Acórdão nº 24255/18.5YIPRT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1. J. S.

intentou procedimento de injunção, posteriormente convolado para acção de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra M. N., pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 4.750,00 (quatro mil setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora contados desde 26.09.2014 e até integral pagamento, tendo computado os vencidos, até à data da entrada do requerimento de injunção, em € 1.141,05, e da taxa de justiça por si paga, no valor de € 102,00.

Para fundamentar a sua pretensão o Autor alegou que, enquanto comerciante e dono do estabelecimento denominado Fruta ..., vendeu desde 2008 vários tipos de fruta à Ré, tendo ficado em dívida a quantia de € 4.750,00, após um último pagamento de € 100,00 efectuado por carta de 11.07.2014.

A Ré deduziu oposição, alegando, por excepção, a ineptidão do requerimento injuntivo e, por impugnação, que nada deve ao Autor, uma vez que não lhe comprou fruta no período que se iniciou em 2008 e que nunca reconheceu a existência de qualquer dívida nem efectuou qualquer pagamento referente ao período indicado pelo Autor.

* 1.2.

Julgada improcedente a excepção de ineptidão do requerimento de injunção, foi realizada a audiência final, durante a qual, em virtude da junção de documentos por parte do Autor, cuja autoria imputava à Ré, e perante a negação desta do seu conhecimento e da sua autoria, foi determinada a realização de prova pericial à letra da Ré, após o que se proferiu sentença a julgar a acção improcedente e a absolver a Ré do pedido.

* 1.3.

Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: «I.

O Tribunal a quo andou mal em não incluir na matéria de facto dada como provada a seguinte factualidade: Na mesma data (06-03-2013) a Ré emitiu um cheque a favor de R. C., no montante de 100,00€.

II.

Tal matéria resulta claramente da prova documental junta aos autos pelo Recorrente, nomeadamente do cheque constante de fls. 39 dos autos, na medida em que tal documento consubstancia um cheque sacado da conta da Recorrida junto do Banco ..., a favor da esposa do Recorrente, no montante de cem euros, emitido no dia 06-03-2013 (data em que a Recorrida remeteu à esposa do Recorrente a carta que consta do ponto 5 dos factos provados).

III.

Por outro lado, entende o Recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao considerar não provado o facto d) “Na sequência da carta referida em 4., a ré reconheceu ao autor que lhe devia 5.200,00”, na medida em que, tendo considerado provados os factos 5 e 6, teria o Tribunal a quo forçosamente de considerar provado o facto d), uma vez que o mesmo é uma consequência direta dos referidos factos provados, porquanto os mesmos importam inequivocamente o reconhecimento da dívida reclamada pelo Recorrente, uma vez que a Recorrida, na sequência da interpelação efetuada pelo Recorrente, tendo pedido desculpa por não ter enviado o que tinha combinado (referindo-se, como concluiu e bem o Tribunal a quo, a dinheiro), comprometendo-se, nos meses seguintes a não falhar e tendo ainda efetuado diversos pagamentos, por cheque e em numerário, é manifestamente evidente que ao fazê-lo reconheceu expressa (por via da carta que remete) e tacitamente (em virtude dos pagamentos efetuados) a dívida reclamada como existente e como sendo sua – isto de acordo com a conjugação dos art. 217.º e 458.º do CC.

IV.

Assim, em face do exposto, deverá o facto não provado d) “Na sequência da carta referida em 4., a ré reconheceu ao autor que lhe devia 5.200,00” ser considerado provado, e consequentemente aditado à FP.

Do Direito V.

Tal como resulta da sentença, o Tribunal a quo deu como provado que a seguinte factualidade: 5. Em 06/03/2013, a ré enviou a R. C. uma carta do seguinte teor: “Desculpe-me por não ter mandado o prometido, mas foi por motivo de doença, mas agora começa a ser certo todos os meses até ao dia 15 de cada mês e talvez mesmo este mês te mande mais até ao fim do mês”; 6. Em 04/09/2013 e 13/11/2013, a ré enviou cartas a R. C. contendo quantias em dinheiro, de montante não concretamente apurado; VI. Tendo, na motivação da decisão, referido a este propósito que: - factos 5. e 6. – resulta da análise da carta e escritos constantes de fls. 122 e 125 e 126, respetivamente. Pese embora a ré tenha, de forma interessada e nervosa, negado conhecer tais documentos e, por conseguinte, a sua autoria, resulta do relatório pericial junto aos autos a fls. 226 e ss. ser muito provável que a ré seja a autora desses escritos. Assim, sendo certo que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo Tribunal – artigos 389º, do Código Civil -, certo é também que inexistem motivos para divergir do juízo técnico plasmado no referido relatório, o qual se mostra claro e não nos suscitou dúvidas, tanto mais que, sobre a matéria sobre a qual recai, não foi produzida qualquer prova objetiva adicional e que fosse suscetível de infirmar o juízo técnico formulado com base nos especiais conhecimentos da matéria que os Srs. Peritos demonstram e que o tribunal não possui.

