Acórdão nº 711/20.4T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução13 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório M. P.

, solteiro, residente na Rua ...

, nº ..

, freguesia de … Ribeira de Pena, veio, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 22º e 27º, nº 5, da CRP, 225º, do CPP e 483º, do CC, instaurar a presente acção de processo comum, contra O ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público junto deste Tribunal, formulando a seguinte pretensão: A condenação do Estado Português no seguinte: a) Indemnização, por danos não patrimoniais, de € 140.000,00 a favor do A., acrescida de juros de mora à taxa legal a partir da citação; b) Indemnização em renda a favor do A., destinada a suportar o tratamento psiquiátrico e psicológico de que carece e cujo âmbito e duração ainda não é possível determinar, por falta da competente averiguação clínica.

Para fundamentar a sua pretensão, o autor alegou, no essencial: -que foi sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, no âmbito do processo que identifica, prisão preventiva que foi mantida através de vários despachos, acabando por ser absolvido na decisão final; -que os despachos de manutenção da prisão preventiva não tiveram em conta, nomeadamente, a prova pericial, entretanto, junta aos autos, a qual não foi sequer referida por quem decidiu, o que consubstancia erro grosseiro; -que o Ministério Público deduziu acusação contra o ora autor e que a juíza de instrução manteve a prisão preventiva determinada, a qual também foi mantida pelo juiz titular do processo, até à decisão de absolvição; -que o autor sofreu intensamente com a situação de prisão preventiva a que foi sujeito, sentindo grande revolta, e que após a libertação viu as disfunções e fragilidades psicológicas de que já padecia, agravadas, carecendo de apoio psicológico e psiquiátrico.

Regularmente citado, o réu Estado Português apresentou contestação, defendendo-se quer por excepção, quer por impugnação.

Concluiu nos seguintes termos: a) julgar procedentes as excepções peremptórias de ilegitimidade do exercício do direito decorrente do abuso de direito e da cessação do dever de indemnizar, devendo o Réu, Estado Português, ser absolvido do pedido formulado de condenação na quantia de € 170.000,01 (cento e setenta mil euros e um cêntimo), nos termos dos artigos 334º, do C.C., 225º, nº 2 do C.P.P. e 576º, nºs 1 e 3 e 579º do C.P.C.; b) caso não procedam as anteriores excepções peremptórias, julgar não provados os factos alegados pelo A. e, em consequência, absolver o Réu, Estado Português, do pedido de condenação na quantia de 170.000,01 (cento e setenta mil euros e um cêntimo); c) julgar provados os factos relativos à litigância de má fé, devendo o A. ser condenado a pagar ao Estado a quantia de, pelo menos, € 3.000,00 (três mil euros), nos termos do art.º 542.º, nºs 1 e 2, al. b) do C.P.C..

Chegados os autos à fase de saneamento e condensação, o Tribunal considerou que estava em condições de conhecer logo do mérito da acção, pelo que proferiu sentença, julgando a acção totalmente improcedente, e, consequentemente, absolvendo o Estado Português dos pedidos contra si formulados.

Julgou também improcedente o pedido de condenação do autor como litigante de má fé.

Inconformado com esta decisão, o autor dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, a subir imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo (arts. 644º,1,a, 645º,1,a e 647º,1, todos do CPC. Termina a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1.

O A. não se conforma com a decisão ínsita na Sentença recorrida, a qual julgou a acção totalmente improcedente.

  1. O A., ora Recorrente, foi preso preventivamente, no âmbito do Proc. nº 361/18.5JAVRL, que correu termos no Juízo Central Criminal de Vila Real, 2º Juízo, como presumível autor da prática dos crimes de Homicídio Qualificado e Profanação de Cadáver sobre a sua própria mãe.

  2. O Recorrente esteve preso por causa do supracitado processo, ininterruptamente por 406 dias.

  3. Em 19/11/2019, o Recorrente foi absolvido da prática do crime de homicídio qualificado e profanação de cadáver.

  4. A decisão de aplicação de medida de coacção e todos os actos que se lhe seguiram para justificar a manutenção do Recorrente em reclusão por 406 dias assentam num grosseiro erro judicial.

  5. O erro grosseiro subsistiu na medida em que nunca existiu prova de que o Recorrente tivesse estado com a mãe nos termos descritos nos relatórios preliminares e na Acusação.

  6. Pelo contrário, a prova demonstrava, clara e inequivocamente, que o Recorrente no dia dos factos criminosos estava noutro lugar.

  7. Assim, apontando todos os indícios em sentido contrário, mesmo assim o Recorrente foi mantido em prisão preventiva, consubstanciada numa eventual confissão que os Inspectores da Polícia Judiciária afirmam ter feito.

  8. A qual nem sequer respeitou os procedimentos legais, tendo sido considerada, à luz das conversas informais, meio de prova proibido.

