Acórdão nº 2865/19.3T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório X Madeiras Unipessoal, Lda.

, com sede na Rua …, freguesia de …, Matosinhos, N. R.

, advogado em causa própria, com domicílio profissional na Av. do … Porto, instauraram acção declarativa comum contra M. P.

, com domicílio profissional na Y, Lda - Zona Industrial … Viana do Castelo, F. F.

, com domicílio profissional na Rua … Porto e Y – Sociedade Comercial de Madeiras de Viana, Lda.

, com sede na Zona Industrial … Viana do Castelo, pedindo: a) a declaração de que a emissão da factura nº FAC …, bem assim como das facturas anuladas FAC. … e …, foram produzidas e anuladas após a reunião do 1º réu, em representação da sociedade por si titulada – Y Lda e, com o 2º réu; b) Que quem redigiu a carta enviada pela 3ª ré e assinada pelo 1º réu, datada de 31/07/2015, a informar que quem seria mandatário, foi o 2º réu; c) Que a carta enviada a 31/07/2015 pela 3ª ré à 1ª autora foi a pedido/recomendação do 2º réu; d) que o 2º autor desconhecia que o 2º réu se preparava para patrocinar a 3ª ré na eventualidade de existência de processos por causa da emissão das facturas, designadamente o processo crime interposto por causa da emissão da factura A12/688, tal como se demonstra pela junção da mesma procuração que se encontra junta aos autos de processo crime n.º 1957/15.2T9VCT.

Para tanto alegam, em síntese, o seguinte: A primeira, patrocinada pelo segundo, instaurou em 21/08/2015 contra a terceira ré acção judicial pedindo a condenação desta no pagamento das facturas nº 112, 113, 1116, 117 e 120 e fundamentando este pedido no fornecimento de madeiras, acção que deu origem ao proc. nº 1101/15.6T8PVZ. Em 08/07/2015 a terceira ré foi interpelada para proceder a tal pagamento tendo esta respondido (mas quem sugeriu e redigiu foi o 2º réu) por carta datada de 31/07/2015 de forma ambígua negando a dívida, referindo a existência de uma conta-crédito e que todos os contactos deviam ser realizados na pessoa do seu advogado, o 2º ré. Em 07/09/2015 a 1ª autora recepcionou uma alegada conta-corrente com a 3ª ré e as facturas nº FAC A12/680 no valor de € 12.693,60 e nº FAC A12/688 no valor de € 227.761,56. Ora, estas são falsas, não correspondiam a qualquer contrato, a segunda factura foi emitida em 24/07/2015, i.e., após a interpelação e de modo a eximir-se ao pagamento da dívida ou forçar um acordo. Nesta data o 2ª autor enviou uma comunicação à 3ª ré pedindo a anulação desta factura, sob pena de instauração de processo crime. Em 25/09/2015 o 2ª réu participou disciplinarmente do 2º autor à O.A. por ter enviado missiva desconsiderando o facto da 3ª ré ter advogado. O 2ª autor desconhecia este facto Pretendem os autores utilizar os factos que venham a ser declarados judicialmente e que constam do segmento petitório para acautelar o direito da 1ª autora ao recebimento dos valores inscritos nas facturas nº 112, 113, 116, 117 e 120 (art.º 45º da p.i.) e para acautelar o direito de defesa do 2º autor no processo disciplinar instaurado pelo 2º réu contra aquele (art.º 47º da p.i.).

*Os réus contestaram deduzindo as excepções de falta de interesse em agir, de caso julgado e de incompetência material. Mais pedem a condenação dos autores como litigantes de má-fé.

*Os autores pronunciaram-se acerca das excepções deduzidas.

*Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção de incompetência material desse tribunal, a excepção de ilegitimidade da 1ª autora e 1º e 3º réus e que julgou procedente a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir dos autores e consequentemente absolveu os réus da instância.

