Acórdão nº 4928/20.3T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 16 de Dezembro de 2021
Magistrado Responsável | ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA |
Data da Resolução | 16 de Dezembro de 2021 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO
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Os executados F. M. e M. C.
vieram deduzir oposição mediante embargos, por apenso à execução que lhes moveu X S T C, SA, onde concluem entendendo dever a presente oposição ser recebida e, a final, ser julgado procedente, por provado o alegado (nos embargos), devendo a execução ser julgada extinta.
Para tanto alegam, em síntese, que a exequente é parte ilegítima, não estando provada a invocada cessão de créditos, nem a mesma foi comunicada aos embargantes.
A subscritora da livrança, Y – Soluções Informáticas, Unipessoal, Lda, por sentença de 12/10/2009, foi declarada insolvente, pelo que se venceram todas as obrigações contraídas e o crédito prescreveu.
Acresce que a livrança é executada como mero quirógrafo, havendo violação do pacto de preenchimento da livrança que foi entregue assinada em branco pelos embargantes, sendo certo que prescreveu o aval, tendo em conta a data do incumprimento, que coincide com a data de declaração de insolvência da subscritora sociedade, os embargantes não foram interpelados entre a declaração da insolvência e o preenchimento da livrança, o que constitui abuso de direito.
Pela embargada e exequente X S T C, SA, foi apresentada contestação, onde conclui entendendo deverem os embargos ser julgados totalmente improcedentes, por não provados e, em consequência, prosseguir a execução contra os executados, com todas as legais consequências.
Alega, para tanto, em síntese, que constam dos autos documentos que provam a cessão, a qual foi comunicada aos embargantes conforme documentos que junta, não tendo ocorrido a prescrição, a livrança foi preenchida de acordo com o contrato e a convenção de preenchimento, não ocorreu prescrição do aval, tendo em conta a data do preenchimento da livrança e a data de instauração da execução, mais alegando ter agido em exercício legítimo dos seus direitos, inexistindo qualquer abuso.
*B) Foi elaborado saneador-sentença, onde se decidiu julgar totalmente improcedentes os embargos de executado e determinar o prosseguimento da execução.
*C) Inconformados com esta decisão, vieram os executados e embargantes F. M. e M. C. interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 117).
*Nas alegações de recurso dos apelantes F. M. e M. C., são formuladas as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida padece de nulidade nos termos dos artigos 615º nº 1 al. d) e 640º, nº 1 al. b) do CPC porquanto teriam de considerar como provados os seguintes factos que foram alegados pelos embargantes e que não foram impugnados:
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A subscritora da livrança, Y – Soluções Informáticas Unipessoal, Lda. foi declarada insolvente por sentença, já transitada em julgado, proferida em 12/10/2009, conforme documento junto.
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A instituição bancária mutuante, Banco ... S. A., foi citada para aqueles autos de insolvência, conforme documento junto.
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A instituição bancária mutuante não reclamou qualquer crédito nos autos de insolvência da subscritora da livrança.
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A data de vencimento para pagamento da obrigação ocorreu na data da declaração da insolvência da subscritora da livrança, ou seja, em 12/10/2009.
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A data de vencimento de qualquer obrigação ocorre no momento em que a mesma deveria ser cumprida e não o foi, ou seja, quando há falta do seu cumprimento.
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No caso dos autos, mostra-se indiscutido que foi entregue ao Banco ... pela sociedade Y uma “livrança em branco” por si subscrita e avalizada pelos recorrentes.
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Através desta garantia, a entidade bancária, além de poder satisfazer o seu crédito através do património da sociedade, pode, ainda, satisfazê-lo através do património pessoal dos sócios avalistas (cfr. artigos 32º, 47º e 77º, da LULL), aumentando, pois, a garantia patrimonial do seu crédito (artigo 601º, do Cód. Civil).
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Uma livrança em branco corresponde ao documento (sujeito ao modelo normalizado de livrança) que, não contendo todas as menções obrigatórias essenciais previstas nos artigos 1º ou 75º da LULL, possua a assinatura de, pelo menos, um dos signatários cambiários (com consciência e intenção de assumir uma vinculação cambiária), acompanhado de um acordo ou pacto de preenchimento futuro das menções em falta.
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Este pacto de preenchimento pode designar-se como o ato pelo qual as partes no negócio cambiário ajustam os termos ou as condições em que deve vir a ser posteriormente completado o título de crédito, definindo a obrigação cambiária, ou seja as condições relativas ao seu conteúdo, como seja o montante, o vencimento, o lugar de pagamento, etc.
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Quanto a este preenchimento e aos seus termos, o que parece resultar do citado artigo 10º da LULL é que, ainda que o mesmo corresponda ao exercício de um poder atribuído pela LULL ao portador do título a quem o mesmo foi entregue voluntaria e conscientemente incompleto, o exercício desse poder de preenchimento do título há-de ser conforme à vontade que presidiu à assinatura do título em branco, seja essa vontade expressa e corporizada no pacto escrito de preenchimento ou tácita ou implícita.
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Como salienta o Ilustre Professor Ferrer Correia, “ninguém subscreve um documento em branco para que a pessoa a quem o transmite faça dele o uso que lhe aprouver; quem emite uma letra ou livrança em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher sob certos e determinados termos”.
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O que releva, assim, para efeitos de se poder afirmar que a autorização para o preenchimento foi dada é, segundo cremos, que o interveniente que assinou um título em branco tenha ou deva ter a consciência de aquele documento que assinou (como subscritor ou avalista) se destina a assegurar o cumprimento de uma obrigação pecuniária, que em algum momento a pessoa que o recebeu poderá estar em condições de exigir esse cumprimento e poderá preencher o título para essa finalidade e nos termos dessa finalidade.
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Ora, o artigo 91º do CIRE determina que a declaração de insolvência gera o vencimento antecipado das obrigações da insolvente, no caso, a subscritora da livrança.
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Este é o entendimento que se afigura conforme à Lei (artº 91º do CIRE) e que, além do mais, acautela a posição dos avalistas, que gozam de um prazo legal mais curto (3 anos) para invocar a prescrição da ação cambiária em contraponto com o prazo geral de 20 anos da prescrição ordinária.
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O vencimento antecipado das obrigações do insolvente determinado pelo art 91º do CIRE não pode ser afastado pela vontade das partes ainda que contratualmente as partes o tenham convencionado.
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A decorrência da imperatividade do vencimento antecipado da obrigação, implica que a data em que tal venha a acontecer se transfere para a data de vencimento da obrigação cambiária, não podendo ser afastada pelo convencionado no pacto de preenchimento.
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Só assim se cumpre com a Lei e se salvaguarda a posição do avalista que se não for acionado cambiariamente nos 3 anos seguintes ao vencimento da obrigação pode opor a prescrição, nos termos do art 70º da LULL.
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Assim sendo, a data de declaração de insolvência da Y – 12/10/2009 - projeta-se/transporta-se de imediato para a data de vencimento do título cambiário.
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Tal está em conformidade com o direito cambiário que, no art 43º da LULL, estabelece que a declaração de insolvência confere ao portador da letra o poder de exercer de imediato os seus direitos cambiários contra todos os obrigados cambiários – conforme art 43º e 44º LULL, aplicáveis à livrança por força do 77º LULL.
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E sendo “o dador de aval responsável da mesma forma que a pessoa por ele afiançada” (artº 32º LULL), não pode deixar de se considerar que o avalista está na mesma posição que o avalizado (subscritor da livrança), sendo que o disposto nos artº 70º e 32º LULL se aplica à livrança por força do artº 77º primeiro e último parágrafos da LULL.
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Assim, não...
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