Acórdão nº 5924/19.9T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução04 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - Relatório C. C.

, por si e em representação da filha menor, L. M., intentou a presente acção declarativa comum contra X – Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhes a quantia global de € 88.104,21, correspondente ao valor do capital seguro a 01.01.2017, bem como a quantia de € 5.957,29, correspondente aos juros moratórios já vencidos, contados sobre o montante do capital seguro, e ainda os juros moratórios vincendos e calculados sobre o capital seguro a 01.01.2017.

Mais pediu a condenação da ré a pagar os montantes correspondentes às prestações de mútuo liquidado após a data do óbito de C. M., marido da primeira autora e pai da segunda, acrescido de todos os outros valores pagos a título de taxas, e ainda, à autora C. C., na proporção de metade, o valor entregue nas prestações de mútuo, entre o dia 01.01.2017 e 02.08.2017, cujo valor terá de ser liquidado posteriormente, tudo acrescido de juros.

Para tanto e em suma alegou ter sido casada com C. M., no regime de comunhão de adquiridos, vindo a nascer, na constância desse matrimónio, em 11.02.2012, a autora L. M..

O C. M. faleceu no dia -.08.2017, no estado de casado, sem ter efetuado testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo sido já realizada a habilitação de herdeiros.

Na constância do matrimónio, a autora C. C., juntamente com seu marido, C. M., adquiriram, por compra e venda celebrada a 15.06.2009, uma fração autónoma, tendo contraído os empréstimos bancários PT ……………85 e PT ...............5 junto da Caixa ..., S.A., visando o financiamento da aquisição do imóvel e garagem.

Por força dos empréstimos bancários referidos, e de acordo com as exigências contratuais da entidade bancária, foram celebrados contratos de seguro de grupo, do Ramo Vida, para garantia de pagamento do capital seguro, aos quais corresponderam as apólices .....02/61382 e .....02/61383.

Ambos tiveram data de início às 00 horas do dia 23.06.2009 e renovação automática a 1 de Janeiro, durante 50 anos.

O tomador de seguros era a Caixa ..., S.A. e as pessoas seguras eram C. M. e a A. C. C..

As condições gerais e particulares foram comunicadas no ano de 2018 à ora autora C. C. e o capital seguro era, à data da contratação, o equivalente aos mútuos concedidos, de € 88.000,00 e € 9.500,00.

À data do óbito de C. M. encontravam-se seguras as quantias de € 79.519,67 e € 8.584,54.

Os referidos contratos de seguro cobriam os riscos de morte da pessoa segura até aos 80 anos e invalidez total permanente para doença ou acidente até aos 65 anos, garantindo o pagamento ao beneficiário designado.

No dia 02.08.2017, pelas 05:30 horas, ocorreu o despiste do veículo ligeiro de passageiros, marca Volkswagen, modelo Passat, matrícula JT, o qual era conduzido por C. M., tendo daí advindo a morte do condutor. Da autópsia resultou que o referido C. M. apresentava, no momento do acidente, uma taxa de alcoolemia de 1,70 g/l sangue, pesava 109 kg e tinha 1,66 m de altura.

Em função das apólices de seguro contratadas, e no seguimento da ocorrência da morte de C. M., a ora autora C. C. comunicou o óbito de seu marido, pedindo que fossem acionadas as apólices de seguro de vida contratadas, prestando todas as informações solicitadas.

No entanto, a ré declinou a responsabilidade, invocando estarem excluídas do âmbito da cobertura do seguro as «ações ou omissões praticadas pela Pessoa Segura quando acuse consumo de produtos tóxicos, estupefacientes ou outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detetado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro».

No entanto, nunca até esse momento tal exclusão havia sido comunicada, vindo a autora C. C. a dela ter conhecimento apenas em 28 de Fevereiro de 2018.

Acresce que o grau de alcoolemia que o C. M. apresentava no sangue não foi a causa da sua morte, havendo muitos outros factores que podem tê-la determinado, tais como a falta de iluminação, a existência de uma tampa de saneamento esburacada e o facto de já ser bastante tarde.

Por causa da posição assumida pela ré, e atentas as dificuldades económicas da autora C. C., a mesma teve que vender a casa, liquidando os créditos junto da Caixa ....

A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção.

Para tanto e em suma alegou que o sinistro em questão está expressamente excluído das garantias dos seguros, facto que a autora e o falecido marido conheciam, já que as apólices foram subscritas nos balcões da Caixa ... e isso foi-lhes na altura transmitido.

Nessa medida, não é relevante saber se há ou não nexo de causalidade.

Foi proferido despacho de selecção dos temas da prova e realizou-se o julgamento. A final foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, vai a presente acção julgada parcialmente procedente, com a consequente condenação da ora ré “X - Companhia de Seguros, S.A.” a pagar à autora C. C., por si e em representação da filha L. M., da quantia de € 88.104,21 (oitenta e oito mil, cento e quatro euros e vinte e um cêntimos), acrescida de juros legais, contados desde 29 de Agosto de 2017 até integral pagamento, sem prejuízo do disposto no nº 1 do art. 609º do CPC.

