Acórdão nº 1505/17.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Maio de 2021
Magistrado Responsável | JOAQUIM BOAVIDA |
Data da Resolução | 13 de Maio de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1. X – Sistemas Integrados, SA, intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra a Companhia de Seguros Y Portugal, SA, pedindo a condenação da Ré a pagar à Autora: a) a quantia de € 121.498,85, respeitante ao custo de reparação do edifício segurado; b) a quantia de € 322.821,05 relativa ao valor da mercadoria armazenada no pavilhão sinistrado e perdida no incêndio aí deflagrado (sendo € 30.667,10 relativo a bens da sociedade W); c) a quantia de € 1.500,00 por cada mês decorrido entre a data do sinistro e a data em que a Ré pagar integralmente à Autora a indemnização que lhe é devida, quantia essa que na data da propositura da acção foi liquidada em € 27.000,00; d) os juros vencidos e vincendos, sobre as mencionadas quantias, contados desde a data do incêndio até efectivo e integral pagamento. Mais peticionou a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, atenta a afectação da sua imagem perante o público em geral.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou ter celebrado com a Ré um contrato de seguro que abrangia o risco de incêndio nas instalações do pavilhão que identifica, e que esta, verificado o risco, recusou assumir a responsabilidade pelo pagamento da indemnização atinente aos danos quantificados nos termos peticionados.
Mais alegou que a recusa da Ré a forçou a procurar um novo espaço, que arrendou, sendo que, por um lado, está a suportar o encargo mensal da renda, por outro, está a sentir o impacto da degradação da sua imagem, pela permanência do edifício destruído, o que também consubstancia um dano.
*A Ré contestou, aceitando a existência e validade do seguro, mas impugnando a acidentalidade do incêndio, que considera ter sido provocado, e a dimensão dos invocados danos e a respectiva cobertura.
Alegou ainda que o contrato seguro não inclui o terreno, os custos de preparação do mesmo e os bens pertencentes a terceiros que estavam ao cuidado e controle do tomador e/ou segurado, excepto quando devidamente descritos e valorizados nas condições particulares; que o prédio em causa está constituído em propriedade horizontal, pelo que não responde por mais de 33% do valor dos danos, pois parte da área afectada constitui zona comum; que o local do risco e onde ocorreu o sinistro relatado na p.i. é propriedade da Autora mas é também a sede social de outras duas sociedades, a saber, a K - Importação e Distribuição de Instrumentos Musicais, Lda., e a X SGPS, SA, sendo que 2/3 dos bens danificados na sequência do incêndio eram propriedade destas duas empresas; que não suporta gastos com a privação temporária de uso do local seguro, muito menos a que exceda 12 meses, sendo ainda que o montante máximo de indemnização ao abrigo desta cobertura é de € 25.000,00; que no local não foi observada mercadoria/existências que justificassem as quantidades constantes do inventário; que um averiguador apenas identificou/confirmou a existência de mercadoria no valor de € 36.363,75 e que, em todo o caso, mesmo admitindo que existissem cerca de € 50.000,00 de mercadoria, sempre a sua valorização máxima não ultrapassaria o valor de € 24.590,12.
*A Autora reduziu o pedido, na parte respeitante ao equipamento pertencente à empresa W – Instrumentos Musicais, Lda., no montante de € 30.667,10, o que foi homologado (v. fls. 162 verso).
*1.2.
Proferido despacho-saneador, definiu-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Realizada a audiência final, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, condenando a pagar à Autora «a quantia de € 265.180,85 [duzentos e sessenta e cinco mil, cento e oitenta euros e oitenta e cinco cêntimos (€ 12.194,43 + € 85.356,32 + € 23.948,10 + € 143.682,00)], acrescida de juros à taxa civil, contados desde 02.06.2015 até integral pagamento».
*1.3.
Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1. A reapreciação da matéria de facto constante do Facto 26, no sentido de ser dada como não provada e que se pretende alcançar por via do presente recurso, fundamenta-se na insuficiência da prova produzida nos autos para formar convicção positiva sobre o valor de 143.682,00€, nomeadamente, a prova documental e testemunhal apresentada pela Recorrida, bem como as conclusões UNÂNIMES e esclarecimentos do Colégio de Peritos, que teve por objecto a quantificação dos danos a título de existências/mercadorias peticionados pela Recorrida, no valor de 322.821,05€.
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Face à insuficiência da restante prova produzida nos autos sobre o valor das existências consumidas pelo incêndio, o Tribunal recorrido, para fundamentar a sua necessidade de dar como provado um valor para aquele dano, decidiu então percorrer as conclusões da peritagem do sinistro efectuada a pedido da Recorrente, pela empresa P. na fase extrajudicial, dela extraindo APENAS a parte que interessou para chegar a um valor o mais próximo possível do peticionado, assim se colmatando a manifesta ausência de prova para sustentar o valor peticionado nesta sede pela Autora/Recorrida.
