Acórdão nº 6954/19.6T8GMR-C.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução06 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO A Sociedade “X – Estamparia Têxtil, Unipessoal, Ldª” apresentou-se à insolvência em 09/12/2019, no Juízo de Comércio de Guimarães, Comarca de Braga, tendo sido proferida em 11/12/2019 a sentença que a declarou nesse estado.

Determinada a abertura do incidente de qualificação, pronunciou-se o administrador, no parecer previsto no art. 188º, nº 3, do CIRE, por dever a insolvência ser qualificada como culposa (art. 186º, nº 2, a) e d) e nº 3, a) do CIRE) e pela afectação do gerente P. F.

, para os efeitos do nº 2 do art 189º do CIRE.

O Ministério Público emitiu pronúncia concordando com o parecer do Sr. administrador respectivo: qualificação da insolvência como culposa (artigo 186º, nº 2, a) e d) e nº 3, a) do CIRE).

Pela pena de mandatário que constituiu, apresentou-se o gerente P. F.

(tendo-lhe a carta de citação sido entregue em 13/07/2020) a deduzir oposição (em 30 de Julho de 2020), arguindo a nulidade da citação, a inconstitucionalidade material do art. 9º do CIRE (quando interpretado no sentido de que o incidente de qualificação continua a ter natureza urgente mesmo quando a sua pendência nenhuma influência tem no andamento e até encerramento do processo principal e demais apensos), a inconstitucionalidade da responsabilidade estabelecida no art. 189º do CIRE (incluindo a previsão da alínea e) do nº 2 do preceito, ao prever a condenação automática do administrador, afectado pela qualificação da insolvência, no montante dos créditos não satisfeitos, por manifestamente atentatória dos princípios da proibição do excesso desdobrado nos subprincípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade em sentido restrito – artigos 2º e 18º da CRP) e impugnando a factualidade trazida aos autos no parecer do administrador, concluindo pela qualificação da insolvência como fortuita.

Prosseguindo os autos os seus termos e realizado julgamento foi proferida sentença que (julgando improcedente a arguida nulidade da citação e a invocada inconstitucionalidade do art. 9º, nº 1 do CIRE, ao atribuir carácter urgente ao incidente de qualificação da insolvência), considerando preenchidas as previsões normativas das alíneas a), d) e h) do nº 2 e a) do nº 3 do art. 186º do CIRE: a) qualificou como culposa a insolvência, b) declarou afectado pela qualificação o gerente P. F., c) declarou o afectado inibido, pelo período de três anos, para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, d) determinou a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por P. F., e) condenou o afectado a indemnizar os credores da insolvente até às forças do respectivo património.

Inconformado com a decisão, apela o gerente P. F., pugnando pela sua revogação e pela qualificação da sua insolvência como fortuita, terminando as suas alegações com as conclusões que se transcrevem: 1. Não consta na carta de citação qualquer informação ao cidadão aqui recorrente das consequências que para si poderiam advir caso não exercesse o seu direito de oposição.

  1. Também não é prestada informação sobre se o processo é ou não de constituição obrigatória de advogado.

  2. Nem o Recorrente é avisado na carta de citação que deste processo (incidente) podem resultar importantes limitações aos seus direitos civis e a sua responsabilização pessoal por dívidas da insolvente.

  3. A citação do Recorrente para se opor à classificação da insolvência como culposa é nula nos termos do art. 191º e 227º do CPC pela não observância das formalidades prescritas na lei.

  4. A falta das menções referidas nas conclusões anteriores efetivamente prejudicou a defesa do citando que não lhe atribuiu tamanha importância como a que merecia.

  5. Também se diga que o grau de atenção e preocupação dispensadas pelo citando são claramente diferentes quando da nota de citação se alcançam as graves consequências possíveis da insolvência qualificada como culposa.

  6. Deste modo, o art. 191º nº4 do CPC quando interpretado no segmento refletido na sentença recorrida é materialmente inconstitucional por violação dos art. 2º e 20º da C.R.P..

  7. Da carta de citação que o requerido recebeu resulta a informação de que “o prazo é contínuo, não se suspendendo durante as férias judicias (n.º 1 do art.º 9 do CIRE); 9. O incidente da qualificação não deve assumir caráter urgente quando a sua tramitação não tem qualquer consequência prejudicial no andamento do processo principal, restantes apensos e incidentes.

  8. O que não se compreende é a interpretação feita pelo Tribunal a quo da norma constante do nº 1 do art. 9º do CIRE no sentido de o incidente de qualificação continuar a ter natureza urgente mesmo quando a sua pendência nenhuma influência tem no andamento e até encerramento do processo principal e demais apensos; 11. Esta interpretação coloca em causa o princípio da proporcionalidade nos termos do nº 2 do art. 18º da C.R.P e restringe de forma relevante o exercício efetivo do contraditório, o acesso ao direito, a uma tutela efetiva e a um processo equitativo consagrado no art.º. 2.°, no nº 1 e no nº 4 do art. 20. ° da Constituição, pelo que o citado art. 9º nº1 do CIRE, com esta interpretação é materialmente inconstitucional.

