Acórdão nº 203/19.4T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25 de Fevereiro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA LUÍSA RAMOS
Data da Resolução25 de Fevereiro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães X – Supermercados, Lda., veio propor acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, contra A. M., operadora de supermercado, e M. R., Solicitadora, pedindo a condenação solidária das Rés no pagamento à Autora da quantia global de € 5.504,56, acrescida dos juros moratórios, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Alega que correu termos no Juiz 1 do Juízo do Trabalho de Viana do Castelo uma acção de processo laboral emergente de contrato de trabalho com o nº 337/12.6TTVCT. O aludido processo foi instaurado pela primeira ré. Foi proferida sentença e, após, a primeira ré instaurou contra a aqui Autora uma execução para pagamento de quantia certa, a qual correu os seus termos nos próprios autos (processo nº 337/12.6TTVCT.1). Na acção executiva foi nomeada agente de execução a segunda ré. No âmbito da acção executiva, a segunda ré, enquanto agente de execução, procedeu à penhora de saldos da conta bancária da Autora, no dia 8 de Fevereiro de 2016. A Autora apresentou dois requerimentos na acção executiva a suscitar a ilegalidade de tal penhora. Foi proferido despacho a apreciar a questão suscitada em 15 de Fevereiro de 2016, nos termos do qual foi determinada a extinção da instância e o levantamento de todas as penhoras. As diligências de penhora requeridas pela Autora e realizadas pela Senhora Agente de execução foram feitas à margem da lei. Antes de dar entrada à acção executiva a primeira ré não poderia de deixar de previamente se certificar que tinha título executivo. Ao não fazê-lo, agiu com incúria, desleixe e ligeireza. Por outro lado, a segunda ré, antes de promover a penhora, não poderia deixar de previamente se certificar que estavam preenchidos os requisitos de validade e regularidade da instância. Ao não fazê-lo, agiu, de igual modo, com incúria, desleixe e ligeireza, causando prejuízos à Autora.

Como consequência directa e necessária da conduta das Rés, a Autora sofreu prejuízos. No dia 8 de Fevereiro de 2016, a conta bancária titulada pela Autora no Banco ... apresentava um saldo à ordem de € 29.072,81. Por essa altura, a Autora tinha de fazer um pagamento de IVA à autoridade tributária, no valor de € 18.376,25, até ao dia 10 de Fevereiro de 2016. Por força da penhora realizada, a Autora não dispôs de liquidez para fazer esse pagamento, pois não tinha saldo disponível na sua conta, não dispondo de quaisquer outros depósitos bancários que lhe permitissem efectuar tal pagamento. Só o pôde fazer mais tarde, depois de esgotado o prazo de pagamento, até porque a Senhora Agente de execução só procedeu ao levantamento da penhora no dia 21 de Fevereiro de 2016. Como consequência directa e necessária do incumprimento da obrigação de pagamento de IVA, foi instaurado contra a Autora um processo de contra-ordenação fiscal, pela Autoridade Tributária, no âmbito do qual foi aplicada uma coima no valor de €459,00. A autora procedeu ao pagamento da coima aplicada. Por outro lado, a Autora esteve ilicitamente privada da utilização do montante penhorado, entre os dias 4 a 21 de Fevereiro de 2016 e, nesse período, esteve impedida de utilizar esse dinheiro para fazer pagamento às Finanças, fornecedores, Segurança Social e outras entidades e de fazer encomendas de mercadoria com pagamento a pronto. Ainda como consequência directa e necessária das condutas das Rés, a Autora viu prejudicada e denegrida a sua imagem comercial junto da Banca, a Autoridade Tributária e de fornecedores. Com a penhora a Autora foi imediatamente questionada por funcionários do Banco ..., os quais ficaram preocupados com a solvabilidade da Autora, tendo esta se justificar perante a aludida entidade. A Autora ficou registada nas bases de dados de empresas particulares, para aferir da solvabilidade de empresas, acessíveis a empresas particulares e a toda e qualquer pessoa, pelo que viu a sua imagem denegrida perante clientes e fornecedores. Assim, a Autora reclama das rés o pagamento de € 459,00, a título de coima, € 45,56, a título de indemnização pela paralisação e privação do uso de capitais e € 5.000,00, a título de afectação da sua imagem comercial.

*A segunda ré contestou nos termos constantes de fls. 47 e seguintes. Sustenta que, sendo o título executivo uma sentença, tramitou a execução sob a forma sumária, sendo que, qualquer agente de execução mediamente diligente, tramitaria a execução na dita forma sumária, com os inerentes procedimentos. A penhora de saldos bancários é realizada sem prévio conhecimento da executada, o que constitui a tramitação prevista para a execução de pagamento de quantia certa, sob a forma sumária. Entende que a questão que se pôs da necessidade de liquidar ou não a sentença que se deu à execução é matéria controversa, de cariz eminentemente técnico-jurídico, na vertente substantiva, a ser dirimido pelo Juiz do processo e não pelo agente de execução.

