Acórdão nº 1906/20.6T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução25 de Março de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1.

O Ministério Público instaurou processo judicial de promoção e protecção relativamente à criança S. F., nascida a -.03.2020, filha de F. O.

e de S. C..

Proferido despacho de abertura de instrução e ouvidos os progenitores, foi homologado acordo de promoção e protecção de acolhimento residencial na instituição “CAT – ...”, pelo período de um ano.

*1.2.

Realizado debate judicial, com intervenção de Juízes Sociais, foi proferido acórdão que decidiu: «1º - Determinamos a colocação da menor S. F. à guarda da instituição CAT ...

em vista à futura adopção.

  1. - Os progenitores ficam inibidos do exercício das responsabilidades parentais.

  2. - Determinamos a cessação de contactos da menor com os familiares.

  3. - Nomeamos curador provisório à menor o Ex.o Diretor do CAT “...

”, A. N.

».

*1.3.

Inconformada, a progenitora S. C.

interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: «1. O Tribunal recorrido decidiu pela aplicação da medida de promoção e proteção de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adoção (artigo 35.º, alínea g) da LPCJP) da menor S. F..

  1. Considerando, para tanto, que ambos os progenitores não criaram ligação afetiva, seriam absolutamente incapazes, sem um mínimo de competência, não havendo qualquer possibilidade de poderem melhorar essas condições, aprendendo e tornando-se pais responsáveis e competentes.

  2. Não pode a progenitora concordar com o decidido em face de existir uma manifesta errada apreciação de prova e uma evidente violação dos princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e atualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família.

  3. Na verdade, nada resultou dos autos que pudesse levar o Tribunal a quo concluir pela incapacidade dos progenitores e impossibilidade de proverem um crescimento são e sustentado à menor.

  4. As conclusões que se retiraram relativamente a esse atributo dos progenitores tiveram apenas por base suposições.

  5. É que a nenhum dos progenitores foi dada sequer oportunidade de demonstrar ter vontade e aptidão de cuidar da menor S. F. e criarem laços afetivos, em virtude de logo aos 3 dias de idade ter-lhes sido retirada e colocada numa instituição a mais de 100km de distância, impossibilitando a criação de laços ou uma demonstração de serem capazes.

  6. Aliás, relativamente à progenitora, apenas se atenderam a factos que haviam ocorrido num outro processo com outra menor (filha da apelante), inquinado, salvo melhor opinião, por se basear em declarações da mãe da apelante que há vários anos se encontra incompatibilizada com a filha (aqui progenitora/apelante).

  7. E assim, no que concerne ao aqui discutido, partiu o Tribunal recorrido para uma decisão tão extrema baseando apenas a sua convicção em suposições, ignorando, outrossim, o que de positivo tem a progenitora, bem como o que comporta para a menor a manutenção dos laços familiares.

  8. A progenitora tinha tudo preparado para receber a menor em casa, casa essa com condições mínimas, e demonstrou ter vontade em melhorar as suas condições económicas e sociais, aprendendo ainda a cuidar da filha, assim podendo assegurar tudo o que lhe seria necessário.

  9. Além disso, o acórdão ignorou o desespero e a descompensação emocional de que a progenitora padecia, demonstrado por comportamentos criticáveis que possa ter tido, e que teria sempre se relevado a seu favor por evidenciar sofrimento passado por ver ser-lhe retirada a guarda da menor.

  10. E se assim tivesse entendido, o Tribunal recorrido evitava de forma tão precoce o corte definitivo dos laços familiares, e seguramente não optava pela aplicação da medida mais extrema e injusta para a progenitora.

  11. Mais, mesmo que assim não se entendesse, e se considerássemos que a progenitora, com base nas suposições advindas do outro processo, é realmente é incapaz e se encontra numa situação irresolúvel sem qualquer progressão possível, e não existindo possibilidade de vir a ser criada qualquer relação de afeto, o mesmo nunca se podia ter concluído em relação ao progenitor.

  12. Ao progenitor não são conhecidos quaisquer antecedentes, e demonstrou ter vontade de ficar com a guarda da menor, e de aprender a ser pai.

  13. E não lhe pode ser reconhecida qualquer incapacidade nem inexistir qualquer laço afetivo, já que mal pode estar com a filha que quando nasceu foi colocada a mais de 100km de distância.

  14. Não tendo estado com ela, não tinha o Tribunal como concluir pela sua incapacidade, e tendo visitado a filha, telefonando várias vezes, também não tinha como concluir pela sua falta de interesse ou inexistência de relação afetiva.

  15. Tem uma casa com condições mínimas e uma situação económica que tendencialmente irá melhorar, não se podendo ignorar ter familiares dispostos a ajudar monetariamente, se necessário.