  9. Escutando os supra transcritos depoimentos prestados em audiência de julgamento quer pelo recorrente, quer por todas as testemunhas aqui referenciadas, deve ser retirada ou eliminada do elenco da matéria de facto declarada “Não Provada”: “que do negócio referido em j) tenha sido pago o respetivo valor” e “que o gerente da insolvente não tivesse a gestão de facto da sociedade”, as quais, e no que ao recorrente diz respeito, deverão transitar para o elenco da matéria de facto declarada “Provada”; 13. Padecendo a douta decisão aqui impugnada, pelos fundamentos supra invocados, do vício de erro de julgamento, na medida em que a decisão do Tribunal relativamente à matéria de facto impugnada vai contra o que é razoável extrair dos depoimentos supra citados; 14. Tal vício de erro de julgamento que afetou a fundamentação e sobretudo o conteúdo da decisão relativa à matéria de facto impugnada, deve ter em consequência que este tribunal “ad quem” em obediência ao disposto nos art. 607º nº4 e 662º nº1 do CPC, altere a mesma segundo o que e a quanto a cada uma, foi especificamente proposto reclamado pelo recorrente.

  10. É manifesto que o recorrente, não só invocou e demonstrou que não era gerente de facto, como também invocou e demonstrou que era simplesmente um trabalhador da Insolvente, como os demais, e que quem comandava os destinos da mesma era o seu pai, M. F..

  11. Todos os factos em que se suporta a decisão recorrida para qualificar a insolvência como culposa ocorreram em momento anterior ao prazo de 3 anos a que se refere a última parte do art. 186º n.º1 do CIRE e por isso, não podem ser judicialmente sindicáveis.

  12. Da discussão da causa não foram apurados factos que integrem os conceitos previstos nas ditas alíneas a), d) e h) do n.º 2 do art.º 186º do CIRE.

  13. A factualidade assente da decisão recorrida é irrelevante e insuficiente para extrair a conclusão de os administradores terem destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património da devedora nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 186.º do CIRE.

  14. Da factualidade provada não se pode extrair, sem mais, que os actos de disposição tenham sido realizados, conforme exige a al. d) do nº 2 do art. 186º do CIRE, em proveito pessoal do Administrador/Recorrente ou de terceiros.

  15. A conduta do administrador, em destinar o produto da venda do veículo automóvel para o pagamento de dívidas da Insolvente não se traduziu numa conduta desfavorável para a empresa insolvente, já que, como é bom de ver, com o acto de liquidação de quantias em dívida, esta viu o seu passivo diminuído na correspondente medida.

  16. As irregularidades mencionadas na sentença recorrida (“a contabilidade não existe quanto ao ano de 2019 e nos outros anos apresenta manifestas desconformidades”) não são suscetíveis de dificultarem, de forma relevante a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor.

  17. Não existe um nexo de causalidade entre a obrigação de manter contabilidade organizada no ano de 2019, quando a Insolvente já não apresenta atividade desde 2017, e a qualificação da insolvência como culposa. Tais factos não foram assumidos dolosamente ou com culpa grave por parte do administrador da Insolvente.

  18. Por falta de factualidade provada idónea a esse desiderato – v.g., o de ter sido feita a prova do nexo de causalidade, em face do facto provado sob m) -, não é possível dar como preenchida a previsão da alínea a) do nº 3 do artigo 186º do CIRE.

  19. Até porque nem o Instituto da Segurança Social, I.P., nem a Autoridade Tributária e Aduaneira requereram a declaração de insolvência da empresa insolvente, quando o podiam ter feito para defesa do seu crédito.

  20. Assim, a perda do privilégio creditório pela Autoridade Tributária e Segurança Social encontra nexo de causalidade com o não exercício por estes credores do direito de requerer a insolvência da devedora.

  21. Não sendo o recorrente o efetivo gerente da insolvente, e desconhecendo a situação de insolvência da Sociedade Requerida não permite a formulação de um juízo de censura compatível com a afirmação de uma culpa grave ou dolosa, quadro fáctico que não se coaduna com uma medida concreta de inibição de três anos.

  22. A sentença recorrida não indica (e devia indicar) todos os critérios a utilizar para a quantificação do valor da indemnização referida na al. e) do n.º 2 do art.º 189º do CIRE, designadamente no que concerne à aferição das forças do património do requerido, o que determina a sua nulidade por falta de fundamentação (art. 668º n.º 1, al. b) do CPC).

  23. O art.º 189º, n.º 2, al. e)...

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