Acórdão nº 6090/20.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 02 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução02 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães, no seguinte:*I- RELATÓRIO.

D. V., residente na Rua …, freguesia da …, concelho de Guimarães, instaurou a presente ação declarativa comum, que qualifica como sendo de simples apreciação negativa, contra J. M., residente na Rua …, freguesia de …, concelho de Guimarães, pedindo que se declare: a) que não obstante o incremento negocial da sociedade comercial “X – Comércio Internacional, Lda.”, com as empresas “Y – Obras Públicas e Particulares, Lda.” e “W – Empresa Nacional de Construção e Infraestruturas Básicas”, nunca foram distribuídos lucros aos seus sócios desde a sua constituição até à cessão da sua atividade em outubro de 2011; b) que da quantia de 488.961,00 euros do exercício de 2008, o Réu não justificou contabilisticamente a quantia de 14.021,00 euros, valor este que integrou no seu património pessoal; c) que da peticionada quantia de 488.961,00 euros do exercício de 2008, o montante de 33.240,00 euros em numerário, levantado pelo Réu em caixa multibanco ATM, não justificado contabilisticamente, e por ele assumido como lucros para os sócios nunca distribuídos, foi integrado no seu património pessoal; d) que nos exercícios dos anos de 2007 e 2008 foram efetuados levantamentos de cheques da X, em caixas multibanco ATM, no montante global de 121.066,00 euros (857.766,00 euros – 736.700,00 euros), sem qualquer justificação contabilística, sendo 73.805,00 euros (121.066,00 euros – 47.261,00 euros) relativa ao ano de 2007, e 47.261,00 euros ao ano de 2008, valor estes que o réu integrou no seu património; e) que da quantia referida de 420.012,00 euros do exercício de 2008 nunca o Réu utilizou 2.400,00 euros em gratificações a gerentes, integrando assim, este valor no seu património pessoal; f) que do exercício de 2008 o Réu integrou no seu património pessoal a quantia de 397.600,00 euros em gratificações aos trabalhadores deslocados em Angola, que nunca existiram; g) que do montante de 420.012,00 euros do exercício de 2008, a importância de 20.012,00 euros, contabilizada como lucros, não distribuídos e que não transitaram para o exercício de 2009, constituíram valores que o Réu integrou no seu património pessoal; h) que no exercício do ano de 2008, a quantia total de 141.000,00 euros, que o Réu transferiu da conta da X junto do Banco …, para uma conta particular por ele titulada, nunca foi restituída à sociedade mutuante, fazendo o Réu integrar, esse valor de 141.000,00 euros, no seu património pessoal; i) que nos anos de 2009 e 2010, entre cheques descontados ao balcão e levantamentos efetuados por multibanco, o Réu procedeu ao levantamento da importância de 113.381,02 euros, que não destinou à liquidação de qualquer dívida da X, fazendo, assim, integrar esse valor no seu património pessoal; j) que no ano de 2010 o valor de 303.472,83 euros, que o Réu lançou a crédito da sua conta individual de suprimentos provindo de recursos pessoais, nunca este valor representou qualquer empréstimo à X, fazendo, assim, integrar a citada quantia de 303.472,83 euros no seu património pessoal; k) que o Réu nunca deu entrada da quantia de 130.00,00 euros nas contas da X, respeitante ao preço da venda do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ..., da freguesia ..., ao invés, esta importância foi contabilizada a crédito na sua conta de suprimentos, que nunca existiram; l) que nos anos de 2002 a 2009 a X obteve um lucro de 1.156.036,63 euros, que nunca foi contabilizado nas contas da X, nem deu entrada nos seus cofres; m) que da quantia de lucro apurado nos autos de 2002 a 2009 de 1.156.036,63 euros, o Réu integrou, pelo menos, no seu património pessoal, a importância de 578.018,32 euros; n) que o Réu integrou no seu património pessoal uma quantia entre 80.000,00 euros a 100.000,00 euros de juros de aplicação a prazo à margem da X de receitas que lhe eram próprias, oriundas da empresa de obras públicas ligadas ao estado angolano denominada “W – Empresa Nacional de Construção e Infraestruturas Básicas”.