Uma vez que no relatório se afirma não se poder concluir que os números aí apostos sejam da autoria da ré, considerando-se ainda que a testemunha R. C. referiu ter escrito nos sobrescritos as quantias que os mesmos continham, ao mesmo tempo que referiu já não ter a certeza dos valores, o tribunal não se convenceu dos exatos montantes de dinheiro que seguiram dentro dos envelopes. Não obstante, convenceu-se que os mesmos teriam dinheiro, conjugando o que resulta do facto provado 4., com o que resultou do depoimento de R. C. – que, pese embora interessado no desfecho da causa por ser cônjuge do autor, se mostrou um depoimento sério, objetivo, claro e sem qualquer intenção persecutória da ré – e com as regras da experiência comum (se se responde à interpelação para pagamento de uma dívida com um escrito em que se promete enviar todos os meses, seguir-se-á, natural e logicamente, o envio de quantias em dinheiro); VII.

No entanto, entendeu o Tribunal a quo que tais factos não importavam um reconhecimento tácito da dívida reclamada pelo Recorrente.

VIII.

Ora, salvo o devido respeito, não pode o Recorrente concordar com esta conclusão, uma vez que resulta manifestamente evidente da factualidade provada que a Recorrida reconheceu a existência da dívida.

IX.

Desde logo, na medida em que, após ter sido interpelada pelo Recorrente, a Recorrida, não só lhe remeteu uma carta na qual pediu desculpa por não ter mandado o prometido, como atestou que a partir daquela data passaria a “mandar” todos os meses, tendo ainda remetido ao Recorrente, simultaneamente, um cheque e, pelo menos por duas ocasiões, pagamentos em dinheiro.

X.

Ora, uma pessoa que em sede de resposta a uma interpelação para o pagamento de uma dívida, pede desculpa por não ter enviado o que tinha combinado (referindo-se, como concluiu e bem o Tribunal a quo, a dinheiro), comprometendo-se, nos meses seguintes a não falhar e ainda efetua diversos pagamentos, por cheque e em numerário, é manifestamente evidente que ao fazê-lo está a reconhecer expressa (por via da carta que remete) e tacitamente (em virtude dos pagamentos efetuados) a dívida reclamada como existente e como sendo sua – isto de acordo com a conjugação dos art. 217.º e 458.º do CC.

XI.

De facto, é por demais evidente que alguém que não concorde com uma dívida que lhe está a ser imputada, refere-o expressamente. Pelo que, também por este motivo é por demais evidente que a Recorrida reconheceu a dívida como sendo sua e comprometeu-se a efetuar o seu pagamento, já que nunca a Recorrida impugnou os valores que sucessivamente foram sendo reclamados pelo Recorrente, os quais constam da diversa documentação junta aos autos.

XII. Ora, assim sendo, nos termos do artigo 458.º e em face do reconhecimento da dívida, estava o Recorrente dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário, prova essa que a Recorrida não fez.

XIII.

Face ao exposto deverá ser revogada a sentença recorrida, e, consequentemente, substituída por Acórdão que, julgando procedente o presente recurso, condene a Recorrida no pagamento da quantia peticionada.

XIV.

Tal como foi comprovado pela perícia realizada, a Recorrida faltou flagrantemente à verdade quando afirmou que os escritos constantes dos autos, não tinham sido realizados por si.

XV.

Isto no intuito de enganar e ludibriar o Tribunal, fazendo um uso manifestamente reprovável do processo, faltando flagrantemente à verdade, procurando impedir a sua descoberta.

XVI.

O que resulta, por um lado, do próprio resultado da perícia realizada, que concluiu “…como muito provável que a escrita suspeita do Grupo I6 formado em Nota seja da autoria de M. N.

” e por outro, das considerações feitas constar no mesmo relatório pelos Srs. Peritos que sentiram a necessidade de mencionar que “O traçado, variável, irregular, trémulo, pouco espontâneo, indiciando disfarce, dos autógrafos de M. N. limitaram as análise comparativas com as escritas suspeitas do Grupo I”.

XVII.

Pelo que, da análise do comportamento processual da Recorrida, à luz do regime jurídico da litigância de má-fé acima referido, não restam dúvidas de que a mesma preteriu os sobreditos deveres adjetivos que sobre si impendiam, devendo por isso ser condenada como litigante de má-fé nos termos dos artigos 542.º e 543.º do CPC.

XVIII.

Face ao exposto, a douta sentença recorrida violou, pois, o disposto nos arts. , 410º, 411º e 413º do CPC, 217.º e 458.º do Código Civil e ainda o disposto nos artigos 542.º e 543.º do CPC.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência: - ser alterada a matéria de facto dada como provada, nos termos acima indicados; e - revogada a sentença recorrida.

Condenando-se a Ré/Recorrida no peticionado, como é de...

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