Acórdão nº 273/19.5T8VVD.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelEVA ALMEIDA
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I – RELATÓRIO J. M. instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra J. B., pedindo a condenação do réu a reconhecer o seu direito de propriedade sobre o veículo automóvel de marca Citroen, modelo Berlingo, com a matrícula SP (à data dos factos mencionados nos artigos 17.º a 30.º da P.I.) e, bem assim, no pagamento da quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais, e de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescidas de juros de mora, desde a citação e até integral pagamento. Subsidiariamente, pede a condenação do réu a restituir-lhe a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), com fundamento no enriquecimento sem causa, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação e até integral pagamento.

Para o efeito alegou, em síntese: Adquiriu o veículo automóvel supra identificado, pelo preço de 10.500,00 (dez mil, quinhentos euros), satisfeito mediante o recurso a crédito bancário.

Por volta do ano de 2005, na sequência de um acidente de viação que o danificou na parte frontal, o veículo foi transportado para a oficina automóvel “Auto R. - Reparações”, tendo aí permanecido durante o tempo em que decorreu o apuramento do responsável pela reparação.

Posteriormente, como ainda não tivera condições económicas para suportar o preço da reparação, tendo tido conhecimento que o réu era proprietário da oficina “Reparadora S.” que praticava preços inferiores e deixaria aparcar lá o veículo até ter condições de pagar a reparação, deu-lhe conta de toda a situação, tendo-se este disponibilizado para efectuar a reparação, pelo montante orçamentado de €1.100,00 (mil e cem euros), e concordado em deixar o veículo aparcado na oficina até reunir condições de efectuar o pagamento.

Sucede que, no dia 29 de Setembro de 2013, quando se deslocou à oficina para dar ordem de reparação, foi informado pelo réu que já havia vendido o veículo a uma sucata, que não identificou, tão pouco quantificando o valor da venda.

Conclui, que, com o sobredito comportamento, o réu se apoderou e desfez de um bem que não lhe pertencia, sem autorização ou sequer conhecimento do dono, causando-lhe danos patrimoniais que correspondem ao valor do veículo, calculado em € 5.000,00, além de danos não patrimoniais, traduzidos no transtorno, revolta e depressão sentidos, para cuja compensação pede a quantia mínima de € 1.500,00.

Caso assim se não entenda, conclui que, de todo o modo, se operou um enriquecimento sem causa por parte do réu, referente ao valor do veículo automóvel de que se apropriou ilicitamente, no montante de €5.000,00, que deve ser condenado a restituir.

*O réu contestou, defendendo-se por excepção e por impugnação, e deduziu reconvenção.

Por via de excepção, invocou o caso julgado formado pela sentença proferida no processo-crime n.º 854/13.0GBVVD, que absolveu o aqui réu do mesmo pedido de indemnização civil.

Relativamente ao pedido de restituição com fundamento no enriquecimento sem causa, invocou a prescrição.

Impugna ainda o direito de propriedade do autor sobre o veículo automóvel em questão, concluindo pela sua ilegitimidade para a demanda.

No tocante ao mérito da causa, além de impugnar a versão dos factos trazida aos autos pelo autor, dá a sua própria versão, alegando que foi contactado pelo autor, se não antes, em 2007, para proceder à reparação do dito veículo, o que aceitou, fazendo-o rebocar para a sua oficina e procedendo à reparação da porta do lado direito, guarda-lamas, pára-brisas, pára-choques, capôt, ópticas, grelha, radiador, bomba de direcção assistida, reservatório da água, tudo no montante de €1.200. O autor não mais apareceu na oficina, nem o contactou. Por isso procurou contactá-lo antes de proceder a mais serviços, o que aconteceu no ano de 2012, altura em que o autor referiu que iria resolver a situação, e no ano de 2013, altura em que, interpelado para pagar, o autor lhe disse que fizesse o que quisesse do veículo, que não queria saber mais dele, que com as peças se pagasse do seu prejuízo, o que fez, convencido que o veículo lhe tinha sido entregue para compensação do seu crédito, relativo à reparação e ao parqueamento da viatura durante cerca de seis anos, e que é superior ao valor peticionado.

Conclui, face ao exposto, que não praticou qualquer acto de apropriação ilícita, nem beneficiou de qualquer enriquecimento, já que granjeou com a venda das peças na sucata valor próximo dos € 40,00 (quarenta euros), que nem chega para suportar o custo do reboque que não foi pago.

Reconvindo, pede que o autor seja condenado a pagar-lhe o valor de €12.110, correspondente ao preço das peças e do trabalho de reparação do veículo, no montante de €1.200.00, acrescido das despesas de parqueamento no montante de €10.950,00, calculado à razão diária de €5,00 ao longo de 2190 dias, totalizando €12.150.00, que, descontado o valor que logrou com a venda (€40.00), perfaz o montante que peticiona.

Pede, ainda, a condenação do autor como litigante de má fé, por deduzir pretensão cuja falta de fundamento conhece.