Para tanto alega, em síntese, ser irmão de A. V. e do Réu e que os três são os únicos sócios e gerentes das sociedades “K”, “V. M.” e “V. M. e Irmãos, Lda.”, obrigando-se as três sociedades mediante a assinatura conjunta de dois gerentes, sendo que, quanto à sociedade “V. M. e Irmãos”, tal aconteceu apenas até abril de 2011, uma vez que, na sequência de A. V. e do Réu terem cedido as suas participações sociais nesta sociedade, os mesmos renunciaram à gerência desta; Na “V. M.” a gerência de facto era exercida predominantemente pelo Réu; Na “V. M. e Irmãos”, a gerência de facto era hegemonicamente exercida pelo Autor; E na “X” a gerência de facto foi sempre exercido pelo Réu e por A. V., este apenas até meados de 2007; O Réu era o TOC das três sociedades; A “X” foi constituída em 2001 para servir de apoio à sociedade angolana “Y”, fornecendo-a de materiais e máquinas necessárias ao exercício da sua atividade, que a “X” comprava no mercado português, e também fornecia mão de obra a essa sociedade, que a “X” contratava em Portugal e que cedia à “Y”, mediante contrapartida entre elas acordada; A partir de 2007, a “X” estabeleceu uma relação comercial com a sociedade angolana “W”, a quem fornecia material e maquinaria pesada; Nos anos de 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 a “X” faturou 20.676.120,14 euros, em comercialização de mercadorias e na prestação de serviços, mas em 2001 viu reduzido drasticamente o seu desempenho comercial, tendo apresentado declaração fiscal de cessão de atividade em outubro de 2011; Acontece que nos anos de 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 a “X” nunca distribuiu lucros aos seus sócios, circunstância que adveio da ocultação contabilística perpetrado pelo Réu, que ficcionou despesas, custos e suprimentos e se locupletou desses lucros; Entre 15/04/2009 e 23/09/20009, a “X” foi objeto de uma ação inspetiva pelas Finanças, relativa aos exercícios de 2007 e 2009; Nessa ação inspetiva verificou-se que, nesses exercícios, a “X” apresentava débitos de caixa na ordem de um milhão de euros, provenientes de levantamento de cheques sacados sobre as contas da X; Confrontado o Réu com esse facto, este referiu que esses levantamentos se destinaram a efetuar pagamentos aos fornecedores de “G.” e “Viagens …”, a efetuar depósitos em outras sociedades e, bem assim a assegurar adiantamentos aos trabalhadores deslocados para Angola, a título de despesas de alojamento e alimentação; Acontece que nos anos de 2007 e 2008, o Réu levantou cheques no montante de 121.066,00 euros, sem qualquer justificação contabilística, quantia essa que foi ocultada ao Autor pelo Réu e em relação à qual não auferiu qualquer dividendo, apesar de deter 40% no capital social da “X”; Nos exercícios de 2008, a “X” obteve um resultado líquido de 420.012,00 euros, justificado contabilisticamente pelo Réu da seguinte forma: 397.600,00 euros, como referentes ao pagamento de gratificações aos trabalhadores deslocados em Angola; 2.400,00 euros, referentes ao pagamento de gratificações a gerentes; e 20.012,00 euros, relativos a lucros não distribuídos e a transitar para o exercício seguinte; Acontece que a “X” nunca pagou quaisquer gratificações aos trabalhadores deslocados em Angola, não sendo os restantes factos igualmente verdadeiros; Em 2008, sem o consentimento do Autor, o Réu transferiu para uma conta particular dele a quantia de 141.000,00 euros, que contabilizou como empréstimos efetuados ao Réu, e em 19/11/2008 transferiu para a sua conta 104.000,00 euros, igualmente à revelia do Autor; Da contabilidade da “X” não resulta que tais quantias tivessem sido restituídas pelo Autor à sociedade; Entre 21/10/2011 e 23/03/2012, a “X” foi alvo de nova ação inspetiva por parte das Finanças, agora relativamente aos exercícios de 2009 a 2010; Na sequência dessa ação inspetiva apurou-se que nos anos de 2009 a 2010, o Réu levantou 113.381,00 euros da “X”, que não destinou à satisfação de qualquer encargo desta; Perspetivando a cessão da atividade da “X”, em 2010, o Réu ficcionou suprimentos à última e, de seguida, por contrapartida desses pretensos empréstimos, lançou na sua conta individual a quantia de 303.471,83 euros; Atuando em representação da “X”, em 11/09/2001, o Réu vendeu um prédio aos seus filhos, pelo preço de 130.000,00 euros, que declarou ter já recebido, mas essa quantia não deu entrada nos cofres da “X”, mas antes foi contabilizada a crédito, na conta de suprimento do Réu na contabilidade da “X”; Entre março de 2007 e dezembro de 2009, a “Y” efetuou pagamentos à X, em numerário, no montante global de 1.317,400 dólares americanos, que não foi contabilizados na contabilidade da “X”; No mail de 04/10/2021, enviado por A. R., gerente da “Y”, ao Réu, aquele reconhece factos (que o Autor elenca) de que resulta que nas relações estabelecidas entre a “Y” e a “X”, nos anos de 2002 a 2009, resultou um lucro para a última de 1.156.036,63 euros, o qual nunca foi contabilizado nas contas da “X”; No mesmo mail, o identificado A. R. reconhece que a “Y” deve ao Réu a quantia de 162.907,55 euros, mas esta quantia é, na realidade, da “X”; E no mesmo mail, A. R. adiciona o valor de 125.000,00 euros, respeitante ao preço de um veículo automóvel da marca “Mercedes”, cuja existência o Autor desconhece, mas que é propriedade da “X”.

O Réu contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.

Invocou a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial, por ininteligibilidade do pedido e da causa de pedir, alegando que nunca esteve na esfera do mesmo a decisão sob a distribuição de dividendos na “X”, pois não dispunha de direito de voto suficiente para tal, mas o inverso é já verdadeiro, dado que o Autor podia deliberar sozinho a distribuição de lucros naquela sociedade, pelo que não consegue percecionar a utilidade do pedido deduzido pelo Autor na alínea a) do petitório; que todos os pedidos formulados pelo Autor não são pedidos de simples...

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