Acórdão nº 395/10.8PBBRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelPAULO SERAFIM
Data da Resolução10 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – RELATÓRIO: ▪ No âmbito do Processo Sumário nº 395/10.8PBBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Braga – Juiz 2, no dia 08.10.2020, pela Exma. Juíza foi proferido despacho com o seguinte teor [referência 169882792]: “Invalidade do processado e prescrição da pena de multa Nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 19/04/2010, foi o arguido D. I. condenado na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de €6 (seis euros), num total de €720 (setecentos e vinte euros) – fls. 42 ss.

Por despacho proferido em 08/10/2010, a pena de multa foi convertida em 80 (oitenta) dias de prisão subsidiária (fls. 94).

Este despacho foi notificado à Ilustre Defensora do arguido por via postal registada (fls. 96) e, com vista à notificação ao arguido, foi remetida via postal simples com prova de depósito para a morada constante do TIR prestado em 18/02/2010 (fls. 6, 95 e 98).

Por despacho proferido pelo TEP em 17/01/2012, o arguido foi declarado contumaz (fls. 125/126).

Coloca-se a questão de saber se o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária foi regularmente notificado ao arguido, na medida em que a resposta a tal questão tem consequências ao nível do prazo de prescrição da pena.

Vejamos.

Decorre do art. 113.º, n.º 10 do CPP (correspondente ao anterior n.º 9) que as notificações do arguido podem ser feitas ao respetivo defensor ou mandatário, com exceção das notificações relativas à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais devem ser notificadas tanto ao defensor ou mandatário como ao arguido.

Não se encontrando o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária entre os atos ressalvados no art. 113.º, n.º 10 do CPP, poder-se-ia entender que bastaria a sua notificação ao defensor ou mandatário. Assim não é. Não poderá olvidar-se que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo (…), sendo certo, porém, que «[n]ão pode (…) ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (…)» - art. 9.º, n.ºs 1 e 2 do CC.

O despacho de conversão da multa em prisão subsidiária consubstancia uma modificação relevante do conteúdo decisório da sentença que tem como efeito direto a privação de liberdade do condenado e até se reveste de maior gravidade do que alguns dos atos expressamente incluídos no elenco das ressalvadas do art. 113.º, n.º 10 do CPP.

Os motivos em que radica a exigência de notificação da sentença tanto defensor ou mandatário como ao arguido (necessidade de garantir um efetivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele em ordem a disponibilizar-lhe todos os dados indispensáveis para exercer o direito ao recurso a que alude o art. 61.º, n.º 1, al. i) do CPP) são transponíveis para a notificação do despacho que converte a multa em prisão subsidiária. Na verdade, o despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária opera uma verdadeira modificação na natureza da pena aplicada ao arguido que passa ser uma pena detentiva. Daí que se justifique a sua notificação não apenas ao defensor ou mandatário, mas também ao próprio arguido porque esta forma se mostra mais consentânea com as garantias de defesa que, constitucionalmente, lhe são asseguradas.

Assim, o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária, traduzindo uma modificação do conteúdo decisório da sentença de condenação, que tem como efeito direto a privação da liberdade do condenado, deve ser colocado no mesmo plano da sentença condenatória no que se refere ao modo de ser levada ao conhecimento do arguido, sendo sujeita à disciplina prevista no art. 113.º, n.º 10, 2.ª parte, do CPP, ou seja, a sua notificação deve ser efetuada quer ao defensor ou mandatário quer ao arguido.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/04/2012, «(…) apesar de este tipo de despacho não se conter na letra do n.º 9 do art. 113.º do CPP, deve entender-se que tem de ser integrado no núcleo essencial defesa do arguido, sendo de exigir a notificação pessoal de decisões que podem conduzir a uma privação de liberdade como de resto ocorre com a eventual revogação da suspensão da execução da pena.

Na verdade, exigindo o citado preceito a notificação pessoal quando estão em causa garantias patrimoniais e dedução de pedido cível, não se vê como não albergar as hipóteses em que poderá haver lugar a privação da liberdade. Aliás, nestes casos, em que a posteriori a decisão versa sobre a execução da pena de substituição é ainda a sentença condenatória que está presente, tratando-se da sua execução, e portanto, devem estes casos ser considerados como abrangidos pela existência de notificação pessoal – proferido no processo n.º 1302/05.5GBFSNT-B.S1, pelo relator Raúl Borges, in www.dgsi.pt.

