Acórdão nº 1183/18.9T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Maio de 2021

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução27 de Maio de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1. A. B.

e S. B.

intentaram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X Seguros, SA, pedindo a condenação da Ré no pagamento:

  1. Ao Autor A. B.

    , da quantia de € 1.214.125,49, acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento, e ainda do que vier a liquidar-se em ulterior incidente por danos futuros, designadamente com as cirurgias e eventual amputação de membro, prótese, consultas médicas e despesas medicamentosas; b) À Autora S. B.

    , da quantia de € 30.000,00, acrescida de juros de mora contados desde a citação até integral pagamento.

    Para o efeito, alegaram a ocorrência de um acidente de viação em que interveio o Autor marido, como condutor do motociclo com a matrícula DU, pertencente a J. F., e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula número CZ, conduzido por J. P., ao qual pertencia, e a quem imputam a culpa pela ocorrência do sinistro.

    *A Ré apresentou contestação, alegando que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do Autor e impugnando os danos e a sua quantificação.

    *1.2.

    Proferido despacho-saneador, definiu-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

    Realizada a audiência final, proferiu-se sentença com o dispositivo que a seguir se transcreve: «Pelo exposto, na procedência parcial da presente acção, vai a ré “X Seguros, S.A.” absolvida do pedido formulado pela autora S. B. e condenada a pagar ao autor A. B. a quantia de € 318.581,88 (trezentos e dezoito mil, quinhentos e oitenta e um euros e oitenta e oito cêntimos).

    Sobre a quantia de € 252.053,88 (duzentos e cinquenta e dois mil, cinquenta e três euros e oitenta e oito cêntimos) vencer-se-ão juros a contar da sentença, à taxa de juro civil.

    Sobre a quantia de € 66.528,00 (sessenta e seis mil, quinhentos e vinte e oito euros) os juros contar-se-ão desde a citação até integral pagamento, mantendo-se aquela taxa de juro.

    Vai relegado para ulterior liquidação o cálculo da diferença entre o que a seguradora Y pagou ao ora autor no período de incapacidade total para o trabalho (desde o acidente até 30 de Outubro de 2017) e o salário que a sua entidade patronal efectivamente lhe pagaria nesse período.

    Vai relegado para ulterior liquidação o cômputo do valor indemnizatório reportado ao custo que venha a ser necessário para atender às carências referidas no artigo 45) dos factos provados».

    *1.3.

    Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1ª O presente recurso versa sobre o modo como ocorreu o acidente descrito nos presentes autos, sobre o quantum do rendimento mensal auferido pelo recorrente e toda a prova produzida nos presentes autos.

    1. Efectuado o julgamento foram apurados como factos provados os seguintes: 4. No dia 11.03.2015, pelas 15.40 horas, o motociclo conduzido pelo autor e pertencente a J. F., com a matrícula DU (doravante, DU), circulava pela E.N. 205, no sentido Amares/Póvoa de Lanhoso, tendo colidido com o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula número CZ (doravante CZ), conduzido por J. P. e a este pertencente.

      1. O CZ seguia no sentido oposto, tendo a colisão ocorrido na metade esquerda, atento o sentido Amares/Póvoa de Lanhoso.

      2. A colisão ocorreu a 65 centímetros do eixo da via.

      3. O contacto deu-se entre a parte da frente do lado direito, lateral direita do veículo CZ, e a parte lateral direita do motociclo DU, apanhando o membro inferior direito do autor.

      4. Após a colisão, o DU seguiu de modo descontrolado para a esquerda, considerando o sentido e marcha que levava, vindo a imobilizar-se na berma do lado esquerdo, atento o sentido de marcha Amares/Póvoa de Lanhoso.

      5. O CZ imobilizou-se uns metros, não concretamente apurados, mais à frente, atento o sentido de marcha Póvoa de Lanhoso/Amares. (o sublinhado e destacado é nosso).

        (…) 54. À data do acidente o autor era gerente de loja de mobiliário e artigos para o lar, cabendo-lhe a tarefa de atender clientes e fornecedores, assim como supervisionar o trabalho dos operadores de loja.

      6. No ano de 2013 o autor auferiu um rendimento ilíquido de 10.181,91€; em 2014 o seu rendimento anual foi de 11.851,00€ e em 2015 o seu rendimento foi de 4.316,79€.

      7. À data do acidente mantinha a mesma entidade patronal e as mesmas funções.