Mais vai a ré condenada a pagar, à autora C. C., as quantias por esta liquidadas à CAIXA ... por conta dos mútuos referidos no artigo 5) após 02.08.2017, a liquidar ulteriormente, acrescidas de juros contados desde a liquidação, tudo se tendo que conter nos limites do peticionado, nos termos do nº 1 do art. 609º do CPC.

No mais, improcede a acção.

Custas na proporção do decaimento – art. 527º do CC -, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam as autoras.” A R.. não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, concluindo as suas alegações do seguinte modo: 1. A decisão recorrida faz uma errada aplicação da lei e do Direito.

  1. O Tribunal a quo, considerou que uma vez que a cláusula de exclusão referida nas cláusulas gerais do contrato de seguro celebrado entre a Recorrente e o segurado, designadamente que “Estão sempre excluídas do âmbito de todas as coberturas do seguro as seguintes situações: (…) Ações ou omissões praticadas pela Pessoa Segura quando acuse consumo de produtos tóxicos, estupefacientes ou outras drogas fora de prescrição médica, bem como quando lhe for detetado um grau de alcoolemia no sangue superior a 0,5 gramas por litro», (artigo 30 dos factos provados) não foi comunicada à pessoa segura, a mesma considerar-se-á excluída do contrato, nos termos do art. 8º do DL 446/85, de 25.10.

  2. Sucede que, o tribunal a quo classificou, sem controvérsia, o contrato em discussão como um contrato de seguro de grupo, previsto no art.º 76.º do RJCS.

  3. E é precisamente a aplicabilidade deste RJCS ao caso dos autos (que a sentença não nega) que nos vai permitir delinear e delimitar a responsabilidade da Recorrente no pagamento do capital seguro, em sentido oposto ao decidido pelo Tribunal a quo.

  4. O dever de informar é reequacionado no art.º 78.º. No fundamental, cabe, ao tomador do seguro, informar os segurados sobre as coberturas contratadas, as exclusões e os direitos e obrigações no caso de sinistro, bem como sobre as alterações, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador (78.º/1). O ónus de provar que as informações devidas foram fornecidas cabe ao tomador (78.º/3), com prejuízo para as próprias normas da LCCG.

  5. Ora, o Tribunal a quo descurou, por completo, a referida estrutura, natureza e modo de formação individual de cada posição na dita relação triangular entre o tomador de seguro, seguradora e segurado.

  6. O art.º 78.º do RJCS – aplicável ao caso, posto que contrato de seguro celebrado, donde se discute a respetiva aplicabilidade da cláusula de exclusão remonta ao ano de 2009, como elucidado na sentença (confirmar artigos 2.º e 7º dos factos provados) – é cristalino quando dispõe de que é o tomador do seguro (banco) que “deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato”, tratando-se, assim, de inequívoco regime especial do contrato de seguro de grupo, afastando, neste âmbito de prestação informativa (“dever de informar”), o regime geral diverso resultante da LCCG.

  7. É pois o banco Caixa ..., na qualidade de tomador do seguro, quem caberia provar que prestou todas as informações, cuja obrigação se encontrava adstrito e cujas consequências se devem assacar responsabilidades. - cfr. n.ºs 3 e 5 do art.º 78.º do RJCS.

  8. No caso de seguro de grupo, cabendo ao tomador do seguro –e não à Recorrente seguradora - informar e esclarecer adequadamente os segurados e correndo o ónus da prova do cumprimento do dever de prestação informativa contra o mesmo tomador conclui-se rapidamente que não poderia a Recorrente ser responsabilizada e penalizada pela sua omissão.

  9. Ou seja, sempre a Ré poderia opor, como o fez, a cláusula de exclusão às Autoras, devendo por consequência substituir-se a decisão a quo por outra que considere “escrita” a cláusula de exclusão e bem assim absolver a Recorrente de todo o petitório.

  10. Acresce que, o Tribunal a quo deveria ter decidido de forma diametralmente oposta, independentemente da comunicação (e sua prova) desta cláusula ao aderente antes da celebração do contrato, uma vez que a mesma não pode ser excluída do contrato por constituir uma salvaguarda de princípios fundamentais de ordem pública do Estado Português.

  11. Com efeito, o Tribunal a quo deveria ter afastado, desde logo e sem mais considerandos, a responsabilidade da seguradora Recorrente, considerando a presença de factos constitutivos de ilícito penal, como é o caso da condução sob o efeito do álcool com taxa de alcoolemia proibida por lei.

  12. Compulsada a matéria provada na sentença propalada pelo Tribunal a quo dúvidas não restam de que o sinistrado (segurado), na altura do acidente, registava uma TAS de 1,70 g/l.

  13. Aliás, a sentença vai até mais além, posto...

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