Entende não existir fundamento para ser responsabilizada pela situação trazida aos autos, pugnando pela improcedência da acção.

Suscita a intervenção principal provocada de “Y Companhia de Seguros S.A.”, invocando a existência de um contrato de seguro para cobrir os danos decorrentes da sua actividade profissional de solicitadora e agente de execução.

*A primeira ré contestou nos termos constantes de fls. 65 e seguintes. Por excepção invoca a incompetência territorial do Tribunal. Impugna, por desconhecimento, os actos praticados pelo mandatário a quem outorgou procuração e impugna a factualidade alegada pela Autora no articulado inicial.

*Pelo despacho proferido a fls. 79 dos autos foi admitida a intervenção principal provocada da Y – Companhia de Seguros, S.A..

A interveniente apresentou articulado nos termos constantes de fls. 81 e seguintes.

*Foi proferido despacho saneador. O Tribunal apreciou a excepção de incompetência territorial, julgando-a improcedente.

Realizado o julgamento veio a ser proferida sentença a julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvendo os réus dos pedidos.

Inconformada veio a Autora interpor recurso de apelação da sentença proferida nos autos, que assim julgou a acção.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes Conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos autos, na parte em que lhe foi desfavorável (improcedência da acção e absolvição dos Réus dos pedidos formulados).

  1. O presente recurso tem por objecto a decisão da matéria de facto e de direito, com reapreciação da prova gravada.

  2. A Recorrente discorda do julgamento do parágrafo terceiro dos factos não provados (“A 2.ª ré agiu com imprudência, ligeireza e incúria, causando, com o seu comportamento, prejuízos à Autora”), pois entende que tal facto deveria ter sido dado como provado.

  3. Os meios de prova que impunham a prolação de decisão diferente são os seguintes: doc. n.º 2, junto com a p.i., doc. n.º 3, junto com a p.i., doc. n.º 4, junto com a p.i., doc. n.º 5, junto com a p.i., doc. n.º 9, junto com a p.i. e doc. n.º 10, junto com a p.i.

  4. Daí que se imponha concluir que a 2.ª ré agiu com imprudência, ligeireza e incúria, causando, com o seu comportamento, prejuízos à Autora, o que equivale a dizer que o presente recurso não poderá deixar de proceder, alterando-se a resposta ao parágrafo terceiro dos factos não provados (“A 2.ª ré agiu com imprudência, ligeireza e incúria, causando, com o seu comportamento, prejuízos à Autora”), que deverá ser dado como provado.

  5. A Recorrente discorda do julgamento dos parágrafos quinto (“Sucede que, por força da penhora de saldos de conta bancária, a Autora não dispôs de liquidez para fazer esse pagamento no dia 10/02/2016”) e sexto (“Pois não tinha disponível o saldo da sua conta bancária”) dos factos não provados, pois entende que os mesmos deveriam ter sido dados como provados.

  6. O meio de prova que impunha a prolação de decisão diferente é depoimento prestado pela testemunha H. S., na sessão da audiência de julgamento realizada em 18/11/2019, no excerto de minutos 03:50 a 12:00.

  7. Daí que se imponha a procedência do presente recurso, alterando-se a resposta aos parágrafos quinto (“Sucede que, por força da penhora de saldos de conta bancária, a Autora não dispôs de liquidez para fazer esse pagamento no dia 10/02/2016”) e sexto (“Pois não tinha disponível o saldo da sua conta bancária”) dos factos não provados, que deverão ser dados como provados.

  8. Perante um cenário constante da decisão da matéria de facto e o que mais resultará da procedência do recurso da matéria de facto, poder-se-á concluir pela verificação de todos os pressupostos de aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual (facto, ilicitude, nexo de imputação do facto aos lesantes, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano) e, por essa via, pela constituição das Rés na obrigação de indemnizar a Autora pelos danos que lhe causaram.

  9. Ao concluir em sentido contrário, o Tribunal recorrido violou, além de outras, a disposição do art. 483.º, n.º 1 do Cód. Civil.

  10. O advogado, no âmbito do patrocínio forense, não pratica actos em nome próprio, mas em nome de terceiro.

  11. A consequência do que se vem de expor é que eventuais erros ou deficiências na qualificação jurídica dos factos que o levem a praticar, em nome do seu Constituinte, actos que possam causar prejuízos a terceiros implicarão a responsabilização, única e exclusivamente, do mandante.

  12. O mandatário poderá ser responsabilizado, é certo, mas tão-somente em sede de direito de regresso ou no âmbito das relações internas com o seu cliente, ao abrigo do regime da responsabilidade contratual.

  13. Perante as características do mandato forense acima sucintamente expostas não é de todo concebível ou sequer aceitável a afirmação de que o mandante (no caso, a Ré A. M.), não responde por actos...

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