Acórdão nº 3778/19.4T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE SANTOS
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO CAIXA …, CRL, instaurou contra: - A. R. e mulher M. R., - L. F., - J. M., - J. P.

a presente acção declarativa sob a forma de processo comum (simulação e impugnação pauliana) pedindo que na procedência da acção: - se declare a nulidade por simulação da escritura de “Repúdio de Herança” transcrita no ponto 27.º da petição, com todas as consequências legais - e, por tal efeito, determinar-se o cancelamento de quaisquer registos ou ónus que eventualmente impendam sobre os prédios descritos em 30.º da petição inicial, lavrados com base na referida escritura de repudia de herança.

Em via subsidiária: - julgar-se procedente por provada a impugnação pauliana desse negócio, com a consequente restituição do “quinhão hereditário” na medida do interesse da autora, podendo esta executá-lo no património dos 2.º, 3.º e 4.º réus Sempre e de todo o modo: - condenar-se os réus a pagar as despesas extrajudiciais, incluindo honorários com advogado, que a autora suportar com a presente ação, valor esse a fixar em decisão ulterior.

Contestaram os 1ºs RR alegando que, tendo em conta que a Autora pretende impugnar é o repúdio da herança a que o 1.º Réu marido tinha direito por óbito do seu pai, não tendo o 1º Réu marido chegado a aceitar a herança (cf. art.º 2050.º, n.º 1 do C. Civil), com o repúdio da herança não há saída de bens do património dos 1.os Réus, visto que tais bens só integrariam o seu património no caso de o mesmo ter aceitado aquela herança, o que não se verificou.

Perante a falta de aceitação por parte do 1.º Réu da referida herança, a Autora apenas poderia reagir por meio da acção sub-rogatória, faculdade prevista no art.º 606.º, n.º 1 do C. Civil.

Com a impugnação pauliana os credores apenas podem reagir contra negócios válidos celebrados pelo devedor, mediante os quais se opere a saída de bens do património daquele.

Por outro lado, na data em que o 1.º Réu marido repudiou a herança a que tinha direito por óbito do seu pai, a sociedade comercial “X – Prestação de Serviços Técnicos e Agroflorestais, Unipessoal Lda.” não se encontrava sequer em incumprimento.

O 1.º Réu marido repudiou a herança aberta por óbito do seu pai, contudo, tem aquele três filhos: o 2.º, 3.º e 4.º Réus nos presentes autos.

Nos termos do artigo 2039º e artigo 2042º CC, com o repúdio da herança por parte do 1.º Réu marido, o 2.º, 3.º e 4.º Réus, enquanto filhos daquele, adquiriram, respectivamente, 1/16 da herança aberta por óbito do seu avô, R. R.. Visto que o 2.º Réu, em virtude do direito de representação previsto no art.º 2042.º do CC, adquiriu por sucessão legal, 1/16 do daquela herança e uma vez que aquele também deu o seu aval à livrança em branco subscrita pela sociedade mutuária, poderá a Autora, em caso de incumprimento pontual das obrigações assumidas, executar o património daquele. Logo, a possibilidade deixada expressa pela Autora no art.º 65.º da douta petição continua a poder verificar-se, não obstante o 1.º Réu marido ter repudiado aquela herança.

Concluíram no sentido de que se verifica que o repúdio da herança pelo 1.º Réu marido não teve, nem nunca teria, face à lei em vigor, como consequência impedir que aquele quinhão hereditário viesse a ser afectado pelos credores da sociedade mutuária, uma vez que, através do instituto do direito de representação, os seus filhos adquiriram, por sucessão legal, aquele direito e sem que os mesmos, nomeadamente o 2.º Réu, que é avalista da livrança entregue à Autora, tivessem igualmente renunciado àquele direito. O repúdio da herança por parte do 1.º Réu marido é assim um negócio válido, sendo que a vontade declarada naquele acto pelo mesmo corresponde integralmente à sua vontade real.

Por outro lado, entendem não se verificar os requisitos da impugnação pauliana: aquando da celebração do contrato de mútuo entre a Autora e a sociedade comercial mutuária, foram constituídas hipotecas sobre 10 (dez) prédios para garantia do bom e integral pagamento da quantia mutuada. Tais hipotecas foram constituídas com a máxima amplitude legal. Para garantia de tal contrato de mútuo foi ainda entregue à Autora, uma livrança em branco, subscrita pela sociedade mutuária e avalizada pelos 1.os e pelo 2.º Réus, bem como, ainda, por F. E., mãe do 2.º Réu. Com o aval concedido por aqueles sujeitos, passaram aqueles a garantir com todo o seu património, em caso de incumprimento integral e pontual das obrigações assumidas pela sociedade mutuária, o pagamento da quantia mutuada, nomeadamente, todo o património do 2.º Réu, onde se inclui 1/16 da herança repudiada pelo 1.º Reu marido.