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O próprio Tribunal recorrido reconhece na fundamentação da sentença que eram fundadas as queixas dos Peritos da Ré, sobre o facto de não terem sido fornecidos “pela autora, aos peritos da ré, os documentos necessários à quantificação das existências”, além de que as conclusões vertidas no seu relatório, sobre os cenários relativos a valores prováveis para o dano das existências/mercadorias, foram sustentados em documentação contabilística, que o Colégio de Peritos nomeado nos autos considerou insuficiente e pouco credível - pág. 25 e 26 da sentença recorrida.
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Temos assim dois relatórios, que tiveram por objecto a quantificação dos prejuízos decorrentes da destruição das mercadorias/existências consumidas pelo incêndio, a partir de documentação contabilística fornecida pela Autora/Recorrida: a) RELATÓRIO DE AVERIGUAÇÃO, REALIZADO PELA EMPRESA P., a mando da aqui Ré, concluído já depois de Setembro de 2015 (Fls. 119 e sg.s); b) RELATÓRIO DA PERICIA COLEGIAL CONTABILISTICA (COMPLEMENTARES E FINAL): FLS. 257 e sg.s; FLS. 335 e sg.s e FLS 484 e sg.s; 5. Quanto ao relatório da P., tal como é pratica da actividade seguradora, em particular em sinistros desta grandeza, teve por objecto a averiguação das circunstâncias e causas do sinistro, de forma a apurar-se sobre a sua inclusão na cobertura do contrato de seguro – pela verificação de um sinistro/incêndio em que se objectivasse o risco transferido para a seguradora – e, cumulativamente, a avaliação dos danos passiveis de indemnização, em consequência do sinistro participado.
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Do teor deste relatório resulta que o valor de 143.682,00€, a que o Tribunal recorrido considerou para dar como provado o Facto 26, resultou de um estudo económico que, no respeita à valorização das existências consumidas pelo incêndio, equacionou vários cenários prováveis a partir de documentação contabilística, que o insuspeito Colégio de Peritos, nomeado no âmbito desta acção, concluiu ser manifestamente insuficiente e pouco credível para apurar o valor deste mesmo dano.
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Os Peritos da P. sublinham em vários momentos que, atenta a insuficiência da documentação fornecida pela Autora/Recorrida, as conclusões do estudo económico realizado, para apurarem uma estimativa sobre o valor da mercadorias consumidas pelo fogo, seriam sempre muito limitadas, devido ao facto de não lhes terem sido facultadas, entre outras, as facturas de aquisição da mercadoria existente em stock, o que condicionava a análise efectuada, na medida em que não lhes permitiram aferir se o valor contabilístico dos stocks, que a A./Recorrida fez constar das IES´s, seria, ou não, coerente com essas mesmas facturas de aquisição: tal como o Colégio de Peritos anos mais tarde concluiu, na pendencia destes autos! 8.
Face à insuficiência da documentação contabilística fornecida aos Peritos da P.
, (nomeadamente o inventário permanente, que o Representante Legal da Autora só admitiu a sua existência em sede das suas declarações prestadas em julgamento, sendo como tal notificado para juntar tais elementos, uma vez que o próprio Tribunal entendeu que se tratava de documentação fundamental para o apuramento da verdade dos factos e que nunca antes tinham sido fornecidos, para a valorização das mercadorias em sede das peritagens realizadas na fase extrajudicial – pág. 25 sentença), foram várias as estimativas de valores apresentados/trabalhados pelos Peritos no seu relatório, para assim tentarem chegar aos vários cenários possíveis ou prováveis sobre o valor das mercadorias existentes no local seguro à data do incêndio.
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Aliás, é o próprio Tribunal recorrido que fundamenta a sua convicção sobre o facto 26, numa forte probabilidade, ao referir que “creio que é razoável afirmar que há muita probabilidade de as existências destruídas serem de valor não inferior a € 143.682,00 “ – pág.27 da sentença, nosso sublinhado – assim aderindo a um dos vários cenários prováveis que constam do relatório da P.: a) Desde o mínimo de €: 24.590,12 - admitindo que no local existissem cerca de 50.000,00E de mercadorias valorizada conforme inventário, incluindo a mercadoria consumida pelo incêndio, afectando tal mercadoria pela percentagem de 48,84%, teríamos o valor de 24.590,12. Apesar de solicitado o Tomador não apresentou facturas comprovativas de mercadorias que declarou terem sido adquiridas recentemente. – Fls. 142, pág. 24 do relatório; b) ao valor de €: 36. 363,75, que é dado como provado no Facto 27, a que o Perito Sr. Eng. F. B. (da N., primeira empresa de averiguações que a aqui Ré/recorrente incumbiu da averiguação), chegou no local pela inventariação física dos escombros - Fls. 142, pág. 24 do relatório; c) e, finalmente, ao valor máximo dos máximos, de €: 143. 682,00, que resultou de um “estudo económico” realizado pela empresa P., anexo ao referido relatório, fls. 26 a 34 do doc. 2 junto com a...
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