Acórdão nº 759/19.1T8PTL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelLÍGIA VENADE
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I RELATÓRIO.

  1. L. intentou contra H. A. processo especial para prestação de contas.

    Alega, para tanto e em súmula que: o Autor é filho de J. L. e M. P., falecidos nas datas de 9 de maio de 2010 e 31 de julho de 2012, respetivamente, e irmão da ré e de A. P.; A. P. cedeu à ré o seu quinhão hereditário. Corre termos desde 21-05-2013, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo Local Cível de Ponte de Lima, sob o n.º 518/13.5TBPTL, processo de inventário nos quais a aqui ré foi designada como cabeça-de-casal. No âmbito desse processo, foram arroladas contas bancárias tituladas pelos falecidos e que se encontravam também associadas à titularidade da ré. Apurou-se no decorrer do processo, e não obstante a ré não ter elencado tais elementos na relação de bens apresentada, que a ré era cotitular das contas que discrimina, na proporção de 1/3, juntamente com os “de cujus”.

    Sucede que os falecidos eram detentores de valores avultados, investimentos e produtos financeiros, os quais não constam das contas, já que os respetivos valores se foram dissipando entre 2001 e 2004.

    Nos últimos anos de vida, J. L. encontrava-se acamado devido ao seu estado de saúde débil e, por isso, estava impossibilitado de gerir e movimentar as contas das quais era cotitular; M. P. também não movimentava as contas bancárias, nem sabia fazê-lo; já depois da sua morte, as contas continuaram a ser movimentadas, pelo que nunca poderia ter sido esta a fazê-lo. É notório que quem geria e movimentava as contas bancárias, tendo em conta a situação precária de saúde e a idade avançada dos “de cujus”, era a Ré. Aliás, não poderia ser outra a finalidade da sua contitularidade, que não o encargo de movimentação bancária em forma de auxílio aos “de cujus”. Ao atuar dessa forma, a ré exercia funções de administradora de bens alheios, ou, pelo menos, de bens próprios e alheios. E, no exercício dessa mesma função, a ré, na qualidade de cotitular daquelas contas, realizou movimentos bancários relativos a saldos que não lhe pertenciam.

    Após a data do óbito do primeiro “de cujus”, no período compreendido entre 2010 e 2012, o saldo da conta bancária n.º .......10.001 é maioritariamente relativo a prestações do Centro Nacional de Pensões, ou seja, os proventos daquela conta pertenciam exclusivamente aos “de cujus”. O mesmo é dizer que, o dinheiro dos depósitos provinha da sua exclusiva propriedade.

    Na conta bancária n.º .......10.001, sedeada no Banco ..., foram efetuados, pelo menos, os levantamentos indicados sob a epígrafe “cheque de caixa”, “transferência” e “levantamento”, de valores consideravelmente elevados, que descreve.

    Após a morte da Ex.ª Sr.ª M. P., a conta bancária n.º ...... continuou a ser movimentada, possuindo na data de 10-08-2012 um saldo de 947,45€ e, à data de encerramento, a saber, 08-04-2013, um saldo de 0,00€.

    Nesse período a ré já exercia funções de cabeça-de-casal de facto, pelo que, não só movimentou as contas bancárias como administradora de bens alheios em vida dos “de cujus”, mas também já na qualidade de cabeça-de-casal, após a morte da Ex.ª Sr.ª M. P..

    Termina pedindo que: -se ordene a citação da Ré para os efeitos previstos no artº. 942º e segs. do CPC, designadamente para, no prazo de 30 dias, apresentar as respetivas contas ou contestar a presente ação, sob a cominação de não poder deduzir oposição às contas que o Autor apresente; -se condene a Ré ao pagamento do saldo que, nesse âmbito, venha a apurar-se.

    *Contestou a ação a ré, por exceção invocando “erro no meio processual utilizado” e litispendência, e por impugnação. Pediu a condenação do requerente como litigante de má-fé.

    *Foi consultado pelo Tribunal “a quo” o processo de inventário com o nº. 518/13.5TBPTL*Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido. Mais foram imputadas as custas da ação ao autor e fixado o valor da ação em € 194.808,83.

    *Inconformado, o autor interpôs recurso apresentando as suas alegações que terminam com as seguintes -CONCLUSÕES-(que se reproduzem) “I. Destina-se o presente recurso a impugnar a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, que judiciou totalmente improcedente a ação de prestação de contas proposta, absolvendo a Ré do pedido, com a qual não se conforma o aqui Apelante, tendo o presente recurso por objeto a sentença in totum.

    II. Salvo o devido respeito por mais douto entendimento, mal andou o Mma. Juiz a quo na decisão proferida, mormente na subsunção jurídica da factualidade apurada nos autos, o que conduziu à prolação da decisão de que ora se recorre, estando o Apelante convicto de que Vossas Excelências, subsumindo a factualidade resultante dos autos, em confrontação com o disposto nas normas jurídicas aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de revogar a decisão recorrida e de a substituir por uma que julgue procedente a ação de prestação de contas proposta, decidindo pela obrigação de prestar contas da Ré, ou, caso assim não se entenda, determine a produção de melhor prova ao abrigo do artigo 942.º n.º 3 e 294.º e 295.º do CPC.

