Acórdão nº 24/21.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1. M. C.

intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra M. F.

e M. R.

e marido, T. J., deduzindo os seguintes pedidos: «

  1. Seja reconhecido ao Autor o seu direito de preferir na venda efetuada pela 1ª Ré aos 2os Réus do prédio urbano sito na Avenida ...

    , n.º …, freguesia de ...

    , concelho de Vila Nova de Famalicão, melhor identificado no artigo 1.º da P.I., b) Seja declarado que o Autor é titular do direito de propriedade sobre o identificado prédio, pelo valor pelo qual foi alienado aos 2os Réus, ordenando-se o registo da aquisição a favor do Autor; c) Que seja ordenado o cancelamento de todos e quaisquer registos que os 2os Réus compradores, hajam feito a seu favor em consequência da compra do supra referido prédio, designadamente o constante da inscrição AP. 1103 de 2020/08/04 (cfr. doc. n.º 02) e de outras que estes venham a fazer».

    Para fundamentar a sua pretensão, alega que em 01.05.1980 celebrou contrato de arrendamento, para fins não habitacionais, do rés-do-chão daquele prédio, onde explora uma loja de venda de vestuário e acessórios, sendo o único arrendatário do imóvel, e que a 1ª Ré vendeu aos 2ºs Réus a propriedade do prédio, sem que tenha sido dada oportunidade ao Autor de exercer o direito legal de preferência de que se arroga titular.

    *Os 2ºs Réus contestaram, alegando que foi dado de arrendamento ao Autor apenas “uma divisão do rés-do-chão do prédio”, destinada a comércio, a qual está permanentemente fechada há vários anos, e que ao Autor não assiste o direito legal de preferência na alienação da totalidade do prédio.

    *1.2.

    Por se entender que o estado dos autos permitia o conhecimento antecipado do mérito da causa, foram as partes notificadas para exercer a faculdade de se pronunciarem sobre essa matéria, tendo o Autor manifestado o entendimento de que se mostra consagrado o direito legal de preferência a favor do arrendatário comercial de parte de um prédio não sujeito a propriedade horizontal.

    Seguidamente, foi proferida a decisão recorrida – saneador-sentença –, que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu os Réus do pedido.

    *1.3.

    Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação do saneador-sentença, formulando as seguintes conclusões: «I. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode o recorrente conformar-se com a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que decidiu que o Autor, enquanto arrendatário de parte não autónoma de um prédio não constituído em propriedade horizontal não goza de direito de preferência na alienação da totalidade do prédio.

    II. Salvo erudito entendimento em contrário, o aresto decisório do Tribunal a quo patenteia uma incorreta aplicação e interpretação do Direito.

    III. Dos factos, importa reter, que em 1 de Maio de 1980, o Autor celebrou contrato de arrendamento, para fins não habitacionais, do rés do chão do prédio urbano sito na Avenida ...

    , n.º …, freguesia de ...

    , concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de …. sob o n.º ...

    /20080414 e inscrito na matriz predial urbana da citada freguesia sob o artigo ...

    .

    IV. Contrato de arrendamento que dura, ininterruptamente, há mais de 40 (quarenta) anos, no rés do chão dado de arrendamento, com utilização independente, onde o Recorrente exerceu, como continua a exercer, a sua atividade de empresário em nome individual, explorando uma loja de venda de vestuário e acessórios.

    V. Sendo o único arrendatário daquele imóvel, pois o primeiro andar está desabitado desde a morte do primitivo senhorio, há mais de oito anos! VI. Acontece que, no dia 4 de agosto 2020, por escritura pública de compra e venda, a senhoria/ 1ª Ré, vendeu o imóvel aos 2os Réus, sem dar a oportunidade ao Recorrente, na qualidade de arrendatário, de exercer o seu direito legal de preferência.

    VII. A 1ª Ré bem sabia que assistia direito de preferência ao arrendatário na venda do seu imóvel a terceiros e sabia, também, que o recorrente pretendia adquirir aquele prédio para nele investir e melhorar o seu negócio, pois este já lhe tinha informado disso pessoalmente e informado o agente imobiliário encarregue da venda, com quem, aliás, negociou o preço da aquisição do imóvel.

