Acórdão nº 227/15.0T8PRG-X.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO MAURÍCIO
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACÓRDÃO (1) (Proc. nº 227/15.0T8PRG-X.G1)* * * * * * *ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES, * * *1. RELATÓRIO 1.1. Da Decisão Impugnada A Autora Sociedade Turística e Hoteleira Quinta da X, Lda intentou contra a Ré Massa Insolvente Sociedade Agrícola Quinta do Y, Lda e contra os Réus Credores da Massa Insolvente, nos termos do art. 125º do CIRE, acção para verificação ulterior de créditos, pedindo que seja «reconhecido com base no art. 754º e alínea f) e 755º ambos do Cód Civil, o direito de retenção da A./reclamante, sobre o imóvel» e que seja «o crédito A./reclamante, no valor de 700 mil euros, reconhecido e graduado como crédito privilegiado», fundamentando a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «Encontrando-se provado que a A./reclamante é titular de um crédito de 700 mil euros cujo pagamento se encontra garantido por “direito de retenção” e pelo “direito de propriedade” incidentes sobre imóvel (Quinta de W) que, por efeito de “cessão de créditos” da reclamante e cedente CAIXA ... entregou à C. e esta por sua vez celebrou um contrato com a M. & S., DOURO LDA; a cedente CAIXA ... reclamou créditos e estes foram reconhecidos e graduados como privilegiados passando a integrar a massa insolvente Y; o credor hipotecário cedeu os créditos e as garantias (CAIXA ... à C. e esta à M.); o imóvel sobre que recai a garantia real pertence à massa insolvente de Y; como foi o insolvente a contrair a divida perante a A./reclamante e esta pagou o preço do prédio “Quinta da W”, como terceiro que constituíram hipoteca sobre o imóvel para garantia do respectivo pagamento da divida, a A./reclamante é credora da insolvência; a partir de 10 de Janeiro de 2012 o imóvel, juridicamente, passou a pertencer à aqui A./reclamante, mas a constituição do direito de propriedade e direito de retenção como credor na insolvência só se torna definitiva com o cancelamento do registo da aquisição do imóvel a favor dos mutuários; está-se perante um direito de crédito sobre a insolvência de constituição posterior à sentença de declaração da insolvência; mostrando-se que a lei estabelece, como referência da contagem do prazo limite, a constituição do direito, não há dúvida de que, para esse efeito, o registo de cancelamento da aquisição a favor dos mutuários, seus devedores, não pode deixar de ser oponível ao A./reclamante (como parte interessada, ou mesmo, tão só, enquanto terceiro); a publicação do anúncio da venda é de todo irrelevante para o exercício do direito de reclamação ulterior da A./reclamante; o registo do cancelamento da aquisição e nova apresentação a favor da cessionária foi em Julho de 2020, e a presente ação deu entrada em juízo em Agosto de 2020; mediante o aludido contrato de compra e venda, a Insolvente vendeu à reclamante/A. e esta comprou, mediante o pagamento de 220.000,00 € o mencionado prédio, e o que foi devidamente registado; foram registadas as transmissões de crédito, mediante cessão de créditos, da Hipoteca Voluntaria da CAIXA ... para a referida C., e desta para a referida M. & S.; foi intentada ação de execução contra a A./reclamante onde títula como exequente a referida M. & S.; a A./reclamante na referida execução não é devedor na relação de dívida, mas sim a Insolvente; a penhora ofende a posse de que é titular e de quem não é parte na causa; nesta situação, a sociedade aqui A./reclamante fica investida na posição de credora sobre a devedora principal, a Insolvente, da restituição do crédito que sobre si recai; a A./reclamante pagou o preço de € 220 mil euros na data da aquisição da Quinta da W; a partir de então a A./reclamante investiu milhares de euros, quer em obras uteis na manutenção, remodelação e ampliação da Quinta de W; esta hoje tem um valor de mercado de mais de um milhão de euros; tem assim a A./reclamante um direito de propriedade e um direito de retenção, em virtude das benfeitorias úteis, necessárias e urgentes, direitos a que se arroga a A./reclamante na eventualidade de ter que entregar o prédio; deve o crédito ora reclamado no valor de € 700 mil euros, ou seja, 220 mil euros da aquisição consubstancia um direito propriedade e 480 mil euros a investimentos realizados, benfeitorias uteis e urgentes realizadas, ser reconhecido e graduado como crédito privilegiado».

