Acórdão nº 1281/18.9T8VVD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelCONCEIÇÃO BUCHO
Data da Resolução04 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - S. M., portadora do número de identificação fiscal ..........

e P. M., portador do número de identificação fiscal .........

, casados, residentes na Rua …, n.º …, Vila Nova de Gaia, instauraram a presente acção declarativa contra R. A., Lda., pessoa colectiva n.º ………, com sede na Avenida …, fracção C e D, …, e contra Banco ..., S.A., pessoa colectiva n.º ………, com sede na Quinta da ...

, Ed. …, Paço …, pedindo que se anule o contrato de compra e venda que celebraram com a primeira ré e, em consequência, cada um restitua ao outro aquilo que dele recebeu; isto sem prejuízo da condenação da ré ao pagamento de todos os custos e prejuízos sofridos com a reparação e manutenção do veículo automóvel a determinar em execução de sentença. Pedem, ainda, que, invalidado o contrato de compra e venda, se declare a invalidade do contrato de crédito, coligado, n.º …, celebrado com a ré Banco ..., SA.

Alegam, para sustento da sua pretensão, e em síntese, a sucessão de factos seguinte.

Em Julho de 2017, à ré, R. A., Lda., que se dedica à compra, venda e revenda de veículos automóveis, adquiriram o veículo, em segunda mão, de marca Citroën, modelo DS5, Híbrido, matrícula TG (doravante TG), pelo montante de 33.965,54 (trinta e três mil, novecentos e sessenta e cinco euros, cinquenta e quatro cêntimos), sendo-lhes, então, afiançado e publicitado pelo legal representante da sociedade, que, inclusive, exibiu o documento da inspecção, que o veículo tinha 51.242 quilómetros.

Para poderem adquirir o veículo celebraram, em coligação, um contrato de crédito com a ré Banco ..., SA., de montante idêntico ao preço do veículo.

Sucede que, em Outubro de 2018, já o TG fora alvo de reparações que não são comuns em veículos com a quilometragem que registava, verificou-se que necessitava de substituir o motor elétrico, reparação que importaria o dispêndio da quantia de cerca de € 5.000.00 (cinco mil euros).

Nessa ocasião, accionada a garantia, vieram a saber, através da oficina …, Portugal – Citroën, que o TG não poderia ter os 51.242 Km anunciados e registados; pois que, já em 14 de Janeiro de 2016, aquela viatura registava, na Citroën - Bélgica, 120.953 quilómetros; o que inviabilizou a troca gratuita do equipamento.

Ora, as negociações estabelecidas com a ré/vendedora tiveram por objecto um carro seminovo e com pouca quilometragem que lhes permitisse fazer um investimento de médio prazo. Nessa medida, o TG, com a sua quilometragem real, não apresenta as qualidades que a vendedora lhes assegurou, e que foram elemento essencial na formação da sua vontade de comprar, tal como era do conhecimento do vendedor. Como tal, pretendem a anulação do contrato de compra e venda celebrado e, por via desta, a anulação do contrato de financiamento da aquisição.

Sem prescindir, sofreram ainda os prejuízos decorrentes da viciação do veículo; porquanto pagaram por este um valor superior ao seu real valor de mercado, ficaram privados de o vender por estar adulterado e ficaram ainda onerados com despesas com as manutenções, as reparações e o recurso a veículos de substituição; tudo a melhor determinar em execução de sentença, conforme peticionado.

Com o requerimento probatório, juntaram documentos, requerendo a prestação de declarações de parte, o depoimento de parte do legal representante da ré/vendedora, e arrolando testemunhas.

*Citadas, as rés deduziram contestação.

A ré, R. A., veio, em síntese, negar qualquer participação na celebração do contrato de financiamento, bem como, negar qualquer intervenção ou sequer conhecimento da alegada adulteração de quilómetros do veículo, pelos quais, não se responsabiliza, pedindo, por isso, a sua absolvição do pedido.

Sustenta, para o efeito, que adoptou todos os procedimentos exigíveis para aferir da veracidade dos quilómetros e características do veículo junto do vendedor, ...

Cars ..., solicitando o livro de revisões que registava, na última revisão, efectuada na Citroën, em 6 de Fevereiro de 2017, 49.418km, e solicitando a factura do veículo com o registo dos 51.219 km.

Conclui, nesta parte, que, sabendo-se que na declaração aduaneira se fez constar que o veículo registava 51.242Km, não lhe pode ser imputada qualquer adulteração da quilometragem do veículo.

Acrescentou que permitiu aos autores, como faz a todos os interessados compradores, a sujeição dos veículos a um check up na marca, onde podem aferir do seu estado e dos quilómetros percorridos. Isto porque, como bem sabem os autores, não assumiu qualquer responsabilidade pela quilometragem do veículo, conforme resulta da declaração de garantia que foi assinada pela autora, não obstante ter-se disponibilizado para, junto do stand onde adquiriu o TG, reclamar da alegada adulteração da quilometragem. O que não sucedeu porquanto não lhe foi enviada qualquer documentação que suportasse o alegado.

Face ao exposto, requereu a intervenção principal da sociedade vendedora, Auto ….