    1. Dispõe o artigo 1091.º, n.º 1, alínea a) do CC que “1 - O arrendatário tem direito de preferência:

  2. Na compra e venda ou dação em cumprimento do local arrendado há mais de dois anos, sem prejuízo do previsto nos números seguintes;” IX. Porém, a interpretação desta norma tem originado diferentes entendimentos jurisprudenciais e doutrinais. E se é consabido que num prédio em propriedade horizontal, o arrendatário apenas tem direito de preferência na alienação da fração autónoma por si arrendada e não na alienação de outras frações autónomas do mesmo prédio pertencentes ao senhorio; o problema é bem diferente quando não existe autonomização jurídica do local arrendado, dado não haver propriedade horizontal, aqui há quem entenda que o arrendatário tem direito a preferir na venda da totalidade do imóvel, outros entendem que não lhe assiste qualquer direito de preferência. X. O Autor, pretende exercer o seu direito de preferência em relação à alienação da totalidade do prédio alienado! XI. Refere o Tribunal a quo que no artigo 1091.º do CC o legislador deixou de fazer referência a “prédio urbano” e a “fração autónoma”, substituindo-a pela expressão “local arrendado”, e que isso é demostrativo da vontade do legislador limitar a preferência do arrendatário ao local contratualmente definido. Porém, tal fundamento não merece acolhimento! XII. Desde logo porque nem no preâmbulo do Decreto-lei, nem da análise dos trabalhos preparatórios decorre ter o legislador tido a intenção de afastar o direito de preferência do locatário na compra e venda de todo o imóvel. Assim, a expressão “local arrendado” não é nem pode ser entendida como sinónimo, apenas, de andar arrendado mas de todo o imóvel onde o arrendamento se situa. Se o legislador tivesse a intenção de restringir a preferência aos casos de compra e venda de prédio constituído em propriedade horizontal devia tê-lo escrito de forma clara e específica, por isso, não o tendo feito não pode a interpretação restringir com base em expressões de alcance dúbio (favorabilia amplianda, odiosa restringenda).

    XIII. Seguindo o entendimento do Recorrente, vejamos os acórdãos: a. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-06-2015, processo n.º 1275/12.8TBCBR.C1, (disponível para consulta em www.dgsi.pt), que decidiu “II – O arrendatário de parte de prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, continua a ter, perante o disposto no artº 1091º nº1 al.a) do CC, direito de preferência na venda ou dação em pagamento do prédio.” b. E ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 07-12-2017, processo n.º 1130/15.0T8VNF-F.G1, (disponível para consulta em www.dgsi.pt) o qual decidiu: “O direito de preferência do arrendatário ou incide sobre a totalidade do prédio ou, estando este sujeito ao regime de propriedade horizontal, sobre a respectiva fracção ou fracções.” XIV. Seguindo o mesmo entendimento, JORGE HENRIQUE FURTADO concluiu, em situações como a do caso concreto, que a preferência caberá, indistintamente, a cada um dos arrendatários, não apenas relativamente à sua unidade locada, embora a lei a reporte expressamente ao “local arrendado”, mas a todo o prédio (Cfr. Jorge Henrique Da Cruz Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, Vol. II, 5.ª Ed. atual., Almedina, 2011, pp. 816-819) XV. Assim como outros Autores, como LUÍS MIGUEL MONTEIRO que defende que o arrendatário de parte do prédio não constituído em propriedade horizontal pode exercer o seu direito de preferência em relação ao prédio na sua totalidade uma vez que o argumento literal não justifica a posição defendida pelo Tribunal a quo (cfr. Luís Miguel Monteiro, “Direitos e Obrigações Legais de Preferência no Novo Regime do Arrendamento Urbano (RAU)”, in Revista da Associação Académica da Faculdade de Lisboa, Lisboa, AAFDL, p. 51.) XVI. E seguindo o mesmo entendimento, os Professores PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, asseveram que «de a alienação projetada ou realizada se referir à totalidade do imóvel, não subordinado ao regime da propriedade horizontal, a preferência competirá a todos os coarrendatários das partes do mesmo imóvel, cujo contrato perdure há mais de um ano». Portanto, a preferência, a ser exercida pelo arrendatário, não incidia sobre a parte do prédio que era objeto de locação - na medida em que não foi juridicamente autonomizado -, mas sobre a totalidade do prédio» (cfr. Pires De Lima E Antunes Varela, em “Código Civil Anotado”, Volume II, 4ª ed., pág. 568).

    XVII. E ainda, JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, PEDRO ROMANO MARTINEZ e JORGE ARAGÃO SEIA defendem que o artigo 47.º n.º1 do RAU e o artigo 1091.º do CC não quiseram modificar, quanto ao objeto material da preferência, o regime do direito anterior, devendo, por conseguinte, entender-se que o arrendatário de parte de um prédio urbano, tem o direito de preferir na venda de todo o prédio, sempre que este se não encontre subordinado ao regime de propriedade horizontal (cfr. José De Oliveira Ascensão, em “Direito de Preferência do Arrendatário”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. III – Direito do Arrendamento Urbano, Coimbra, Almedina, 2002, p. 255; Pedro Romano Martinez, em “Direito das Obrigações”, pág. 266 e Jorge Aragão Seia, em “Arrendamento Urbano”, 7ª ed., p. 327).

    XVIII. Existe, pois, uma corrente largamente maioritária na jurisprudência e na doutrina que continua a defender a tese expansionista e a seguir o entendimento anterior de que o arrendatário de apenas parte de prédio urbano indiviso tem direito de preferência na venda da totalidade do prédio urbano, alicerçada numa teleologia ampla do direito de preferência a favor dos arrendatários.

    XIX. Doutrina maioritária que o recorrente defende aplicar-se a si, por ser...

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