Acórdão nº 2147/16.2T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA LEONOR CHAVES DOS SANTOS BARROSO
Data da Resolução20 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães
  1. RELATÓRIO ACÇÃO - Os autos respeitam a acção especial emergente de acidente de trabalho que prosseguiu para a fase contenciosa, em que é autor F. P. e rés Construções F. M., Lda (empregadora) e X Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal (seguradora).

PEDIDO - O autor pede a condenação: a) da ré empregadora na pensão anual e vitalícia de 1.934,91€, com início em 18/01/2017, obrigatoriamente remível; 5.014,86€ a título de indemnizações por incapacidades temporárias; 25,00€ de despesas de transporte; juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento; 30.000,00€ a título de indemnização por danos não patrimoniais; b) subsidiariamente da ré seguradora na pensão anual e vitalícia de 1.340,76€, com início em 18/01/2017, obrigatoriamente remível; 3.474,94€ a título de indemnizações por incapacidades temporárias; 25,00€ de despesas de transporte; juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento; c) ainda subsidiariamente, para o caso de se não demonstrar que o acidente se deveu à violação de regras de segurança por parte da ré empregadora, a condenação das rés a pagarem-lhe: a pensão anual e vitalícia de 1.354,44€, com início em 18/01/2017, obrigatoriamente remível, sendo 1.340,76€ da responsabilidade da ré seguradora e 13,68€ da responsabilidade da ré empregadora; 3.510,40€ a título de indemnizações por incapacidades temporárias, sendo 3.474,94€ da responsabilidade da ré seguradora e 35,46€ da responsabilidade da ré empregadora; 25,00€ de despesas de transporte, a pagar pela ré seguradora; juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.

CAUSA DE PEDIR: alega que o acidente se deveu a violação de regras de segurança por parte da empregadora. O acidente de trabalho ocorreu em 17-06-2016 quando o sinistrado, pintor carpinteiro de 1ª, caiu de cima de uma placa onde trabalhava. A empregadora não colocou à disposição do trabalhador arnês e linha de vida, não existindo na obra equipamento de segurança para trabalhos em altura. Para além da incapacidade para o trabalho de que ficou a padecer, sofreu danos morais, incluindo uma depressão e limitação no exercício da sua vida pessoal.

CONTESTAÇÃO DA RÉ SEGURADORA: alega que o acidente foi devido a violação das regras de segurança por parte do autor, pelo que deverá ser descaracterizado. Em concreto na obra competia ao autor colocar abobadilhas entre vigotas de cimento para execução da laje de cobertura. Quando se posicionou sobre uma abobadilha que já se encontrava colocada, caiu para o piso inferior por entre duas vigotas, numa zona ainda sem abobadilhas colocadas. O acidente ocorreu porque o autor usava arnês de segurança, mas não o conectou, como devia, à linha de vida instalada na laje onde exercia a actividade. Alias, o autor perante um perito averiguador que a ré contratou assinou uma declaração onde confessou “Estava uma linha de vida montada e eu estava com o arnês de segurança vestido, no entanto, não estava engatado na linha de vida pois não conseguia facilmente chegar ao material…” CONTESTAÇÃO DA RÉ EMPREGADORA: alega ter cumprido todas as regras de segurança. Disponibiliza mecanismos de segurança para todas as obras e fiscaliza a sua implementação e uso pelos trabalhadores. O que acontecia na presente obra. A obra em questão decorria na primeira placa, a cerca de 2,80 metros de altura, existindo linha de vida fixada, cintos, capacetes e arnês para os trabalhadores. O autor, que no momento do acidente se encontrava na primeira placa a colocar abobadilhas de laje aligeirada, tinha no momento do acidente colocado o capacete, respectivo cinto e arnês. O acidente ocorreu porque o autor para facilitar o seu trabalho retirou o arnês da linha de vida, aquando da recepção de material. Neste momento, infelizmente, desequilibrou-se e caiu da altura em que se encontrava. Assim, a responsabilidade pela reparação do acidente recai apenas sobre a ré seguradora. Pede a sua absolvição dos pedidos.

O autor apresentou resposta reiterando que não existia arnês e linha de vida na obra. Diz ter sido pressionado pela empregadora a prestar as declarações do documento junto pela ré seguradora (onde se refere que na obra existia arnês e linha de vida), por aquela recear ser alvo de contra-ordenação e porque lhe garantiu que seriam assegurados todos os seus direitos.

Foi proferido despacho saneador e organizada a lista de factos assentes e base instrutória.

Procedeu-se a julgamento que decorreu em várias sessões. Numa delas foi proferido despacho a suscitar oficiosamente a questão da eventual litigância de má fé do autor ou da ré empregadora, uma vez que as versões apresentadas seriam diametralmente opostas, o que implicaria necessariamente que uma das partes tenha apresentado em juízo uma versão que conscientemente sabia não corresponder à verdade. Foi dado prazo às partes para se pronunciarem.

