Acórdão nº 740/20.8T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO MATOS
Data da Resolução18 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2.º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*ACÓRDÃO I - RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. T. C.

(aqui Recorrente), residente na Rua …, n.º …, em Braga, propôs a presente acção especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra A. L.

(aqui Recorrido), residente na Rua …, n.º 19…, em Braga, pedindo que · fosse dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado entre ela e o Réu.

Alegou para o efeito, em síntese, terem-se casado entre si no dia 15 de Julho de 2000, nascendo dessa união duas filhas, ainda menores.

Mais alegou nunca ter o casamento decorrido com normalidade, existindo episódios frequentes de violência doméstica, levando-a inclusivamente a apresentar uma queixa-crime, cujo processo ainda se encontraria pendente.

Alegou ainda que, não obstante ela e o Réu continuarem a viver na mesma casa, terem deixado de conviver entre si como cônjuges, não existindo da sua parte qualquer vontade de reatamento da vida conjugal, nomeadamente por não nutrir qualquer sentimento em relação àquele.

Por fim, a Autora alegou que o Réu se recusa a aceitar a dissolução por acordo do vínculo conjugal.

A Autora juntou, como prova, unicamente três certidões de registo civil.

1.1.2.

Foi designado dia para realização da tentativa de conciliação, ou conversão de divórcio litigioso para divórcio por mútuo consentimento, prevista no art. 1174.º do CC, e no art. 931.º, n.ºs 1 a 4 do CPC, frustrando-se ambas.

1.1.3.

Notificado nos termos e para os efeitos do n.º 5, do art. 931.º, do CPC, o Réu não contestou (sendo que, situando-se a acção no âmbito de direitos indisponíveis, essa falta de contestação não importa a confissão dos factos articulados pela Autora, nos termos do art. 574.º, n.º 2, do CPC e do art. 354.º, al. b), do CC).

1.1.4.

Foi proferido despacho, anunciando a intenção do Tribunal a quo conhecer de imediato do mérito da acção e convidando a Autora a pronunciar-se sobre essa possibilidade, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) Uma vez que a A. apenas apresentou prova documental, não indicando outra prova na petição inicial, como exige o art. 552.º, n.º 6, do CPC, entendemos que os autos contêm já os elementos suficientes para conhecer do mérito da causa.

Contudo, tendo em vista evitar decisões surpresa, notifique a A. para, em 10 dias, dizer, querendo, o que tiver por conveniente, considerando que o tribunal pretende conhecer do mérito da causa, sem necessidade de realizar audiência de julgamento.

(…)» A Autora nada disse. 1.1.5.

Foi proferido despacho saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); e de imediato sentença, julgando a acção totalmente improcedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) 5. Dispositivo Atento o exposto, julgo improcedente, por não provada, a presente acção e em consequência absolvo o R. A. L. do pedido de divórcio sem consentimento formulado pela A. T. C..

Custas pela A. (cfr. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Fixo à acção o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos do art.º 303.º, n.º 1, do CPC (cfr. art.º 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Registe e notifique.

(…)»*1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformada com esta decisão, a Autora (T. C.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a sentença recorrida e, em consequência, fosse decretado o divórcio sem consentimento do outro cônjuge.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

  1. O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.

  2. O artigo 1781º do Código Civil menciona na alínea d) “quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura dos cônjuges” como fundamento do decretamento do divórcio sem consentimento de outro cônjuge.

  3. Conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 2012 “A adesão ao conceito modelo do “divórcio-constatação da ruptura conjugal” representa uma nova realidade destinada a ser o instrumento para a obtenção da felicidade de ambos os cônjuges, conduzindo à concepção do divórcio unilateral e potestativo, em que qualquer um dos cônjuges pode por termo ao casamento, com fundamento mínimo na existência de factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do matrimónio, por simples declaração singular”.

  4. Neste sentido, o processo de instauração de acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge em Tribunal, basta como demonstração de que a ruptura é definitiva. Trata-se de uma “manifestação inequívoca do propósito de não reatamento da sociedade conjugal”.

  5. Conforme alegado na petição inicial, a Autora é vítima de violência doméstica. No seguimento das agressões de que é vítima, socorreu-se da policia, tendo originado o processo crime com o número 4491/19.8T0BRG que corre, agora, termos no Tribunal Judicial de Braga - Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 4.

  6. O facto em questão foi dado como não provado, todavia, uma simples diligência do Tribunal a quo demonstraria que a alegação do processo crime é verdadeira e, como tal, deveria este facto ter sido dado como provado.

  7. Assim, mesmo que se considerasse que a interposição da acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge não constitui demonstração suficiente da ruptura definitiva, o facto de existir processo crime de violência doméstica, suporta e sustenta essa mesma demonstração de ruptura definitiva.

  8. Ademais, como é de conhecimento do Tribunal a quo, nem sempre é fácil conseguir testemunhas que sustentem a ruptura definitiva, uma vez que os factos que conduzem a essa ruptura definitiva da relação conjugal são, geralmente, apenas do conhecimento dos cônjuges.

  9. Assim, no caso concreto, a cônjuge Autora agiu, teve uma movimentação inequívoca, ao interpor a acção de divórcio, fundamentou a mesma na ocorrência de episódios de violência doméstica ao longo dos anos, denunciou o Réu como sendo agressor e tudo isto deve ser analisado conjuntamente, demonstrando, claramente, a existência de ruptura definitiva.

  10. A cônjuge Autora não mais quer estar casada com o cônjuge Réu, isso fica demonstrado pelo seu animus, pela sua acção inequívoca e, como tal, o divórcio deveria ter sido decretado.

    *1.2.2. Contra-alegações Não foram apresentadas contra-alegações nos autos.

    *II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR 2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

    Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).

    *2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar Mercê do exposto, 01 única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem: · Questão única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente por não ter diligenciado pela obtenção de prova da pendência do processo crime por violência doméstica intentado pela Autora contra o Réu (o que seria suficiente para o decretamento do divórcio impetrado) ?*III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 3.1. Factos Provados O Tribunal de 1.ª Instância considerou provados os seguintes factos: 1 - T. C. (aqui Autora) e A. L. (aqui Réu) contraíram casamento católico no dia 15 de Julho de 2000, na Capela da Quinta …, paróquia de Braga (…), concelho de Braga.

    2 - Do casamento referido no facto anterior nasceram as seguintes filhas: - L. L., em 30 de Agosto de 2002; - A. C., em 10 de Março de 2011.

    *3.2. Factos Não Provados O Tribunal de 1.ª Instância considerou não provados os seguintes factos, com «relevância para a boa decisão da causa»:

  11. Autora e Réu fixaram o domicílio conjugal em Braga.

  12. O casamento nunca decorreu com normalidade, existindo episódios frequentes de violência física e, ainda mais frequentes, de violência psicológica e verbal.

  13. Fruto de um episódio de violência doméstica, a Autora apresentou queixa crime, que corre termos no DIAP - 2.ª secção de Braga, processo número 4491 / 19.8 T9BRG.

  14. Autora e Réu continuam a residir na mesma casa.

  15. A Autora abordou diversas vezes o Réu no sentido de se divorciarem, mas sem sucesso.

  16. Autora e Réu deixaram de conviver entre si como cônjuges.

  17. Autora e Réu deixaram de prestar assistência e cooperação recíprocas.

  18. Autora e Réu passaram a viver cada um a sua...

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