Apresentou requerimento probatório, arrolando testemunhas, e juntou documentos.

A ré, Banco ..., S.A., veio, e em síntese, impugnar, por lhe serem alheios, os factos relativos à compra subjacente ao financiamento, uma vez que inexiste qualquer ligação ou interdependência entre os dois negócios.

Acrescentou que o contrato de financiamento foi livremente celebrado pelos autores que, para o efeito, forneceram todas as informações relativas à sua situação pessoal e económico-financeira, tornando-se eficaz entre as partes.

Conclui que, por isso, a acção deve ser julgada improcedente; pois que as vicissitudes do negócio celebrado entre os autores e a ré/vendedora lhe são inoponíveis, tal como se pode retirar do teor da cláusula 9.º, n.º 8, do contrato de crédito (reserva de propriedade) onde se convenciona “que a intervenção do Banco ... no negócio de aquisição do equipamento descrito nas condições particulares é de índole meramente financeira destinando-se a reserva de propriedade meramente a garantir o crédito do Banco ..., sem que o Banco assuma qualquer responsabilidade pelas características do equipamento nem pelo título do vendedor em relação ao mesmo equipamento”.

Sem prescindir, por mera cautela, defende que, a ser decidida a invalidade dos dois contratos, o de compra e venda e o de financiamento, o Tribunal tem de atender aos efeitos determinados e previstos no artigo 289.º, n.º 1 do Código Civil, condenando os autores a devolver à entidade vendedora o bem adquirido e esta a restituir-lhe a quantia mutuada.

Com o requerimento probatório, juntou documentos, arrolando testemunhas.

*Os autores responderam à matéria de excepção, salientando, em síntese, que não foram informados da inserção da cláusula de exclusão de garantia na própria declaração de garantia, e que, a terem-no sido, jamais a autora a teria subscrito.

*Indeferiu-se o inicidente de intervenção principal provocada.

Os autos prosseguiram e efectuado o julgamento foi proferida sentença na qual se decidiu: Nestes termos, julga-se procedente, por provada, a presente acção, determinando-se a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre os autores, S. M. e P. M., e a ré, R. A., Lda., e, por via dela, determinando-se a resolução do contrato de mútuo, coligado, celebrado entre os autores e a ré, Banco ..., SA.

Em consequência: 1. resolvido o contrato de compra e venda, determina-se que os autores restituam à ré; R. A., Lda., o veículo TG e que esta restitua o preço recebido, entregando-o à ré, Banco ..., S.A., que o suportou através do contrato de mútuo celebrado com os autores; 2. resolvido o contrato de mútuo, determina-se que a ré, Banco ..., SA, entregue aos autores o montante das prestações já efectuadas; 3. condena-se a ré, R. A., Lda., ao pagamento aos autores do montante global de € 878,06 (oitocentos e setenta e oito euros, seis cêntimos), relativo aos prejuízos decorrentes do contrato resolvido.

Inconformada a ré R. A. Ldª interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões: 1. A Ré R. A., Lda., ora APELANTE não se conforma com a sentença a quo julgou procedente a Ação de Processo Comum deduzida pelos Autores S. M. e P. M., doravante designados APELADOS, contra si e contra o Banco ..., S.A. e, consequentemente, determinou a resolução do contrato de compra e venda celebrado entre a APELANTE e aqueles.

  1. No que diz respeito à errada apreciação da matéria de facto, o tribunal a quo deu como provado o facto n.º 4 e como não provados os factos sob as alíneas I) e L) a O), todos com relevo para a decisão da causa.

  2. No facto n.º4, o tribunal a quo considerou como provado que o Apelante apresentou aos Apelados apenas o documento da inspeção.

  3. As concretas provas que impõem decisão diversa quanto ao supra referido facto n.º 4 são: 4.1 da prova documental, a fatura de compra, a declaração aduaneira de venda e o livro de revisões, documentos juntos aos autos e não impugnados; 4.2 o depoimento e declarações de parte do legal representante da APELANTE prestado em sede de audiência de discussão e julgamento, do qual resulta que forneceu aos APELADOS, antes de lhes entregar o carro, a documentação do veículo, designadamente o livro de revisões, o documento de inspeção, o número de chassi e de matrícula – Ata de 13.02.2020, ficheiro 20200213095709_5639698_2870597, passagens (ii.1) 02:00 a 11:10 segundos; (ii.2) 19:43 a 20:15 segundos; (ii.3) 41:18 a 45:01 segundos; (ii.4) 01:12:20 a 01:14:13 segundos; 4.3 o depoimento e declarações de parte ao Autor J. R. prestado em sede de audiência de discussão e julgamento, do que resulta que lhes foi exibido o livro de revisões onde constava os quilómetros que estava no anúncio – Ata de 13.02.2020, ficheiro 20200213143347_5639698_2870597, passagem 03:28 a 04:54 segundos.

  4. Assim, o mesmo facto n.º 4 deverá ser considerado provado nos seguintes termos: “4. Nessa ocasião, o TG registava, conforme publicitado pelo legal representante da vendedora, e conforme fatura de compra, declaração aduaneira de venda, livro de...

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