      8. Depois do acidente não mais trabalhou.

    2. E como factos não provados, entendeu a Meritíssima Juíza a quo considerar o seguinte: a) Que no momento em que os condutores dos veículos colidentes tiveram a percepção recíproca da (respectiva) presença, o DU seguisse pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido que levava (Amares/Póvoa de Lanhoso), junto à berma do lado direito.

      b) Que o DU seguisse a velocidade não excedente dos 50 Kms/hora.

      c) Que quando acabava de descrever uma curva para a sua direita, o DU se tenha deparado com o veículo CZ a ocupar totalmente a hemi-faixa destinada ao sentido Amares/Póvoa de Lanhoso.

      d) Que tenha sido por causa do referido em c) que o autor invadiu a hemi-faixa da esquerda, considerando o sentido de levava.

      e) Que, em simultâneo, o condutor do CZ tenha tentado retomar a metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha Póvoa de Lanhoso/Amares.

      f) Que no dia e hora referidos, o CZ circulasse do lado direito da faixa de rodagem, considerando o sentido Póvoa de Lanhoso/Amares.

      i) Que, ao iniciar a curva à esquerda, o CZ se tenha deparado com o motociclo conduzido pelo autor na hemi-faixa destinada ao sentido Póvoa de Lanhoso/Amares.

      j) Que o DU não tenha conseguido descrever a curva para a direita e, por isso, haja transposto o eixo da faixa de rodagem, indo em frente.

      k) Que, nesse momento e por causa de tal invasão, o condutor do CZ tenha virado para o seu lado esquerdo. (mais uma vez, o sublinhado e destacado é nosso).

    3. Em suma, e como decorre de toda a fundamentação da decisão aqui em crise, a Meritíssima Juíza a quo não se achou capaz, em face da prova produzida, de dirigir um juízo de censura a um dos intervenientes no acidente descrito na petição inicial, sobretudo por entender, como o referiu, que desde o início ambos os intervenientes mantinham posições absolutamente antagónicas.

    4. Porém, e com o devido respeito por opinião diversa, uma das versões – a do aqui recorrente – acabou por ter aconchego na prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente pelas declarações de parte prestadas pelo recorrente ao abrigo do disposto no artigo 466º do Cód. Proc. Civil, da testemunha M. J., arrolada pela recorrida e dos elementos objectivos constantes do auto de participação elaborado pela GNR, sendo certo que, e como muito bem referiu a Meritíssima Juíza a quo, apenas os dois condutores podiam descrever o modo como ocorreu a colisão.

    5. Importa referir que o condutor do veículo seguro na recorrida entretanto faleceu, não tendo, por isso, sido escutada na primeira pessoa a sua versão quanto ao modo como ocorreu o acidente.

    6. Assim, começando pelas declarações de parte prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento ao abrigo do artigo 466º do Cód. Proc. Civil – que nos abstemos de transcrever para não tornar demasiado extensas as presentes conclusões, no que se remete para o corpo destas alegações – acabou aquele por confirmar de forma quase integral a forma como o acidente vai descrito na petição inicial.

    7. Explicou, inclusivamente, que o local provável de embate seria no local que vai apontado no croquis do auto policial pois resultou de uma manobra de evasão que o mesmo teve de realizar quando se apercebeu que o veículo seguro na recorrida estava de frente para si, na sua faixa de rodagem.

    8. Ou seja, um dos intervenientes no acidente descrito nos presentes autos teve a oportunidade de se pronunciar em juízo quanto ao modo como o mesmo ocorreu.

      E, tal como decorre do corpo destas alegações, a Meritíssima Juíza a quo começou logo por alertar o recorrente do seguinte: Srª Juíza: - Muito bom dia senhor A. B.. O senhor é autor nesta acção e portanto tem um interesse natural nesta causa, mas como perceberá quanto mais objectivas e isentas forem as suas palavras mais elas serão tidas em conta; com verdade tem mesmo que falar porque mentir em tribunal é crime, o sr. sabe disso não é? E jura pela sua honra que vai dizer a verdade? (00:20) Autor: - Juro (00:56). (o sublinhado e destacado é nosso).

    9. Porém, e lida e relida a douta decisão em crise no presente recurso, em lado algum se pode ler que as declarações de parte do aqui recorrente não tenham sido objectivas, isentas ou mesmo idóneas a comprovar a tese que o recorrente verteu na petição inicial.

      Ficou, assim, o recorrente sem perceber por que motivo o Tribunal a quo não valorou o seu demorado e pormenorizado depoimento.

      E escutado todo esse depoimento na sua integralidade não há, com o devido respeito por opinião diversa, a mínima hesitação, a mínima contradição, a mínima suspeita de não estar o recorrente a falar com verdade.

    10. Como se referiu no corpo destas alegações o recorrente – à semelhança do condutor do veículo seguro na recorrida – eram os únicos que poderiam, na primeira pessoa, explicar o modo como ocorreu o acidente.

      Ocorre, assim, perguntar se terá o recorrente de sair prejudicado pelo facto de o condutor do veículo seguro na recorrida ter, entretanto, falecido e não tenha podido dizer, também na primeira pessoa, como tinha ocorrido a colisão entre os veículos? Óbvia e seguramente que não.

    11. Por um lado, tudo aquilo que o recorrente foi referindo nas suas declarações teve e tem respaldo na demais prova constante dos autos; por outro, porque o não considerar essas mesmas declarações é uma clara violação ao disposto no artigo 466º do Cód. Proc. Civil e um absoluto desvirtuar do espírito do Legislador que presidiu a introdução dessa mesma possibilidade.

      É que, como é sabido, há variadíssimas situações em que apenas as partes sabem o que ocorreu, como as coisas se passaram.

      E o caso dos autos é claramente uma dessas...

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