Proferiu-se sentença.

SENTENÇA RECORRIDA (DISPOSITIVO): “Assim, e nos termos expostos, julgo: A) a ação procedente por provada e, consequentemente, condeno: a. solidariamente as rés Construções F. M., Lda. e X Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal, sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), no pagamento ao autor F. P. das seguintes quantias: a) 5.014,85€ (cinco mil e catorze euros e oitenta e cinco cêntimos) a título de indemnizações por incapacidades temporárias, da responsabilidade apenas da ré Construções F. M., Lda. (estado a responsabilidade da ré X Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal limitada à quantia de 3.474,81€ e tendo direito de regresso sobre aquela ré caso a venha a pagar); b) 25,00€ (vinte e cinco euros) a título de reembolso de despesas de transporte, tendo a ré X Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal direito de regresso sobre a ré empregadora quanto a tal quantia, caso a venha a pagar; c) o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida em 18/01/2017, no montante de 891,31€ (oitocentos e noventa e um euros e trinta e um cêntimos), sendo a ré X Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, S.A. – Sucursal em Portugal responsável apenas até ao limite do capital de remição da pensão anual e vitalícia no valor de 617,59€ (seiscentos e dezassete euros e cinquenta e nove cêntimos) e tendo direito de regresso sobre a ré empregadora sobre a quantia que a esse título venha a pagar.

  1. a ré Construções F. M., Lda., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), no pagamento ao autor F. P. da quantia de 5.000,00€ (cinco mil euros) para compensação dos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente de trabalho; B) a ré Construções F. M., Lda. como litigante de má-fé: a. no pagamento de uma multa de montante equivalente a 85 (oitenta e cinco) unidades de conta; e b. no pagamento ao autor F. P. de uma indemnização no valor de 5.000,00€ (cinco mil euros), para compensação dos danos decorrentes da má-fé.

    *Custas exclusivamente pela ré empregadora.

    *Valor da ação – 19.849,61€ - art.º 120.º do Código de Processo do Trabalho”.

    RECURSO DA RÉ EMPREGADORA: RECORREU E SUSCITOU A NULIDADE DA SENTENÇA.CONCLUSÕES: 1º - Resulta da leitura da sentença que existem objectivas contradições que infringem o disposto no artigo 607º, n.º 3 do C.P.C.. A primeira contradição resulta dos pontos da matéria de facto vertidos nas alíneas E) e F), pois, se entende que existe responsabilidade agravada da aqui Apelante por ausência de observância das regras e medidas de segurança – equipamentos de protecção colectiva, não pode dar como provado que o Autor emitiu uma declaração sua a reconhecer que os equipamentos de protecção colectiva estavam presentes, mormente a linha de vida e o arnês. Ou os equipamentos existiam ou não existiam. Ambos os factos é que não é possível! 2º - A segunda contradição reside no confronto entre os factos constantes nas als. P) ( formação pela empresa na temática segurança no trabalho ao trabalhador) e S) ( instruções expressas e directas ao sinistrado para usar arnês e linhas de vida, pela Apelante) e o constante na parte final do ponto de facto da al. U) da matéria de facto, que menciona que o Autor não formação pela Apelante quanto a temática de segurança no trabalho. É flagrante a contradição, e perante isso, é nosso humilde entendimento que tal lapso será só um lapso de escrita, pois, a manutenção dos mesmos factos cria uma ambiguidade ou ininteligibilidade que não se coaduna com a matéria de facto expressa na sentença recorrida.

    1. - Por isso, o lapso que deve ser devidamente corrigido, ou então a última parte tem que ser dada como não provada.

    2. - A quarta contradição tem em consideração os factos confessados pelo Autor no seu depoimento de parte, constante da ata datada de 28 de Outubro de 2020, a fls. e ss. dos autos, onde foi concretizado que o mesmo citou que não existia linha de vida e arnês na obra e por isso transposto para a matéria de facto. Ora, tal situação não deveria ter sido lavrada, porque não resulta de confissão dos factos por parte do recorrido, uma vez que, o depoimento de parte constitui um meio processual através do qual se pode obter e provocar a confissão judicial, sendo esta uma declaração de ciência que emana da parte e em que se reconhece a realidade de um facto desfavorável ao declarante (contra se pronuntiatio) e favorável à parte contrária a quem competiria prová-lo (Art. 352º do Código Civil), sendo tal já sido apreciado pela nossa jurisprudência constitucional, no Acórdão nº 504/2004, Artur Maurício, DR, II Série de 2.11.2004, p. 16.093, in www.dgsi.pt/ 5º - Por isso, a alegação de inexistência de linha de vida e arnês não é um facto desfavorável ao Autor/sinistrado, mas sim favorável e que não devia ter sido valorado e o...

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