*Não se conformando com esta decisão nesta parte vieram os autores dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “A. O art.º 116.º, do EOA vem na senda do anterior art.º 111.º, do EOA anterior, e vem clarificar que a responsabilidade disciplinar é totalmente independente da responsabilidade civil ou criminal e existe relativamente aos mesmos factos.

  1. O n.º2, do art.º116, aditado pelo novo estatuto, vem adaptar e conciliar a independência da tramitação do procedimento disciplinar relativamente ao processo judicial, contudo, tal conciliação, embora tentando evitar instruções paralelas sobre os mesmos factos, atribui prevalência do apuramento judicial dos factos, com a garantia de acompanhamento da ordem relativamente ao andamento do processo judicial.

  2. O art.º 151.º, n.º 6, do EOA prevê, expressamente, a admissibilidade de todos os meios de prova em direito permitidos.

  3. Uma sentença cível é um meio de prova que é admitido em sede de procedimento disciplinar, pelo que, os factos que o Recorrente pretende ver declarados e assentes em sentença cível são admissíveis em procedimento disciplinar ao abrigo do EOA.

  4. O disposto no art.º127.º a 129.º, do EOA, que transitaram inalterados do anterior EOA de 2005, garantem os princípios da independência isenção e irresponsabilidade funcional dos titulares dos órgãos da Ordem dos Advogados investidos por lei em poderes disciplinares e jurisdicionais e, como afirma Fernando Sousa Magalhães, em Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado e Comentado, 14.ª Edição, Almedina, em anotação ao art.º 127.º, do EOA: “O princípio da independência consagrado neste artigo implica a não ingerência dos demais órgãos da Ordem dos Advogados no funcionamento dos Conselhos de Deontologia e do Conselho Superior, sem prejuízo do recurso hierárquico e do recurso contencioso para os tribunais administrativos das decisões definitivas de natureza jurisdicional do Conselho Superior.

    O exercício das funções executivas, disciplinares e de fiscalização em órgãos das associações públicas profissionais é incompatível entre si, como corolário do princípio de separação de poderes – ver artigo 19.º, n.º1 da Lei 2/2013 de 10 de Janeiro.” F. Não obstante existir responsabilidade disciplinar totalmente independente da responsabilidade civil e/ou criminal, os órgãos investidos no poder disciplinar e/ou jurisdicional sempre terão de ter em conta, no apuramento da verdade material, no caso julgado formado em sede cível e/ou criminal, pois tais factos, explicitados em sentença, constituem um meio de prova a que a própria Ordem dos Advogados não pode deixar de admitir, nos termos do disposto no art.º 151.º, do EOA, G. E, que, nos termos do art.º 619.º, do CPC tem força obrigatória dentro do processo e fora dele.

  5. A interpretação que foi dada pelo tribunal a quo à norma constante do art.º 127.º, do EOA colide com o sentido e objectivo da mesma, porquanto tal como afirma Fernando Sousa Magalhães, a independência dos titulares dos órgãos da Ordem dos Advogados, explícita neste artigo, é feita em referência à não ingerência dos demais órgãos daquela instituição nas funções dos órgãos investidos em poderes disciplinares e jurisdicionais, como o Conselho Superior.

    I. Ademais, nos termos do art.º 145.º, do EOA o instrutor do processo disciplinar deve procurar atingir a verdade material, pelo que sempre terá que aceitar uma sentença como um meio de prova, e os factos ali dados como provados.

  6. Na interpretação corrente, quer pelo TEDH, quer pelos nossos Tribunais, do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, o direito a um julgamento justo é um dos componentes do direito de acesso à justiça, protegido por tal disposição.

  7. No Caso Golder v. Reino Unido, n.º 4451/70, de 21 de fevereiro de 1975, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem considerou que artigo 6.º da CEDH "assegura a todos o direito de qualquer reclamação relacionada aos seus direitos civis e obrigações perante um tribunal." L. E, importa que seja facultado a qualquer pessoa o direito de juntar ao processo, mutatis mutandis...

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