*O réu replicou à matéria de reconvenção, impugnando-a, e sustentando que não chegou a dar ordem de reparação do veículo, inexistindo qualquer acordo para proceder à reparação que serve de fundamento ao pedido de pagamento dos serviços de mecânica, que, de todo o modo, não aceita terem sido prestados, pelo dito orçamento. Assim como inexiste fundamento para peticionar custos de parqueamento, que nunca lhe foram comunicados, nem acordados e, de todo o modo, apresentam um valor excessivo e desproporcionado. Tão pouco sobrevieram prejuízos decorrentes da ocupação de espaço pelo veículo.

De todo o modo, sustenta que qualquer direito de indemnização teria já prescrito, nos termos do disposto pelo artigo 498.º do Código Civil, pelo decurso do prazo de três anos, conduzindo à sua absolvição do pedido.

Cautelarmente, defende ainda, que, mesmo que se entendesse ter sido celebrado um contrato de parqueamento entre as partes, as prestações daí decorrentes, periodicamente renováveis, prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º alínea g) do Código Civil, pelo que, considerando a data da venda do veículo pelo réu (29 Setembro de 2013), há muito que se, extinguiu, por prescrição, que invoca, o alegado direito do reconvinte, devendo o reconvindo ser absolvido do pedido.

*Na sequência de convite que lhe foi dirigido, o autor respondeu à matéria de excepção dilatória suscitada pelo réu, refutando a verificação de ilegitimidade e de caso julgado, uma vez que é o presumido proprietário do veículo, que lhe confere legitimidade para demandar, e que os pedidos formulados nestes autos e naqueloutros de processo-crime não são coincidentes, pelo que não se verifica a repetição da causa.

Em face de idêntico convite, também o réu respondeu à matéria de excepção peremptória suscitada em sede de réplica, sustentando que ao caso dos autos se aplica o prazo de prescrição ordinário previsto no artigo 309.º do Código Civil.

*Dispensou-se a realização da audiência prévia.

Proferiu-se despacho saneador, julgando-se improcedente a suscitada excepção de ilegitimidade, por se entender que o alegado corresponde a uma ilegitimidade substantiva e não à ilegitimidade adjectiva, de que nesta sede se cura.

Seguidamente, apreciou-se a invocada excepção de caso julgado, que se julgou verificada, absolvendo-se o réu da instância.

*Inconformado com o assim decidido, o autor interpôs recurso para este Tribunal da Relação, que, por acórdão de 7-5-2020, revogou a decisão recorrida, julgando improcedente a excepção do caso julgado, considerando que a presente acção assenta em distintas causas de pedir (responsabilidade contratual e enriquecimento sem causa por oposição à responsabilidade civil extracontratual em que assentava o anterior pedido).

*Devolvidos os autos à 1ª instância, o processo seguiu os seus termos, fixando-se à causa o valor de €18.600,00.

Identificou-se o objecto do processo e enunciaram-se os temas da prova.

Realizou-se audiência de discussão e julgamento e proferiu-se sentença em que se decidiu: «Nestes termos, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada e, bem assim, pela violação do direito de propriedade do autor, condena-se o réu, J. B., ao pagamento de indemnização a J. M., por danos patrimoniais, correspondentes ao montante, que vier a liquidar-se, do valor do veículo SP, no estado em que se encontrava quando o recebeu, acrescida dos juros contados desde a citação, à taxa legal de 4%, até integral pagamento, e por danos não patrimoniais, fixados em €1.500,00 (mil, quinhentos euros), acrescidos dos juros, calculados à taxa legal, contados desde o presente até integral pagamento, ficando prejudicada a apreciação da questão do enriquecimento sem causa.

Absolve-se o autor dos pedidos contra si formulados nos autos, ficando prejudicada a apreciação da questão da prescrição do direito.

Custas por autores e réus, na proporção do decaimento (cfr. artigo 527.º do CPC), que se fixa em 1/3 e 2/3.»*Inconformado, o réu interpôs o presente recurso, que instruiu com as pertinentes alegações, em que formula as seguintes conclusões: «1ª. O recorrente não se conforma com a decisão proferida.

2ª. Não deveria ter ficado provado o Facto Provado 2 como o ficou 3ª. Deveria ter ficado provado o Fato provado 2 com a seguinte redação: Pelo ano de 2004, o sobredito veículo foi interveniente num acidente de viação, tendo sofrido estragos na parte frontal e lateral, na porta do lado direito, guarda-lamas, pára-brisas, pára- choques, capô, óticas, grelha, radiador, bomba de direção assistida, reservatória da água, pisca direito 4ª. Merecia prova o Fato não provado I 5ª. O fato provado 5 merecia a seguinte redação: Ficou combinado, entre autor e réu, que este iria proceder ao transporte do veículo da oficina “Auto R. – Reparações” para a oficina “Reparadora S.”, o que sucedeu, tendo o...

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