Continua assim a ser possível, em caso de incumprimento, à Autora requerer a penhora daquele quinhão e, posteriormente, enquanto comproprietária do prédio identificado no art.º 30.º da douta petição inicial, exercer o seu direito de preferência na compra do mesmo.

Impugnando os restantes factos alegados pela A., concluíram pela improcedência da acção.

A A. respondeu aos incidentes e excepções invocadas pela A.

Procedeu-se ao saneamento do processo e ao julgamento com observância do legal formalismo que a respectiva acta documenta.

Foi proferida sentença na qual se decidiu:

  1. Julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade por simulação, formulado a título principal; b) Julgar procedente o pedido subsidiário de impugnação pauliana e, em consequência, declarar-se ineficaz em relação à A. o acto formalizado pela escritura de “Repúdio de Herança” outorgado pelos 1ºs Réus, melhor descrito em 1.23. dos factos provados desta, reconhecendo à A. o direito à respectiva restituição do quinhão hereditário, na medida do seu crédito, podendo executá-lo no património dos 1ºs Réus.

  2. Condenar os 1ºs RR A. R. e mulher a pagar as despesas extrajudiciais, incluindo honorários com advogado, que a autora teve de suportar com a presente ação, valor esse a fixar em decisão ulterior, designadamente em sede da execução já instaurada, absolvendo-se os restantes RR deste pedido.

  3. Custas pela A. e RR. na proporção respectivamente de 1/4 e 3/4.

    Inconformados com tal sentença, dela vieram recorrer os Réus A. R. e esposa, M. R., formulando as seguintes conclusões:

  4. Nos termos previstos no art.º 610.º do C.Civil, verifica-se a possibilidade de os credores recorrerem à acção de impugnação pauliana quando o devedor tenha praticado actos que envolvam a diminuição da garantia patrimonial do crédito e que não sejam de natureza pessoal, desde que concorram as seguintes circunstâncias: a) ser o crédito anterior ao acto ou, sendo posterior, ter sido o acto realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor e b) Resultar do acto a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade.

  5. Tal como decorre expressamente do preceito legal que prevê o instituto da impugnação pauliana, a mesma apenas se aplica nos casos em que se verifique uma diminuição da garantia patrimonial.

  6. Para que se possa estar perante uma diminuição da garantia patrimonial é necessário que o bem em causa já integrasse o património do devedor e tenha dele saído, uma vez que através da impugnação pauliana os credores apenas podem reagir contra negócios válidos, celebrados pelo devedor e mediante os quais se opere a saída de bens do património daquele. - Veja-se, neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. n.º 176/07.6TBVLF.C1, de 24.02.2015, disponível em www.dgsi.pt .

  7. O acto impugnado pela Recorrida nos presentes autos é o repúdio da herança a que o Recorrente marido tinha direito por óbito do seu pai.

  8. Nos termos previstos no art.º 2050.º, n.º 1 do C. Civil, o domínio e a posse dos bens da herança adquirem-se pela aceitação.

  9. Atendendo ao que agora se deixa dito, é claramente possível verificar que com o repúdio da herança por parte do Recorrente marido não se operou qualquer saída de bens do seu património, sendo que tal só se verificaria caso o mesmo tivesse aceitado a herança à qual foi chamado, o que não aconteceu! g) O nosso sistema legal assenta na necessidade, decorrente da liberdade para o efeito concedida, de o sucessível aceitar a herança à qual é chamado.

  10. Só se assim não fosse é que se poderia concluir que, logo após o falecimento do autor da herança, os bens e direitos que a integram ingressam directamente no património dos sucessíveis.

  11. Só face a tal circunstância, e porque se compreende que poderá existir um interesse atendível, legítimo e justificado dos credores do sucessível em aproveitar uma oportunidade de onde possa resultar um aumento do património daquele, prevê a lei um meio especialmente desenhado para que os mesmos possam, substituindo-se ao devedor/herdeiro e depois deste ter repudiado a herança, a aceitarem - Referimo-nos ao mecanismo legal previsto no art.º 2067.º do C. Civil, nos termos do qual os credores do repudiante podem aceitar a herança em nome dele.

  12. Esta é, igualmente, a posição da doutrina relativamente a esta questão, veja-se, nomeadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume VI, 1.ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 114: “Ora, dando como certo que só com a aceitação da herança o sucessível chamado adquire o domínio e posse dos bens que a integram (art.º 2050.º), é também evidente que não é a acção pauliana, mas sim a sub-rogação do credor ao devedor (com a fisionomia estrutural própria que lhe confere o art.º 606.º), a arma caçadeira capaz de, através da aceitação da herança facultada aos credores do repudiante, trazer ao património deste, mas no principal interesse do atirador (que é o credor que prime o gatilho da sub-rogação), a herança ou fracção hereditária a que ele teria direito, se a aceitasse.” k) Portanto, com o repúdio da herança por parte do Recorrente marido não ocorreu nenhuma diminuição do seu património, precisamente porque o mesmo nunca chegou sequer a aumentar! l) Se o património do...

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