Acórdão nº 277/12.9TBALJ-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Dezembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA LUÍSA RAMOS
Data da Resolução16 de Dezembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães M. J. e M. P., credores Reclamantes nos autos de “Reclamação de Créditos” em curso, que correm por apenso aos autos de Execução Comum em que é exequente a “Caixa ..., S.A.” e são Executados/Reclamados J. B. e outros, apresentaram nos autos uma reclamação de créditos pelo valor de € 280.281,63, a qual veio a ser impugnada, a fls.211 e seguintes, pela Exequente Caixa ..., S.A., designadamente, relativamente à existência de um direito de retenção sobre os bens imóveis penhorados nos autos principais de execução (um apartamento destinado a habitação, tipo T3, no 2º andar, e uma loja destinada ao comércio, no rés-do-chão, de edifício então a construir (e ora construído) nos prédios – a que corresponderam as fichas ..., ..., ..., ..., ... e ... / ... – que deram origem (por anexação) ao prédio a que corresponde actualmente a ficha ... / ..., da Conservatória do Registo Predial de ... e o artigo urbano ... desta freguesia, sito entre a Rua ... (fachada principal) e a Rua da ... (fachada traseira) da vila, freguesia e concelho de ....

Alegam os reclamantes, em síntese, que por documentos escritos, denominados “contrato-promessa de compra e venda” outorgados a 19 de Abril de 2002, A. F., declarou prometer vender aos reclamantes M. J. e M. P., e estes por sua vez declararam prometer comprar-lhe, pelos preços respetivamente de €79.808,00 e €37.410,00, um apartamento destinado a habitação, tipo T3, no 2º andar, e uma loja destinada ao comércio, no rés-do-chão, de edifício então a construir (e ora construído) nos prédios – a que corresponderam as fichas ..., ..., ..., ..., ... e ... / ....

Os prédios a que corresponderam as fichas ..., ..., ..., ..., ... e ... /... que deram origem (por anexação) ao prédio a que corresponde encontra-se penhorado nos autos e, actualmente, está inscrito na ficha ... / ..., da Conservatória do Registo Predial de ... e descrito no artigo urbano ... desta freguesia, sito entre a Rua ... e Rua ... (fachada principal) e a Rua da ... (fachada traseira) da vila, freguesia e concelho de ....

Na data da celebração dos contratos-promessa referidos (19/04/2002), os Reclamantes, promitentes-compradores, entregaram ao promitente-vendedor, que recebeu, como sinal e em pagamento integral antecipado do preço combinado pela transmissão das duas referidas partes concretas (destinadas a constituir fracções autónomas) do referido edifício e prédio (destinado a fraccionamento em regime de propriedade horizontal), o valor de €117.218,00 (79.808,00€+37.410,00€).

Após o falecimento de A. F. foi J. B. que prosseguiu os trabalhos de construção do edifício aqui em causa.

Comprometeu-se o mencionado promitente-vendedor a celebrar o contrato prometido até ao dia 15 de Setembro de 2004 – obrigação que não foi cumprida por alegadas dificuldades de licenciamento, pela Câmara Municipal de ..., da utilização do edifício, entretanto construído.

Autorizada a sua construção ainda em 2002, não chegou a ser submetido ao regime da propriedade horizontal e jamais foi licenciada a sua utilização.

Em abril de 2004 o Executado J. B., solicitado para o efeito, entregou aos Reclamantes as chaves das mencionadas partes concretas e fisicamente autonomizadas do imóvel, acima indicadas, e bem assim de acesso à zona comum ZC3.

A partir dessa data só os Reclamantes ficaram com tais chaves das referidas partes concretas (mas sem o exclusivo das de acesso à dita zona comum ZC3), deixando os mencionados e exclusivos sucessores do dito promitente-vendedor de à mesma poder aceder – passando a ser possuída, até à actualidade, pelos ora Reclamantes.

Vêm os ora Reclamantes, desde então, usando as referidas partes concretas como bem entendem, o que vêm fazendo à vista dos executados, de outros possuidores de outras partes concretas do mesmo imóvel, de vizinhos e de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, sem interrupções, com exclusividade, como seus donos e legítimos proprietários, nessa convicção, actuando em conformidade e certos de não estarem a lesar os direitos de ninguém.

Por força da mencionada tradição dessas partes concretas a que se referem os contratos prometidos, gozam os reclamantes do direito de as reter- artº 754º e al.f) do nº1 do artº 755º do C.Civil.

Apesar de diversas interpelações feitas pelos Reclamantes ao 1º executado J. B., as escrituras definitivas de compra-e-venda nunca foram nem puderam ser marcadas.

Assiste aos reclamantes um direito de indemnização correspondente ao dobro do sinal prestado, no valor que se cifra em € 234.436,00, ou, se e quando ocorrer incumprimento definitivo e impossibilidade irreversível de aquisição das partes concretas referidas, ao valor que tiverem nessa data.

Notificada, veio deduzir impugnação a exequente/ Caixa ....