  9. A este propósito, o Acórdão absolutório consignou que “Todas as “conversas informais” (porque não exaradas em “auto de inquirição” ou “auto de interrogatório de arguido”) que o M. P. teve com os militares da GNR no dia 6 de Outubro de 2018, que os militares ao longo dos seus depoimentos mencionam, nomeadamente para explicar procedimentos de investigação, não podem ser valorados pelo tribunal.” 11.

    Os elementos constantes dos Autos, nunca poderiam levar a que os Juízes que compuseram o Tribunal Colectivo concluíssem de outra forma, senão pela absolvição do Recorrente.

  10. E para a absolvição do Recorrente nem sequer foi necessário recorrer ao princípio do “in dubio pro reo”.

  11. Conforme consta da Certidão Judicial junta aos Autos com a Petição Inicial, o julgamento demonstrou que “esta prova documental é temerária, não dá qualquer segurança sobre o que ali consta e acaba até por inquinar a versão da investigação por entrar em contradição com posterior prova produzida e já analisada (recolha de vestígios, resultados das perícias do LPC e relatório da autópsia).” 14.

    Mais se demonstrou objectivamente e sem qualquer margem para dúvidas que a alegada reconstituição levada a cabo pelo A. perante a Polícia Judiciária, não passara da tomada de declarações do A. transpostas para um auto, em discurso indirecto resumido, acompanhadas de registo fotográfico do mesmo A. num outro local completamente diverso daquele onde alegadamente teriam ocorrido os factos, não podendo ser valorada em sede de julgamento; acresce que tais declarações haviam sido logo desmentidas pelo A., que as justificou pelo medo com que estava da situação em que se encontrava.

  12. Nesse Acórdão, o T. Colectivo sublinhou as contradições, incoerências e insubsistências do depoimento de L. T. e, quanto ao alegado “auto de diligência” efectuado pela Polícia Judiciária, considerou que as declarações nele incluídas não podiam valer como meio de prova, não podendo tal auto ser valorado, porque ele se resume no registo de declarações do Arguido transpostas em discurso indirecto resumido, acompanhadas de um registo fotográfico no local onde teriam ocorrido os factos.

  13. E assim concluiu o Tribunal que o arguido foi preso preventivamente com base em conversas informais entre o arguido e os inspectores da Polícia Judiciária, rematando que «Assim, as chamadas “conversas informais” dos arguidos com os agentes policiais, antes de serem constituídos arguidos, não podem ser valorizadas em sede probatória.» De outra forma estaríamos a subverter o espírito da lei constitucional e mesmo a agir em fraude à lei ordinária se, porventura, sobrestássemos na constituição de arguido, com o mero fito de, desse modo, o arredar do benefício daquelas garantias e, dessa forma, obter provas incriminatórias contra ele.» 17.

    Consignou o Colectivo no seu Acórdão também que “O arguido esteve desacompanhado de qualquer pessoa de família e ou da sua confiança pessoal; durante a diligência estava acompanhado do patrão L. T., pessoa da sua confiança, mas naquele momento a “colaborar” (palavras da testemunha) com a Polícia Judiciária; o arguido estava desacompanhado de advogado e consciente da gravidade da sua situação (como em regra está quem é suspeito da morte de outrem e mais ainda da própria mãe).

    O arguido estava mal física e psicologicamente. Fácil é concluir que o arguido não tinha uma vontade livre e espontânea de dizer, ou fazer o que quer que fosse (...) (...) E tanto assim é, que logo que presente ao Juiz de Instrução para primeiro interrogatório judicial de arguido detido, o arguido rodeado do formalismo legal, nomeadamente, acompanhado por Defensor, não quis prestar declarações(...) (...) Não se compreende, porque os autos não espelham, em que situação ficou o arguido desde o dia 6 (sábado), entre as 19.20 horas/19.50 horas (fls. 50 a 54), momento em que foi formalmente constituído arguido até ao dia 7 de Outubro de 2018, pelas 21.15 horas, momento em que foi formalmente detido (fls. 245) (...) (...) A detenção e apresentação imediata à autoridade judiciária (Ministério Público e Juiz) competente teria permitido recolher de forma válida as declarações confessórias do arguido, com observância das legais formalidades, nomeadamente informação do direito ao silêncio, para mais tarde poderem ser usadas (artigos 61.º, 141.º, al. b) e 357.º, n.º 1, do CPP). O arguido só veio a ser presente ao Juiz de Instrução no dia 9/10 (terça-feira), sem que se almeje a impossibilidade de o arguido ter sido antes presente a magistrado do M.P., nomeadamente quando após a sua inquirição e constituição de arguido, não sendo as razões de urgência de localização do corpo da A. L., ainda com vida, como as referidas pela testemunha R. S., suficientes para justificar tal. Querendo, como se diz, o arguido colaborar espontaneamente nas diligências de localização do corpo da mãe (infrutíferas) e fotografadas no “auto de diligência” também o teria feito perante magistrado do M.P. (...) 18.

    No caso concreto e feito o enquadramento da matéria de facto com relevância para a questão cível em apreço...

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