Acórdão nº 2341/19.4T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Dezembro de 2021
Magistrado Responsável | ANA CRISTINA DUARTE |
Data da Resolução | 16 de Dezembro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO J. M. deduziu ação declarativa contra T. J. e marido, A. P., pedindo que:
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Seja declarado e sejam condenados os Réus a reconhecer que o Autor é herdeiro e interessado na herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de A. M.; b) Sejam condenados os Réus a restituir à herança, na pessoa do Autor, todos os bens que compõem a mesma, identificados, designadamente, nos artigos 126, 130, 140 e 147, da petição inicial; - Para a hipótese de se considerar que a Ré é herdeira do falecido A. M.: c) Seja declarado e sejam condenados os Réus a reconhecer que é nulo ou seja anulado o testamento outorgado em 10.05.1991 no Cartório Notarial de ..., extraído da escritura exarada de fls. 48 a folhas 50, do livro de notas 63.
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Seja declarado resolvido o testamento em causa, pelo não cumprimento dos encargos nele impostos; - Em qualquer caso: e) Sejam condenados os Réus a restituir à herança, na pessoa do Autor, todos os bens que compõem a mesma, identificados, designadamente, nos artigos 126, 130, 140 e 147, da petição inicial; f) Seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos efetuados em contrário ou que se mostrem desconformes com o aqui peticionado.
Para tanto, alegou, em síntese, que é irmão do falecido A. M., cujo óbito ocorreu a 14.01.2018. Que o seu irmão outorgou testamento em 10.05.1991 no Cartório Notarial de ..., mas que esse testamento é inválido, porque, por um lado, o testador não tinha o domínio da sua vontade, a qual não declarou e, por outro lado, não foram cumpridas as formalidades aplicáveis na realização desses autos, designadamente, não foi verificada a identidade do testador através de bilhete de identidade, nem se tendo certeza se foi ele quem compareceu no Cartório Notarial, pois que nunca o Autor, nem os seus familiares ouviram falar das testemunhas que ali foram abonadoras, e, para além disso, as testemunhas não foram devidamente identificadas, estando o sobrenome ilegível e a morada incompleta. No que respeita ao conteúdo do testamento, ele encontra-se viciado, uma vez que o testador sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) em 1987 e, desde essa data, ficou dependente de M. L., que era sua empregada, passando a ser uma pessoa sem vontade própria e submissa à sua empregada M. L., a qual, aproveitando-se das limitações de que aquele padecia, passou a controlar-lhe a atividade profissional e a administração dos bens, o que fazia em conjunto e com o auxílio da sua família. Finalmente, alega que, tendo sido onerada no testamento com a realização de encargos, a Ré não cumpriu um único deles, tendo sido o Autor quem suportou as despesas com o funeral do falecido padre, não tendo sequer comparecido ao mesmo. O acervo hereditário do inventariado era composto por dinheiro em contas bancárias, bens imóveis e veículos automóveis, os quais devem ser restituídos ao Autor e demais herdeiros daquele.
Os réus contestaram, excecionando a ilegitimidade do réu marido e alegando que, à luz da lei notarial aplicável à data que o testamento foi celebrado, foram observadas as formalidades legais exigidas para a identificação do testador, das testemunhas e dos peritos médicos. Contestaram, também, por impugnação, alegando que o AVC sofrido pelo testador foi de ligeiríssima expressão, não tendo provocado quaisquer debilidades cognitivas, nem tendo restado com qualquer estado de dependência em relação a M. L., sua empregada e com quem residia, desde o mês de outubro de 1967; por fim, que todos os encargos impostos no testamento foram objeto de cumprimento, com exceção da realização do funeral e do local da sepultura, conforme declaração do testamenteiro nele instituído, sendo que, no que se refere às cerimónias fúnebres e ao cemitério onde foi sepultado, não pôde observá-lo, já que desconhecia a existência do testamento à data do óbito do testador. Mais alegou que, não tendo podido a fiduciária aceitar a herança (por ter pré-falecido ao testador), devolveu-se a mesma a favor da fideicomissária.
O autor respondeu.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo-se proferido despacho saneador, no qual se desatendeu a invocada exceção de ilegitimidade. Foi definido o objeto do litígio e estabeleceram-se os temas da prova.
Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu os réus dos pedidos.
O autor interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: A. Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 640º CPC, consigna-se desde já que a matéria de facto dada como não provada nas alíneas kk) e mm), deveria ter sido dada como provada B. Na sucessão testamentária, diferentemente do que acontece nos atos inter vivos, onde rege o princípio da liberdade de forma, predomina o princípio da solenidade, por cujo enunciado, um ato só produz efeitos quando é realizado em cumprimento às formalidades impostas por lei, para a garantia e validade da declaração de vontade do testador.
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A exigência e observância de formalidades (taxativas) decorre, entre outras, da definição contida no art. 1.729º do Código Civil, ao referir que o testamento é um o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles e que está sujeito às formas previstas no art.º2205 e 2206º CC, sem prejuízo dos requisitos previstos no Código do Notariado.
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Decorre da sentença (art.º 15º) e do próprio testamento que: “Foram testemunhas e simultaneamente abonadoras M. G., casada, residente no Parque Residencial “P.”, nesta vila e M. L., casada, residente na Estrada Nacional número …, nesta vila. Intervieram, como peritos médicos, a pedido do testador, Dra. M. F., residente na freguesia de ..., concelho de Barcelos e Dr. V. J., residente na freguesia de ..., dito concelho de Barcelos, ambos solteiros, maiores, portadores das cédulas profissionais nº .../... e .../..., respetivamente, os quais, sob juramento legal prestado perante mim, abonaram a sanidade mental do testador.” E. Ou seja, temos que a identificação do testador foi efetuada por dois abonadores.
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Ora, a esse respeito, o artigo 48º e 64º do Código do Notariado que o legislador considerou imperioso identificar os abonadores, ou por seu conhecimento pessoal ou por exibição do bilhete de identidade, documento equivalente ou carta de condução ou exibição do passaporte, pelo que a simples menção “dignos de crédito” não era suficiente para a solenidade do ato em causa.
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Sucede que, as pessoas indicadas como testemunhas e simultaneamente abonadoras nem sequer conheciam o testador, sendo apenas, ao que parece, duas funcionárias da Conservatória do Registo Civil de … (cujas instalações ficavam perto do Cartório notarial) a quem costumava ser solicitado que interviessem em determinados atos – neste sentido vide depoimento da testemunha M. L., cujo depoimento foi prestado na sessão de julgamento de 15/4/2021 entre as 15: 41:55 e as 15:58:17 e minuto 2.08 a minuto 3.45 H. O recorrente não pode concordar com as ilações do tribunal para justificar esta omissão, pois apesar de vigorar no nosso regime legal o princípio da livre apreciação da prova, o certo é que, essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera dúvida gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de...
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