Acórdão nº 2531/19.0T8PRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelANA CRISTINA DUARTE
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO “M. P., Lda.” deduziu ação declarativa contra “Hospital …, SA” pedindo que seja declarada ilícita a resolução operada pela ré e, em consequência, que a ré seja condenada a pagar à autora a quantia de € 431.666,67, acrescida de juros de mora que se vencerem desde a citação até efetivo pagamento.

A ré contestou considerando que a ação deve ser julgada improcedente e a ré integralmente absolvida de todos os pedidos formulados e que, caso assim não se entenda, o que não concede e equaciona por mero dever de patrocínio, deve ser reduzida equitativamente a cláusula penal em discussão nos autos para um quarto do seu valor. Em reconvenção, pede a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de € 25.454,52, a título de indemnização pelos prejuízos causados, acrescida de juros de mora comerciais desde a notificação da contestação até efetivo e integral pagamento.

A autora replicou impugnando a matéria da reconvenção.

Foi dispensada a audiência prévia, admitida a reconvenção, definido o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, declarando a ilicitude da resolução operada pela ré e condenando esta a pagar à autora a quantia de € 200.000,00, acrescida de juros legais contados à taxa comercial, desde a prolação da sentença até integral pagamento. A reconvenção foi julgada totalmente improcedente.

A ré interpôs recurso tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões I. Entre outros, o Tribunal a quo deu como não provado que: As 40 horas referidas em 8) [Por força do acordo de vontades referido em 3), o médico T. P. teria que prestar uma média de 40 horas semanais em cada ano de vigência do contrato] importassem a presença física do referido médico nas instalações hospitalares, justificando a sua decisão na circunstância de as horas de serviços contratadas incluírem a execução de tarefas de coordenação e de, no seu entender, estas não te[rem] de ser prestadas num local específico, uma vez que hoje em dia, muitos serviços (tribunais incluídos), vêm a sua coordenação desenvolvida em locais distintos. Não se vislumbra que especificidade da área da coordenação de pediatria pudesse desaconselhar essa prática, e nada nesse sentido foi adiantado, no âmbito da produção de prova. Muito menos resulta do teor do contrato essa exigência que, creio, a existir deveria estar mencionada de modo claro. (sublinhado e negrito nossos).

  1. Estando em discussão nos autos, entre outros, se a prestação que a Recorrida se obrigou a prestar tinha ou não que ser, obrigatoriamente, executada nas instalações da Recorrente (consistindo esta, aliás, uma das principais questões a dirimir nos autos), competia ao Tribunal aferir e apurar qual a posição e acordo das partes a este respeito e não verificar se era ou não possível que essa prestação fosse executada fora dessas instalações.

  2. Dito de outro modo, o que foi pedido ao Tribunal foi que decidisse se a concreta prestação contratada à Recorrida, nos exactos termos e condições em que foi contratada e atendendo quer ao acordo das partes nesse sentido quer ao interesse que tal prestação tinha para a Recorrente, tinha, ou não, que ser executada num específico e concreto local (in casu, as instalações da Recorrente), e não que avaliasse ou aferisse se era ou não possível a sua execução num outro local ou se outras prestações de idêntica natureza contratadas no âmbito de diferentes relações contratuais são ou não desenvolvidas em diferentes locais.

  3. Ora, a análise crítica da prova produzida a este respeito (que, repete-se, salvo o devido respeito, não foi, sequer, efectuada), e, em particular, o que foi dito em juízo pelas testemunhas A. M. e A. F. não permite outra conclusão que não a que o facto em análise deveria ter sido dado como provado, já que, como melhor se verá de seguida, as mesmas foram peremptórias em afirmar que a prestação contratada à Recorrida tinha necessariamente que ser executada, na sua totalidade, nas instalações da Recorrente.

  4. Isso mesmo decorre do que a testemunha A. M. (ouvido no dia 14 de Fevereiro de 2020, entre as 11h10 e as 13h15, com depoimento gravado em registo digital) afirmou, nos minutos 9:54 a 10:54 do seu depoimento, dos esclarecimentos que prestou a 11:22 a 15:23 e do começou por referir quanto ao seu método de trabalho a minutos 1:10 do depoimento que prestou em juízo.

  5. Com efeito, a referida testemunha foi clara em explicar que não só a actividade assistencial contratada à Recorrida (entendendo-se, como tal, a realização de consultas, a prestação de cuidados no atendimento urgente e o apoio ao internamento) tinha de ser prestada fisicamente nas instalações da Recorrente (como não poderia deixar de ser, atendendo a que era a essas instalações que se dirigiam os pacientes), como que tal exigência quanto ao local de realização da prestação se aplicava, igualmente, à actividade de coordenação clínica.