Neste sentido também se tem pronunciado a jurisprudência dos Tribunais da Relação (cfr., entre outros, Ac. da RG de 03/12/218, proferido no processo n.º 733/09.6PBGMR.G1, pela relatora Ausenda Gonçalves; Ac. da RG de 17/12/2013, proferido no processo n.º 46/11.3PTBRG-A.G1, pelo relator Fernando Monterroso; Ac. da RG de 04/03/2013, proferido no processo n.º 157/05.4TAPVL.G1, pelo relator Paulo Fernandes da Silva; Ac. da RG de 03/07/2012, proferido no processo n.º 449/98.7PCBRG.G1, pelo relator Fernando Chaves; Ac. da RP de 14/12/2011, proferido no processo n.º 80/10.0PTPRT-A.P1, pela relatora Eduarda Lobo; Ac. da RP de 20/04/2009, proferido no processo n.º 732/06.0PBVLG-A.P1, pelo relator Artur Oliveira; Ac. da RP de 23/04/2008, proferido no processo n.º 0810622, pelo relator João Ataíde; Ac. da RC de 07/03/2012, proferido no processo n.º 334/07.3PBFIG.C1, pelo relator Alberto Mira; Ac. da RE de 28/02/2012, proferido no processo n.º 150/05.7PAOLH-B.E1, pela relatora Ana Barata Brito; Ac. da RE de 20/01/2011, proferido no processo n.º 247/06.6PAOLH-B.E1, pelo relator Sénio Alves, todos in www.dgsi.pt).

Assente a necessidade de notificação do despacho de conversão da multa em prisão subsidiária ao arguido, importa esclarecer a modalidade que a mesma deve revestir, designadamente, e no que ora nos interessa, se basta a notificação por via postal simples ou se a notificação terá que ser pessoal.

A notificação por via postal simples pressupõe que o arguido tenha prestado Termo de Identidade e Residência (TIR) – cfr. arts. 113.º, n.ºs 1, al. c), e 3 e 196.º, n.º 2, al. c), ambos do CPP – e, obviamente, que o mesmo tenha eficácia ao tempo da notificação.

Ora, de acordo com o art. 214.º, n.º 1, al. e) do CPP, na redação anterior à Lei n.º 20/2013, de 21/02, o TIR extingue-se com o trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo certo que o legislador não admitiu qualquer exceção a essa regra, ao contrário do que sucede quanto à caução, estabelecendo que, quando o arguido vier a ser condenado em prisão, a mesma só se extingue com o início da execução da pena (art. 214.º, n.º 4 do CPP).

Tal significa que, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, o arguido deixa de estar vinculado às obrigações decorrentes do TIR, pelo que o despacho de conversão da multa em prisão subsidiária lhe deve ser pessoalmente notificado, não podendo tal notificação ser efetuada por via postal simples. Tem sido este o entendimento da jurisprudência maioritária (cfr. entre outros, Ac. da RG de 03/12/218, proferido no processo n.º 733/09.6PBGMR.G1, pela relatora Ausenda Gonçalves; Ac. da RG de 04/03/2013, proferido no processo n.º 157/05.4TAPVL.G1, pelo relator Paulo Fernandes da Silva; Ac. da RP de 14/12/2011, proferido no processo n.º 80/10.0PTPRTA.P1, pela relatora Eduarda Lobo; Ac. da RP de 20/04/2009, proferido no processo n.º 732/06.0PBVLG-A.P1, pelo relator Artur Oliveira; Ac. da RP de 23/04/2008, proferido no processo n.º 0810622, pelo relator João Ataíde; Ac. da RC de 07/03/2012, proferido no processo n.º 334/07.3PBFIG.C1, pelo relator Alberto Mira; Ac. da RE de 28/02/2012, proferido no processo n.º 150/05.7PAOLH-B.E1, pela relatora Ana Barata Brito; Ac. da RE de 20/01/2011, proferido no processo n.º 247/06.6PAOLHB.E1, pelo relator Sénio Alves; todos in www.dgsi.pt).

Não diremos muito para deixar expresso que, no nosso entendimento, a doutrina do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 6/2010, segundo a qual «a notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º1, alíneas a), b) e c) e d),do CPP]» - in DR 99 Série I de 21/05/2010 -, cuja bondade não caberá aqui concretamente apreciar em toda a sua amplitude, não deverá ser estendida, sem mais, às situações congéneres de conversão da pena de multa não paga em prisão subsidiária, dado que a extensão de jurisprudência de acórdãos de fixação de jurisprudência a questões similares às que concretamente se debruçaram equivaleria atribuir a «força interpretativa» de um acórdão a natureza de lei, natureza esta que aquele naturalmente não tem nem pode ter, sob pena de violação do basilar princípio da separação de poderes, cuja violação esteve, aliás, na génese da extinção dos Assentos no nosso ordenamento jurídico (cfr. Ac. da RG de 03/12/218, proferido no processo n.º 733/09.6PBGMR.G1, pela relatora Ausenda Gonçalves; Ac. da RG de 04/03/2013, proferido no processo n.º 157/05.4TAPVL.G1, pelo relator Paulo Fernandes da Silva, in www.dgsi.pt).

Atualmente, por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, o TIR apenas se extingue com a extinção da pena (cfr. arts. 196.º, n.º 3, al. e) e 214.º, n.º 1, al. e), ambos do CPP). Porém...

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