  16. Demonstrou interesse e vontade em estar com a menor, bem como em aprender junto das técnicas responsáveis a desempenhar a função de pai.

  17. Aliás, em sede de debate judicial, a testemunha D. P., arrolada pelo Ministério Público, referiu que via o progenitor com capacidade e que tinha de ser “treinado”.

  18. Face a tudo o referido, e em qualquer das circunstâncias expostas, a decisão da aplicação da medida de promoção e proteção de confiança da menor a instituição para futura adoção é inequivocamente precipitada e excessiva.

  19. Havendo clara margem de progressão junto dos pais, em conjunto ou individualmente considerados, afigurando-se suficiente para proteger o superior interesse da menor a opção por medidas alternativas e menos extremas, como sendo a medida de apoio junto dos pais, ou a medida de acolhimento residencial (artigo 35.º, alínea a) e f), respetivamente, da LPCJP), durante um período a determinar que permitisse a evolução dos progenitores, ou, ao invés, permitisse perceber se efetivamente o melhor para a menor é realmente ser separada dos seus pais e família.

  20. Ao optar pela medida de entrega da menor para adoção, sem esgotar o leque de medidas existentes suscetíveis de acautelar o superior interesse da menor, e que pelo que se explanou se afiguravam suficientes para esse fim, o Tribunal recorrido violou os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e atualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família.

  21. De acordo com estes princípios, a intervenção do estado nas relações familiares deve ser mínima, proporcional às questões em apreço, e deve privilegiar a manutenção das relações, só em última solução se devendo determinar o corte definitivo e irremediável dessas ligações.

  22. Ou, melhor dizendo, a opção pela aplicação da medida de promoção e proteção de confiança da menor a instituição tendo em vista a futura adoção só deve funcionar como ultima ratio – isto é, só após esgotadas as possibilidades de aplicação das restantes medidas existentes e previstas no artigo 35.º da LPCJP.

  23. A adoção é “o último recurso”, devendo ser aplicada esta medida apenas quando for comprovado estar comprometida, de forma definitiva, a possibilidade de o desenvolvimento harmonioso da criança ocorrer no seio da sua família biológica – o que nos presentes autos não aconteceu, e onde se decidiu imediatamente pela medida mais grave.

  24. Afigurava-se suficiente para proteção do superior interesse da menor a opção pelo apoio junto dos pais, ou o acolhimento instituição, durante um período que permitisse aos progenitores solver os problemas existentes, aprendendo e melhorando, e mantendo sempre o contacto com a filha.

  25. Ademais, este necessário esgotar de possibilidades e medidas existentes até se poder sequer ponderar na aplicação da medida de confiança da menor para futura adoção é unânime na nossa jurisprudência, como demonstra a conclusão do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24/01/2013, no processo n.º 6581/09.6TBCSC.L1-2 (acedível em www.dgsi.pt), que concluiu que: “I - A intervenção pública na educação dos filhos é, em qualquer caso, subsidiária, não podendo contrariar o primado em matéria de educação e manutenção dos filhos conferido constitucionalmente aos pais ou o princípio segundo o qual os filhos não podem, à partida, ser separados dos pais. II – Surge assim como “ultima ratio”, uma decisão judicial que ordene a separação dos filhos dos pais. III – Perante uma situação carecida de intervenção para promoção e proteção, a medida de “Apoio junto dos pais” não deverá ser desde logo descartada, passando-se para medida de acolhimento institucional, quando, à data da decisão, seja manifesto um esforço continuado de reorganização por parte dos progenitores, e não estando em causa a quebra dos vínculos afetivos dos menores com os pais.” (sublinhado nosso).

  26. Fica claro e evidente que o acórdão recorrido além de efetuar uma errada valoração da prova, decidiu de forma contrária ao preceituado nos princípios previstos no artigo 4.º da LPCJP, mormente os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e atualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família.

  27. Em face do exposto, deve este Venerando Tribunal corrigir o decidido em primeira instância, alterando a medida de promoção e proteção aplicada à menor S. F., substituindo-a por medida alternativa que permita a manutenção do vínculo familiar existente, e possibilite aos pais tempo de aprendizagem e melhora das capacidades e condições económicas, sendo suficiente para esse desiderato a aplicação das medidas de promoção e proteção de apoio junto dos pais, ou o acolhimento residencial.

    Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser concedido provimento ao recurso, sendo substituída a medida de promoção e proteção aplicada por outra que acautele os princípios da intervenção mínima, da proporcionalidade e atualidade, da responsabilidade parental e da prevalência da família, e, bem assim, proteja o superior interesse da criança, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!».

    *1.4.

    Igualmente o progenitor F. O.

    interpôs recurso de apelação, formulando as...

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