Acórdão nº 304/17.3T8BRG.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Janeiro de 2021

Magistrado ResponsávelCRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução14 de Janeiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO M. L.

instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Clínica Médico Cirúrgica de X, S.A.

e Y Seguros – Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.

, actualmente designada W Seguros - Companhia de Seguros de Ramos Reais, S.A.

, pedindo a condenação das RR. a pagar-lhe, na medida das suas responsabilidades: a) quantia não inferior a € 51.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais (pelas dores que ficou a padecer no membro inferior, por claudicar ao andar e pelo dano estético), relegando-se para incidente de liquidação de sentença o cálculo dos montantes indemnizatórios a que a A. tem direito pelas perdas aquisitivas laborais advindas das IPP e IPG provocadas pelos factos alegados, dado os mesmos não serem quantificáveis de momento, uma vez que não se encontra curada; b) todas as despesas médicas, medicamentosas e hospitalares que venham a ser reclamadas; montantes estes acrescidos de juros de mora à taxa legal a partir da citação até integral pagamento.

Para tanto alega, em síntese, que em 12 de Setembro de 2001 foi submetida a uma intervenção cirúrgica nas instalações da 1ª Ré, a qual foi efectuada sob as ordens, orientações e pessoal técnico daquela.

Porém, fruto dessa intervenção a A. ficou com um parafuso, material de perfuração, instalado na tíbia direita.

A colocação de tal parafuso deveria ter sido temporária, mas o mesmo não foi retirado, apesar da insistência da A. perante as RR., permanecendo no referido osso do corpo da A. por esquecimento e posterior recusa em retirar aquele objecto por parte dos técnicos da 1ª Ré, afirmando que o mesmo já se encontra envolvido pelo osso da tíbia.

Fruto disso a A. ficou a padecer de escoliose lombar, discopatia L5-S1 e sinovite peri-tendões peroneal e tibial direitos, hepatotapia esteatosica e dispidemia mista, meniscopatia degenerativa do menisco interno joelho esquerdo, tendinite supra-espinhoso e entesite olecraneana direitas.

A A. tem sofrido tratamento médico e ambulatório, sofreu dores e continua a sofrer, com um quantum doloris superior a 3 em 7, ficou a padecer de uma IPP não inferior a 10%, que a limita para o trabalho em tal grau, pois tem dificuldade em subir e descer escadas, em ajoelhar-se, sofreu diminuição da força muscular, tem marcha claudicante, o que reduz a sua capacidade produtiva.

Refere, ainda, que antes do sucedido a A. trabalhava, auferindo a quantia líquida de € 527,00, 14 vezes por ano, numa remuneração anual total de € 7.378,00.

A 1ª Ré é parte legítima uma vez que exerceu a sua actividade no âmbito de uma relação contratual com a A. e a 2ª Ré, sendo esta também parte legítima uma vez que assumiu os riscos da cirurgia.

Contudo, alega desconhecer se a 1ª Ré tinha seguro válido e eficaz à data do acidente que cobrisse os riscos da sua actividade.

A Ré W Seguros - Companhia de Seguro de Ramos Reais, S.A.

(2ª Ré) contestou, alegando, em síntese, que a cirurgia em causa foi consequência de um acidente de trabalho, com sequelas, já devidamente fixadas e indemnizadas em sede de Tribunal do Trabalho, incluindo três pedidos de exame de revisão ao longo dos anos.

Na verdade, a A., enquanto ajudante de saúde da Associação Cultural Recreativa e Musical de ..., tomadora de seguro de acidente de trabalho, sofreu um acidente de trabalho em 24/12/2000 (escorregou e caiu) com fractura trimaleolar da tibiotársica direita. Aquela entidade empregadora tinha a sua responsabilidade por acidente de trabalho transferida para a 2ª Ré pela apólice n.º ......1.

Participado o sinistro, a A. foi tratada clinicamente, tendo obtido alta em 21/03/2003, com IPP de 13,6%, fruto das lesões que apresentava: edema residual e rigidez do tornozelo direito.

Acrescenta que participado o sinistro pela Seguradora ao Tribunal do Trabalho de Braga, a Junta Médica fixou à A. uma IPP de 16,7%, tendo a respectiva pensão sido remida e indemnizada em 13/10/2003, no valor de € 7.828,97.

Na sequência de pedidos de revisão feitos em 2003 e 2007, a Junta Médica atribuiu à A. a IPP de 19,25% e de 24% respectivamente, tendo a indemnização sido novamente remida em 17/05/2005, no montante de € 1.181,10 e em 31/10/2007, no valor de € 2.113,82.

Em 2010, a A. requereu novo exame de revisão; no entanto, a Junta Médica manteve os 24% de IPP.

Em 2011, a sinistrada, através do seu mandatário, pediu uma consulta, marcada no Hospital ... no Porto, mas da avaliação médica efectuada não resultou qualquer alteração ou tratamento.

Em Junho de 2016, a A. voltou a pedir reavaliação, que não foi aceite, porque não havia factos novos a considerar, nem existiam registos clínicos no sentido do agravamento.

