcedente a acção, absolvendo os Réus dos demais pedidos formulados pelos Autores.
C.
Parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando os Reconvindos/Autores a: a) reconhecer que os Reconvintes são donos e legítimos possuidores do prédio referido nos factos provados números 6 a 8 e 24, e que deste faz parte integrante a faixa de terreno que vai desde a parede exterior poente da casa de habitação dos Reconvintes até ao muro divisório melhor descrito nos factos provados números 18 e 19; b) reconhecer que os Reconvintes detêm a posse dessa faixa de terreno de forma legal e legítima; c) reconhecer que o caminho com as características descritas nos factos provados números 25 a 28, integra um caminho público denominado “Travessa ...”.
-
abster-se da prática de actos lesivos do direito de propriedade e posse dos Reconvintes.
D.
Improcedente o pedido de condenação por litigância de má-fé deduzido pelos Réus, do qual vão os Autores absolvidos.
* ***Custas do pedido pelos Autores, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário (art.º 527º do CPC).
Custas do pedido reconvencional pelos Réus/Reconvindos, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário (art.º 527º do CPC).
* ***Notifique e registe.” Inconformados, apelaram os Autores da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “EM CONCLUSÃO: 1- Aos 03/06/1975 e por escritura pública lavrada nessa mesma data na Secretaria Notarial de …, os então proprietários, J. L. e sua mulher, A. R., daquele prédio rústico/bouça, desanexaram duas parcelas de terreno também provenientes daquele mesmo prédio rústico/bouça: a) uma com a área de 405m2, confrontado do Norte com A. B., do Sul com J. L. (vendedor) e A. S., do Nascente com caminho público – agora Travessa ... – e do Poente com J. L. (vendedor), que foi vendida aos AA.; b) uma outra com a área de 200m2, a confrontar do Norte com A. B. – melhor dizendo, com a parcela de terreno que nesta mesma escritura foi vendida aos AA. – Nascente com caminho público – agora Travessa ... – e do Sul e Poente com J. L. (vendedor), que foi vendida a A. S.; 2- O caminho público que então já existia no local e com o qual, pelo lado Nascente, confrontava o mencionado prédio rústico/bouça do qual foram desanexadas as 3 parcelas de terreno que permitiram a construção da casa de habitação do Pai da A. esposa e da R. esposa, a casa de habitação dos AA. e a casa de habitação que, mais tarde, viria a ser comprada pelos RR., era um caminho recto, traçado a direito, sem curvas e sem nenhuma reentrância para o lado da bouça.
3- O remanescente do que era a totalidade daquele prédio rústico – descrição nº ... e artigo rústico ... - de onde foram desanexadas aquelas 3 parcelas de terreno permaneceu intacto e sem outras desanexações ao longo dos anos e até ao dia de hoje.
4- A parcela de terreno transmitida ao A., A. M., e onde o mesmo construiu a sua casa de habitação, confrontava e confronta a Nascente com o então caminho público, mais estreito, e que actualmente se denomina Travessa ...; 5- A parcela de terreno transmitida ao A. S. e onde o mesmo construiu a sua casa de habitação, confrontava e confronta a Nascente com o então caminho público, mais estreito, e que actualmente se denomina Travessa ...; 6- Este antigo caminho público, em terra batida, e com o qual confrontavam pelo lado Nascente aquelas 3 mencionadas parcelas de terreno e, depois, prédios de habitação, arrancava ou entroncava naquele outro caminho público mais largo e mais transitado que ligava a freguesia de ... à freguesia de ….
7- E era então, como “grosso modo”, permanece hoje, um caminho público recto, sem curvas e sem qualquer reentrância pelo seu lado Poente, ou seja, para o lado da bouça e para o lado das 3 parcelas de terreno onde nasceram as casas de habitação referidas acima.
8- Os AA., pelo seu lado, também não construíram muro divisório entre a parcela de terreno que tinham adquirido e onde entretanto foram, aos poucos, construindo a casa de habitação, quer na confrontação Sul A. S. e J. L. – quer na confrontação Poente – J. L. – quer até na confrontação Nascente, caminho público, hoje Travessa ....
9- Pelo seu lado, o proprietário do prédio rústico/bouça de onde as parcelas de terreno tinham sido desanexadas e o qual sendo constituído por penedos e rochas se encontrava a mato, pinheiros e eucaliptos – e é por isso que naquelas plantas topográficas se escreve, como era hábito na época, “bravio” – dado o pouco interesse que tinha no prédio e a muito reduzida utilidade que do mesmo tirava, também nunca construiu muros divisórios...
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