    Primórdios: III. Por decisão proferida na pretérita data de 08-01-2020, decidiu o Mmo. Juiz a quo julgar totalmente improcedente a ação de prestação de contas proposta, decidindo pela inexistência da obrigação de prestação de contas e pela absolvição da Ré do pedido. Ora, salvo devido respeito, que é muito, por superior e melhor entendimento, discorda o Apelante de tal decisão.

    Senão vejamos, IV. O aqui Apelante propôs, na pretérita data de 10-10-2019, ação especial de prestação de contas contra a aqui Apelada, na qualidade de herdeiro dos de cujus J. L. e M. P., requerendo a prestação de contas da Apelada, porquanto a mesma, conforme resultou apurado no processo de inventário que sob o n.º 518/13.5TBPTL corre os seus termos junto do T.J.C. Viana do Castelo- Juízo Local Cível de Ponte de Lima, era co-titular de contas bancárias detidas pelos de cujus, gerindo-as e movimentando-as na qualidade de administradora desses bens dos de cujus, tendo realizado movimentos bancários indevidos, na ordem dos milhares de euros, desconhecendo-se o paradeiro desses montantes. Mais alegou que, após a morte da de cujus M. P., as contas bancárias continuaram a ser movimentadas no período em que a aqui Apelada já detinha a qualidade de cabeça-de-casal de facto.

    V. Notificada para contestar, a Apelada defendeu-se por exceção, alegando o erro no meio processual utilizado, litispendência e pedido de condenação em litigância de má-fé, e por impugnação por desconhecimento e/ou falsidade de toda a matéria exceto a elencada nos pontos 1.º a 7,º, 10.º, 11.º e 29.º da petição inicial, trazendo aos autos uma versão desvirtuada dos factos em apreço, sem se alongar nas justificações.

    VI. Nessa sequência, proferiu o Mmo. Juiz a quo sentença, na qual determinou o seguinte: “(…) O tribunal é competente. As partes são legítimas e estão devidamente representadas. (….) Perante a factualidade alegada na petição inicial (aquela que se obtém uma vez expurgado tudo o que é alegado de forma conclusiva, imprecisa ou, até, no condicional), no essencial toda ela contestada, impõe-se determinar se está ou não a ré obrigada a prestar as contas pretendidas (artigo 942.º, 3 do CPC). Adianta-se desde já que se crê que não. E por várias razões: A primeira: o autor assenta a pretensão de exigir contas da ré no disposto no artigo 573.º do Código Civil (doravante CC) e na circunstância de ser herdeiro dos falecidos, tendo por isso direito a obter informações sobre o seu património (artigos 39.º e 40.º da petição inicial). Ora, não se discute que na base do direito de exigir de outrem contas se encontra o disposto no artigo 573.º do CC. Todavia, o âmbito da obrigação de prestar contas é muito mais restrito do que o da obrigação de informação. (….) Sucede que o autor não é titular de qualquer direito que importe o pagamento de qualquer quantia por parte da ré. (….) A segunda razão, que é consequência imediata da que acabou de se expor: o autor, na qualidade de herdeiro dos falecidos (e dando de barato a existência da invocada administração de bens dos entretanto falecidos, mas em vida destes, pela ré) não tem, sozinho, invocando a sua posição sucessória dos falecidos, direito a exigir de qualquer outra herdeira – concretamente da ré – a prestação de quaisquer contas. Trata-se de direito que apenas poderia ser exercido conjuntamente por todos os herdeiros. Por autora e ré, portanto. Nunca pelo autor contra a ré (artigo 2091.º, 1 do CC). O autor não tem uma posição sucessória diversa da ré ao ponto de lhe poder exigir, em representação isolada dos falecidos, a prestação de quaisquer contas. Terceira razão: do teor da petição inicial resulta ser evidente que o autor pretende com a presente ação uma de duas coisas: ou descobrir doações dos seus pais à ré que porventura possam estar sujeitas à colação ou descobrir um eventual furto ou abuso de confiança por parte da ré justificativo do aumento da massa de bens deixada em herança. O autor tem, naturalmente, direito a demonstrar uma ou ambas (daí que não se creia haver aqui litispendência). Mas tem precisamente que o alegar e demonstrar, quer por via da ação comum, quer por via da ação de petição da herança. Mas a descoberta de bens doados pelos falecidos à ré ou a descoberta de bens apropriados ilegitimamente pela ré não constitui nunca objeto da ação da prestação de contas (cfr, artigo 941.º do Código do Processo Civil). A quarta razão: o direito de exigir a prestação de contas da ré (e dando de barato que a cargo desta caberia o dever de prestar) não está minimamente circunstanciado. (….) Mas mais: pretende o autor a “prestação de contas” relativa à movimentação de contas bancárias que identifica (ainda que a forma genérica como o pedido está apresentado – “apresentar as respetivas contas” – nem isso permita...

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