Alega que no processo se encontra apenas penhorado um terreno para construção urbano, o prédio não se encontra dividido em propriedade horizontal e a obra não está licenciada e os credores reclamantes invocam suposta aquisição de duas fracções autónomas que não existem e nem se encontram penhoradas, e, relativamente ao prédio penhorado os reclamantes não detêm qualquer crédito ou direito de retenção nos termos do artº 788º do CPC.

E, conclui dever ser liminarmente indeferida a reclamação de créditos apresentada ou julgada improcedente.

Os Reclamantes apresentaram articulado de resposta, a fls. 225 e sgs., concluindo como no requerimento inicial de Reclamação.

Foi proferido despacho saneador e fixado o “Objecto de Litígio” e “Temas de Prova”.

Realizado o Julgamento veio a ser proferida decisão nos seguintes termos: “Pelo exposto, julga-se reconhecido o crédito reclamado pelos Credores Reclamantes M. J. e M. P. no montante de € 234.436,00, ao qual acrescem juros de mora, vencidos desde 31 de dezembro de 2012 e vincendos até integral pagamento, reconhecendo-se ainda a garantia real reclamada (direito de retenção) sobre as duas frações supra melhor identificadas (apartamento e loja)”.

Inconformada, de tal decisão veio a exequente/Impugnante “Caixa ..., S.A.” interpor recurso de apelação.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes Conclusões: DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO. AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO E REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA.

  1. Vieram os Reclamantes M. J. e M. P. peticionar lhes fosse reconhecido um crédito no montante de € 280.281,63 (duzentos e oitenta mil duzentos e oitenta e um euros e sessenta e três cêntimos), garantido por alegado direito de retenção sobre um apartamento e uma loja do imóvel penhorado à ordem dos presentes autos, sustentando tal pretensão no alegado incumprimento de contratos promessas de compra e venda, correspondendo o valor peticionado ao dobro do sinal alegadamente pago (cfr. artigo 442.º/n.º2 do Código Civil).

  2. Está assim a pretensão dos reclamantes dependente da verificação dos seguintes pressupostos: pagamento de sinal; incumprimento do contrato promessa; tradição da coisa prometida vender a consumidor.

  3. i) No que em especial respeita ao pagamento do sinal o Tribunal a quo deu como provado, no ponto 11) dos factos provados, que “na data da celebração dos contratos-promessa referidos (19/04/2022) em 7), os Reclamantes, promitentes-compradores, entregaram ao promitente-vendedor, que recebeu, como sinal e em pagamento parcial antecipado do preço combinado pela transmissão das duas referidas partes concretas (destinadas a constituir fracções autónomas) do referido edifício e prédio (destinado a fraccionamento em regime de propriedade horizontal), o valor de € 117.218,00 (€ 79.808,00 + € 37.410,00)”.

  4. Na fundamentação da resposta positiva dada à materialidade ora transcrita pode ler-se, na sentença sub iudice, que a convicção do Tribunal recorrido assentou, em exclusivo, nos depoimentos prestados por J. B., aqui executado, por M. P., Credora Reclamante e por S. P., filha dos Reclamantes.

  5. Com todo o respeito, tais depoimentos não se podem ter por suficientes para comprovar a entrega de tão elevado montante a título de sinal, tanto mais que nenhuma das testemunhas demonstrou ter conhecimento directo da factualidade em apreciação, circunstância a que se soma a de serem, todas, claramente interessadas e pouco credíveis.

  6. Quanto à testemunha J. B., aqui executado, revelou apenas ter conhecimento indirecto da materialidade ora em análise, sendo que, precisamente por tal motivo, questionado pelo mandatário dos reclamantes quanto à sua certeza no que respeita ao pagamento do sinal, afirmou apenas não ter “dúvidas nenhumas” do que ele próprio entregou, que foram as chaves.

  7. Como é certo, quanto ao alegado pagamento do sinal não tem certeza alguma, já que o mesmo não lhe terá sido pago a si, baseando a sua razão de ciência “nuns papéis” que o pai tinha, sendo que os mesmos não lhe terão, sequer, permitido precisar qual a quantia alegadamente entregue.

  8. Refira-se, aliás, que tais “papéis” não se acham, sequer, juntos aos autos, desconhecendo-se da sua veracidade, quer no que respeita à respectiva autoria, quer no que respeita ao respectivo conteúdo.

  9. Acresce que, não se pode deixar de apontar alguma inexactidão ao testemunho do executado, que redunda, necessariamente, em falta de credibilidade, pois que, para além do já exposto, questionado quanto ao recebimento de quaisquer quantias por conta dos contratos promessa de que falou afirma “(…)eu nunca recebi dinheiro de ninguém, eu daquele prédio (…)”, sendo certo que a testemunha C. M., afirma ter entregue ao mesmo a quantia de € 12.000,00 ou € 13.000,00 a título de sinal.

  10. Quanto à testemunha S. P., filha dos Reclamantes, com inequívoco interesse no desfecho da acção, não presenciou ou efectuou o pagamento alegadamente efectuado a título de sinal, tendo prestado um depoimento de “ouvir dizer”, o que não lhe permitiu demonstrar qualquer certeza ou razão de ciência, tão pouco, no que respeita ao concreto...

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