Notificada, a Ré Massa Insolvente contestou, pugnando pela improcedência total da acção, «mantendo-se intactas as resoluções efetuadas pela Administradora da Insolvência», sendo que, para além do mais, no seu articulado de defesa deduziu a «excepção de caducidade do direito de interposição da presente acção», excepção que fundou, essencialmente, do seguinte: «a “Quinta de W” não se encontra apreendida a favor da massa insolvente, não constituindo bem nela integrado pelo que não tem qualquer aplicação no caso a dirimir invocar direito de retenção e de propriedade sobre algo que não está por ela apreendido; do que veio invocado pela Autora, a CAIXA ... é(ra) credora da insolvente de dadas quantias, créditos que provieram de vários empréstimos concedidos em certo(s) momento(s) à sociedade agora insolvente, algum ou alguns dos quais se encontravam garantidos por via de hipoteca também sobre o imóvel que à insolvente pertenceu e que, em 10 de Janeiro de 2012, ainda antes da declaração de insolvência, o terá adquirido a Autora pelo preço de 220.000,00 €; a Caixa ..., reclamou, de facto, oportunamente os seus créditos sobre a insolvência, entre os quais se encontra(va)m, então, o(s) garantido(s) pela aludida hipoteca sobre o imóvel que veio a ser adquirido pela sociedade Autora; o aludido imóvel, que foi adquirido pela Autora já onerado com a dita hipoteca para garantia do pagamento desse específico crédito da CAIXA ..., deverá responder pelo seu pagamento, se foi ele objecto de execução; o único crédito que possa vir a deter sobre a insolvência, o que resultar do que for forçada a pagar ou ter de suportar pela execução do prédio que adquiriu à agora insolvente, tendo por isso como limite o valor pelo qual adquiriu esse bem à insolvente, já que era ela perfeitamente conhecedora dos riscos que conscientemente assumiu ao adquirir esse bem com o ónus que sobre ele impendia, a dita hipoteca a favor da CAIXA ..., ademais com dimensão do crédito que garantia; a Autora poderá vir a subrogar-se na posição jurídica ocupada pela entidade credora da insolvente que estará a executar esse crédito sobre o bem de sua propriedade, sempre e na medida do que esse prédio venha a ter de efectivamente suportar para o seu pagamento, a realizar-se por via incidental de habilitação nos autos de insolvência; ao invés do que pretende a Autora, o crédito que possa “reclamar” sobre a insolvência em razão do sucedido, não é nunca de constituição posterior à declaração da insolvência e constituiu-se pelo menos com a sua declaração, ele detido pela CAIXA ..., oportunamente por ela reclamado e já reconhecido, tendo sido o mesmo cedido sucessivamente a outrem; caso a CAIXA ... não o tivesse oportunamente reclamado, acorrendo ao que antes se defendeu, de facto a Autora poderia no prazo concedido para a apresentação das reclamações de créditos e até depois, nos termos do artigo 146.º do CIRE, reclamar tal crédito, na circunstância ainda que condicionalmente; só agora, passados pouco menos de cinco anos sobre a declaração de insolvência (12-10-2015), veio a Autora invocar ser desse crédito detentora; já transcorridos tantos anos após a declaração de insolvência da sociedade, pode concluir-se que foram ultrapassados bem largamente os prazos para o fazer por essa via, tendo caducado este direito; caso o credor originário não tivesse reclamado tal crédito, mas uma vez que o fez tal obsta à reclamação ou qualquer verificação ulterior do mesmo crédito que a Autora pudesse realizar, pelo que a iniciativa por ela agora tomada judicialmente com a interposição da presente acção seria sempre manifestamente extemporânea.

Notificados, nenhum dos Credores da Massa Insolvente contestou.

Em sede de despacho saneador, para além do mais, foi proferida a seguinte decisão: «Em sede de contestação, invoca a ré “a caducidade do direito de interposição da presente acção”, uma vez que, segundo defende, o crédito da autora, a existir, nasceu pelo menos com a declaração de insolvência, a qual teve lugar em 12.10.2015.

Nos termos do artigo 146.º, n.º 2, do CIRE, “o direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, mas a reclamação de outros créditos, nos termos do número anterior:

  1. Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129.º, excepto tratando-se de créditos de constituição posterior; b) Só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência, ou no prazo de três meses seguintes à respectiva constituição, caso termine posteriormente”.

    No caso, excluída que está a aplicação da alínea a) da norma citada, cumpre apreciar da verificação do prazo contido na alínea b).

    Ora, conforme vem sendo referido pela jurisprudência, o prazo aí previsto consubstancia um prazo de natureza processual, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto no âmbito do processo de insolvência, nos termos do artigo 139.º, n.ºs 1 e 3, do CPC.

    De facto, segue-se o entendimento segundo o qual “o prazo de propositura de ação de verificação ulterior de créditos a que se refere o artigo 146º, nº 2, alínea b), do CIRE, não tem natureza substantiva, não integra a respectiva relação jurídica obrigacional, nem se lhe aplica o regime de caducidade previsto nos artigos 298º, nº 2, e 333º, nº 2, C. Civil” (cfr. acórdão da Relação de Coimbra de 20.06.2017, disponível em www.dgsi.pt).

    Trata-se, pois, de um prazo de natureza processual, pelo que, não tendo o seu conhecimento lugar enquanto excepção peremptória impeditiva, desde já se conhece da observância de tal prazo.

    Ora, como veremos, o direito a discutir nos presentes autos não se mostra ainda...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT