Acórdão nº 4269/21.9T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelRAQUEL REGO
Data da Resolução02 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I - RELATÓRIO M. F. deu entrada, no Juízo Local Cível de Braga, J2, da presente acção comum, em que demanda “X, Ldª, na qualidade de administradora do condomínio do “Edifício Y, sito na Praça …, Braga, pedindo a anulação da deliberação ocorrida em 08.07.2021.

A petição deu entrada a 09.08.2021.

Fê-lo sem juntar aos autos comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça, nem de concessão do benefício de apoio judiciário, nem mesmo requereu a citação urgente com comprovação da formulação de pedido referente àquele apoio.

Apresentou cópia de formulação de pedido de apoio judiciário.

Apesar de tudo isto, a secretaria não recusou o recebimento da petição.

O Sr. Juiz a quo proferiu, então, a decisão ora em crise, onde, depois de enunciar os fundamentos que julgou pertinentes, decidiu estar verificada uma excepção dilatória inominada, consubstanciada na omissão do pagamento da taxa de justiça devida, indeferiu a petição inicial e absolveu a ré da instância **Com ela não se conformando, veio a autora interpor o presente recurso, onde apresenta o que apelida de “Conclusões”, do seguinte teor: I. Foi a Recorrente notificada da decisão de indeferimento liminar da petição inicial e consequentemente da absolvição a Ré da instância.

  1. Para tanto sufragou o douto Tribunal a quo que se verificou uma excepção dilatória insuprível inominada de omissão do pagamento da taxa de justiça devida.

  2. Sustentou o referido tribunal que a Autora, aqui Recorrente, não instruiu a petição inicial com os necessários documentos comprovativos do pagamento da taxa de justiça ou da concessão do apoio jurídico na modalidade de dispensa da mesma.

  3. Mais defende que, nos termos conjugados dos artigos 144.º n.º 1 e 552.º, a Autora se encontrava obrigada à junção daqueles documentos comprovativos do pagamento da taxa ou da concessão, não bastando apenas o comprovativo do pedido de apoio.

  4. Defendeu também que as únicas excepções a esta previsão legal são o requerimento da citação nos termos do Art.º 561.º e ou quanto a petição inicial é apresentada por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do Art.º 144.º, caso em que beneficia, após a recusa por parte da secretaria, do regime constante do Art.º 560.º CPC.

  5. Não pode, todavia, a Recorrente conformar-se com tal decisão, por manifestamente contrária ao determinado pelo compasso Constitucional e da própria decorrência das leis do processo.

  6. O douto tribunal a quo fez uma incorrecta interpretação da lei aplicável ao caso em apreço, afastando-se totalmente das suas particularidades.

  7. Nenhuma das excepções invocadas é aplicável ao caso em apreço, pela simples razão que a secretaria nunca poderia ter recebido a petição inicial.

  8. Embora à data de hoje se tenha por deferido o requerimento de concessão de apoio jurídico, na data da propositura da acção juntou-se apenas o comprovativo do seu requerimento, porquanto era tanto de que se dispunha.

  9. Ora, uma vez recebida a petição inicial, era dever da secretaria recusar a petição e notificar a Recorrente.

  10. Nos termos do Art.º 558.º n.º 1 al. f) CPC, a secretaria deve recusar as petições iniciais que não venham instruídas com o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou com o comprovativo da concessão do apoio jurídico na modalidade da sua dispensa.

  11. Esta não é uma mera faculdade da secretaria, mas um verdadeiro dever de fiscalização, conforme decorre do Art.º 17.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto (doravante, Portaria).

  12. Acresce que, nos termos do n.º 1 do Art.º 207.º CPC “nenhum acto processual é admitido à distribuição sem que contenha todos os requisitos externos exigidos por lei”.

  13. Assim, deveria ter a petição inicial sido recusada pela secretaria.

  14. Não o tendo sido, a mesma foi enviada à distribuição, ao arrepio das disposições ora invocadas.

  15. Destarte, viu-se a Autora impossibilitada de, ao ser notificada da secretaria da recusa da petição inicial, vir, ainda dentro do prazo, a apresentar uma nova petição, desta vez já instruída com os comprovativos em falta.

  16. Poderia até ter, então, recorrido ao regime previsto no Art.º 561.º CPC.

  17. O erro da secretaria resulta num claro prejuízo para a Autora, que não pode agora socorrer-se de nova petição inicial.

  18. Ora, nos termos do n.º 6 do Art.º 157.º CPC “os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.

  19. Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, com o n.º de processo 273/14.1TTCBR-A.C1 de 16/10/2014, cujo relator foi Jorge Loureiro, e nos termos do qual “perante tal circunstancialismo e continuando a admitir-se que estava em causa uma situação de obrigatória apresentação do documento comprovativo do apoio judiciário concedido, a falta de apresentação desse documento e daquele que comprovasse o pagamento da taxa de justiça, conjugada com o recebimento indevido da petição e com a sua indevida distribuição deveria ter como efeito a prolação de uma decisão judicial do tipo da propugnada pela ré no sentido da sua imediata absolvição e extinção da acção? A resposta a esta questão tem de ser negativa. (...) Ora, o autor não pode ser prejudicado por tais omissões da secretaria (art. 157º, nº6 do NCPC) – neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra de 31/5/2005, proferido no âmbito do processo 1601/05, acórdãos da Relação do Porto, de 23/5/2006, proferido no processo 0622181, e de 9/10/2006, proferido no âmbito do processo 0654628, acórdão da Relação de Lisboa de 13/4/2010, proferido no âmbito do processo 2288/09.2TBTVD.L1-1”.

  20. Estamos, claro está, face a uma situação não especialmente prevista na lei e cuja resolução deverá, entre outros, obedecer aos princípios vertidos na normatividade adjectiva já assente, instruída pelos preceitos constitucionais e nas mais elementares regras do bom-senso, ao abrigo também do regime da integração por analogia.

  21. Vejamos: a petição inicial nunca poderia ter sido alvo de prolação de indeferimento liminar pois nem sequer deveria ter sido aceite pela secretaria.

  22. Deste entendimento partilha o acórdão supra invocado: “Com efeito, em primeiro lugar, tal consequência não se encontra legalmente determinada em nenhum dispositivo legal que conheçamos. Na verdade, não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da acção, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente”.

  23. A questão central é que inexiste qualquer solução legal estatuída que defina, em concreto, quais as consequências para a apresentação de uma petição que não deveria ter sido aceite pela secretaria, dado que esse erro impediu o Autor de corrigir a situação, o que poderia ter feito caso a secretaria não tivesse cometido o erro proibido por lei.

  24. Ora, deve recorrer-se à aplicação das disposições processuais por analogia para situações similares, pois não havendo norma de direito positivo (como uma lei ou um regulamento) que disponha sobre uma determinada situação que careça de regulação, a disciplina jurídica desta última faz-se com apelo a um princípio geral de Direito que tenha sido aplicado a um caso análogo, a partir do qual se deduzirá uma regra que reja o caso concreto.

  25. O princípio jurídico do qual defluirá a construção de uma regra para o caso concreto pode encontrar-se enunciado previamente na Constituição ou na...

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