Do ponto de vista da responsabilidade civil, nenhuma transferência de responsabilidade foi celebrada entre as aqui RR., pelo que a petição inicial, pelo menos no que à 2ª Ré diz respeito, é inepta, além de que a mesma é parte ilegítima, o que conduz à nulidade do processo e à absolvição desta Ré da instância.

O contrato de seguro celebrado entre as RR. não garante a responsabilidade civil extra-contratual decorrente de qualquer facto alegadamente negligente praticado pela 1ª Ré – conforme resulta da causa de pedir – estando apenas coberto os danos decorrentes das lesões advindas do acidente de trabalho.

Entende, ainda, a 2ª Ré que, em face do contrato de seguro alegado, só pode ser demandada no Tribunal do Trabalho, pois só este pode dirimir litígios relativos a questões emergentes de um acidente de trabalho, arguindo assim a incompetência em razão da matéria do Juízo Central Cível de Braga para decidir a presente causa.

Mais alega que o direito da A. se encontra prescrito, já que entre a data da cirurgia e a data de propositura da presente acção decorreram mais de 3 e 5 anos.

Defende-se, também, por impugnação, alegando, em suma, que como não interveio no processo cirúrgico, desconhece os factos alegados nos artºs 3º a 5º da petição inicial, e afirma que em todos os processos de revisão nunca foi detectada qualquer patologia ou sequela advinda da não retirada de um qualquer “parafuso”, para além de que a A. não sofreu nem sofre de qualquer dano ou sequela advindo do esquecimento por ela alegado.

Conclui, pugnando pela procedência das excepções aduzidas, devendo a presente acção ser julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido.

A Ré Clínica Médico Cirúrgica de X, S.A.

(1ª Ré) também contestou, defendendo-se por excepção, alegando: a) estar prescrito o direito de indemnização da A. por eventual negligência médica imputável à 1ª Ré, pois que situando-se os factos invocados contra si no domínio da responsabilidade civil por factos ilícitos, de cariz extracontratual, dado que interveio a pedido da Ré Seguradora, sem que tivesse sido contratado directamente com a A. a prestação de serviços médicos (a A. foi intervencionada cirurgicamente nas instalações da 1ª Ré, por efeito de uma relação existente entre si e a Ré Seguradora, nunca tendo a Ré Clínica se obrigado contratualmente perante a Autora), o prazo de prescrição a considerar é o de três anos, previsto no artº. 498º do Código Civil, a contar desde pelo menos 12/09/2001 (data em que alegadamente o parafuso lhe foi colocado); b) existir dedução ilegal de pedidos genéricos e relativos a danos futuros incertos e indeterminados, vertidos no pedido de pagamento de uma indemnização, cujo montante relega para liquidação de sentença a título de perdas aquisitivas laborais por IPP e IPG, referindo que estas não são quantificáveis de momento, e no pedido de pagamento de despesas médicas, medicamentosas e hospitalares que venha a reclamar, uma vez que os danos futuros têm de ser já certos, não podendo ser hipotéticos, nem podem exigir aclaração ou concretização de pormenores.

Defende-se, também, por impugnação, alegando que a A. invoca danos que (i) estão relacionados com as lesões decorrentes do sinistro que sofreu, e para os quais não contribuiu a 1ª Ré, mas unicamente o acidente, já deles tendo sido ressarcida, (ii) ou que – a verificarem-se – se relacionam com uma condição degenerativa da própria A., que nada tem que ver com a situação que determinou a intervenção médica dos profissionais ao serviço da 1ª Ré, na assistência que lhe foi prestada a propósito do acidente de trabalho verificado.

Refere, ainda, que a A. sofreu um acidente de trabalho em 24/12/2000, por ter caído e partido o pé e o tornozelo direito. Nessa sequência, foi submetida a uma primeira cirurgia em 12/09/2001, para fixação de pseudartrose do maléolo, por raquianestesia.

A cirurgia foi bem-sucedida, por meio da técnica adequada, não tendo sido registadas quaisquer intercorrências, alcançando-se o fim visado, com colocação de material de osteossíntese. O pós-operatório também decorreu com normalidade, sem quaisquer intercorrências.

A segunda cirurgia para remoção do material de osteossíntese ortopédico do tornozelo direito veio a ter lugar em 16/01/2002. Esta cirurgia correu também satisfatoriamente, sem intercorrências a assinalar, tendo sido retirado o dito “parafuso” que foi colocado na cirurgia de 12/09/2001.

A Ré Clínica tudo fez para a boa execução dos actos cirúrgicos que tiveram lugar no seu estabelecimento, tendo sido aplicada a melhor técnica e capacidade por parte do médico assistente da A., o cirurgião Dr. A. V., para executar os correctos actos cirúrgicos, não tendo feito nada contrário às regras da medicina, ou deixado algo por fazer que se impusesse ou recomendasse no caso concreto da Autora.

A 1ª Ré não só empregou todos os meios adequados à realização dos actos médicos a que se propôs, como também foram empregues todos os actos recomendados de acordo com a “leges artis” no cumprimento dos actos médicos em apreço, pelo que não estão preenchidos os pressupostos de responsabilidade civil médica da Ré, de maneira a poder fazer actuar sobre ela qualquer obrigação de indemnização.

Para que numa acção de responsabilidade civil se possa concluir pela...

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