  6. Esta testemunha, que exerce funções de gestor na Recorrente, tendo a seu cargo a gestão da pediatria (a especialidade clínica no âmbito da qual os serviços da Recorrida foram contratados) e, como tal, com profundo e directo conhecimento dos factos, não só afirmou, peremptoriamente que a prestação contratada à Recorrida tinha de ser executada, fisicamente, nas instalações da Recorrente, como ainda explicou e esclareceu, devidamente, as razões pelas quais tal exigência era, de facto, relevante e importante para a Recorrente.

  7. Ademais, a propósito do modo como, na sua qualidade de gestor, a testemunha em apreço se relacionava com o médico indicado pela Recorrida para prestar os serviços contratados (minutos 1:10 do seu depoimento), a mesma esclareceu que circulava pelas instalações da Recorrente, sendo que era ao fazer isso que reunia e conversava com a Recorrida sobre os diversos aspectos dos serviços que a mesma se obrigou a prestar.

  8. Note-se, de resto, que a própria Recorrida reconheceu e assumiu que era esta a forma e o modo como se processava a sua prestação de serviços e, indirectamente, reconheceu e assumiu a importância que a sua presença física nas instalações da Recorrente tinha para a prestação dos serviços contratados (minutos 00:15:30 a 00:17:40 das declarações prestadas no dia 29 de Janeiro de 2020), atestando a imprescindibilidade de os diversos serviços da Recorrente terem um contacto directo, pessoal e diário com o médico indicado para a execução dos serviços contratados.

  9. Pois que não se vê como é que sem essa presença a testemunha A. M. poderia descer para falar com o médico indicado pela Recorrida e tratar dos assuntos que fosse necessário resolver ou, nas palavras da Recorrida, pedir-lhe para subir, com esse mesmo propósito.

  10. E se o que acabou de se dizer é verdade no que respeita ao relacionamento da Recorrida com os órgãos de gestão da Recorrente (a sua parte administrativa, digamos assim), era igualmente verdade no que concerne ao relacionamento da Recorrida com os outros médicos que prestavam a sua actividade profissional para a Recorrente, com quem a Recorrida tinha reuniões clínicas informais, que eram, nas próprias palavras da Recorrida, conversas informais sobre questões suscitadas por casos clínicos, que surgiam no momento, no imediato, nas instalações da Recorrente, quando as pessoas se cruzavam por aí se encontrarem em simultâneo (minutos 00:33:52 a 00:36:05 das declarações de parte prestadas no dia 20 de Janeiro de 2020) XII. A essencialidade e imprescindibilidade da presença física da Recorrida nas instalações da Recorrente decorria, ainda, do modo como esta se relacionava, e tinha de relacionar, com o pessoal da enfermagem (minutos 00:22:02 a 00:23:04 das declarações de parte prestadas no dia 20 de Janeiro de 2020), cujas questões e problemas eram resolvidas do mesmo modo que os casos clínicos (quando se cruzavam, ou seja, quando a presença física do pessoal da enfermagem coincidia com a presença física da Recorrida).

  11. E essa mesma essencialidade e imprescindibilidade da presença física da Recorrida foi confirmada, ainda, pela testemunha A. F., a minutos 5:08 a 7:04 do depoimento que prestou no dia 14 de Fevereiro de 2020, registado em suporte digital, no qual esclareceu, com grande clareza, convicção e detalhe quais os motivos pelos quais a prestação contratada à Recorrida, em todas as suas vertentes, tinha, obrigatoriamente, que ser executada fisicamente nas instalações da Recorrente, afirmando mesmo não conhecer qualquer outra figura contratual aceite pela Recorrente.

  12. Em suma, tendo presente os depoimentos prestados pelas testemunhas A. M. e A. F. e, em particular, o que as mesmas disseram nos excertos desses depoimentos que se transcreveram, deveria o Tribunal a quo ter dado como provado que: As 40 horas referidas em 8) importavam a presença física do referido médico nas instalações hospitalares.

  13. Não o tendo feito, deve a resposta à matéria de facto ser modificada, pelas razões mencionadas, e o referido facto ser julgado provado, passando o mesmo a constar do elenco dos factos dados como provados.

  14. O Tribunal a quo deu também como não provado o que ficou a constar das alíneas b) e c) dos factos não provados (que aqui se dão por reproduzidas), tendo justificado a sua decisão na circunstância de o documento junto a fls. 97, verso, a 99, verso (que visava, entre outros, demonstrar os referidos factos), ter sido unilateralmente elaborado pela ré, com base em critérios nada rigorosos (…) não te[ndo] correspondência com o tempo de serviço prestado, mas sim com número de consultas dadas. Além do mais, algumas das horas que nesse mapa de horas surgem como ausências correspondem a reuniões em que o médico T. P. terá participado, de acordo com as suas declarações. Nessa medida, os dados contidos nesse documento não se afiguram fiáveis, não tendo o documento valido como prova como pretendido.

  15. É verdade que, como afirmado no excerto da...

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