Acórdão nº 4460/19.8T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOAQUIM BOAVIDA
Data da Resolução30 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1): I – Relatório 1.1. C. R.

intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X – Companhia de Seguros, SA, pedindo a condenação desta: «(i) no pagamento da quantia liquida de € 29.608,40 (vinte e nove mil, seiscentos e oito euros e quarenta e cêntimos) relativa aos prejuízos sofridos em resultado do acidente dos autos, e conhecidos neste momento, (ii) e ainda em quantia a liquidar futuramente, seja em incidente de liquidação, seja em articulado de ampliação do pedido, seja ainda em liquidação por execução de sentença: a. pelas despesas com os tratamentos a realizar, com os medicamentos a tomar, de deslocação; b. para além da indemnização (ilíquida) que for devida em resultado da desvalorização funcional (Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-psíquica), a qual está naturalmente dependente de avaliação médico-legal, quer a título de dano não patrimonial, quer a título de dano biológico, quer ainda a título de dano patrimonial futuro, quer de perda de capacidade de ganho; c. quer ainda da indemnização que seja devida pela necessidade de acompanhamento medico e medicamentoso, e tratamentos, no futuro, para alem das deslocações e ainda perdas salariais, tudo acrescido de juros a taxa legal supletiva calculados desde a citação».

Para o efeito, alegou ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais em consequência do acidente de viação que descreve, cuja ocorrência imputa à conduta culposa do condutor do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula CA, cuja responsabilidade civil por danos causados a terceiros com o referido veículo se encontrava transferida para a Ré seguradora.

*A Ré contestou, aceitando a dinâmica do acidente descrita na petição inicial, exceptuando a velocidade imprimida ao veículo CA, impugnando a matéria relativa às consequências do evento e alegando que a Autora contribuiu para os danos que alega ter sofrido por não usar cinto de segurança no momento do embate.

*No decurso da acção, a Autora ampliou o pedido, solicitando que ao valor inicial acresça a quantia global de € 60.617,97.

*1.2.

Proferido despacho-saneador, definiu-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.

Realizada a audiência final, proferiu-se sentença a «julga[r] a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condena[r] a ré X – Companhia de Seguros, S.A. a pagar à autora C. R.: 1. A quantia de € 32,680,40, acrescida os juros de mora, à taxa legal de 4%, contados: - Desde a data da presente sentença no que respeita ao valor de € 14.000,00; - Desde a data da notificação da ré para o segundo incidente de liquidação no que respeita ao valor de € 90,00; - Desde a data da notificação da ré para o primeiro incidente de liquidação no que respeita ao valor de € 395,01; - Desde a citação para esta acção no que respeita ao valor de € 18.195,39.

  1. A quantia que se vier a liquidar posteriormente relativamente ao custo da colocação de coroas fixas em zircónio nos dentes 21 e 22».

    *1.3.

    Inconformada, a Autora interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1. A recorrente não pode conformar-se com a sentença proferida pelo tribunal da 1.ª instância, ao decidir como decidiu, motivo porque interpõe o presente recurso, discordando do quantum indemnizatório atribuído a título de danos patrimoniais e de danos não patrimoniais, os quais pecam por defeito.

    QUANTO AO DANO BIOLÓGICO: 2. Um dos casos mais frequentes a que o tribunal tem de atender a danos futuros é o que se verifica no caso de lesões que atingem a capacidade física do lesado.

  2. O que está aqui em causa não é o sofrimento ou a deformação corporal em si, mas antes a impossibilidade de utilizar o seu corpo de forma absoluta.

  3. No caso dos autos há a considerar como dano futuro o dano biológico, já que a afectação da sua potencialidade física determina uma irreversível perda de faculdades da A..

  4. O Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-psíquica de quatro pontos de que a A. ficou a padecer é pois um dano corporal, o chamado dano biológico, consistindo este “na diminuição ou lesão da integridade psico-física da pessoa, em si e por si considerada, e incidindo sobre o valor homem em toda a sua concreta dimensão” (João António Álvaro Dias, “Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios”, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 2001, página 272).

  5. Não pode oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial.

  6. Ora, o dano biológico é um dano autónomo tout court. É fácil de ver que o dano biológico consiste na perda genérica de potencialidades funcionais e deve, por isso, ser autonomizado, perspectivado e satisfeito.

  7. O Tribunal a quo, incluiu o Dano Biológico na vertente de dano patrimonial, o que, com o devido respeito, que é muito, não o deveria ter feito, uma vez que este dano, como supra se referiu, deve ser autonomizado.

  8. Com efeito, a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”.

  9. Assim, será devida uma quantia a título de dano biológico, quantia essa que nunca poderá ser inferior a € 20.000,00.

  10. Caso assim não se entenda, e se entenda que o Dano Biológico se deverá incluir nos danos patrimoniais ou nos danos não patrimoniais, deverá essa quantia ser aumentada nos referidos € 20.000,00.

    QUANTO AOS DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS: 12. A sentença recorrida atribuiu, a este título, a quantia de € 15.000,00, embora, como já se referiu, resulte que tal valor compreenderá ainda uma indemnização pelo dano biológico.

  11. A recorrente não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a este título.

  12. No cálculo dos danos patrimoniais futuros decorrentes da perda da capacidade de ganho, deverá considerar-se a produção de um rendimento durante o tempo de vida previsível da vítima, adequado ao que auferiria se não fosse a lesão correspondente ao grau de incapacidade, e adequado a repor a perda sofrida.

  13. Isto implica tomar em linha de conta a idade do lesado ao tempo do acidente, a esperança média de vida (apurada de acordo com os dados estatísticos disponíveis), os rendimentos auferidos ao longo desta, os encargos, o grau de incapacidade, e todos os outros elementos atendíveis.

  14. A título de indemnização pelo dano patrimonial futuro, atendendo a: a. que antes do acidente era saudável; b. a sua idade (26 anos); c. a incapacidade de que ficou a padecer: geral de 04,00 pontos, d. o seu rendimento anual de, pelo menos, € 7.798,00; e. que a taxa de juro do capital produtor de rendimento já é inferior a 2% ao ano, com tendência para baixar ainda mais, até se situar nos 1% ao ano (e quanto menor for a taxa de juro, maior terá de ser o capital produtor de rendimento para proporcionar a mesma renda mensal) e, f. que está unanimemente aceite que o limite de idade activa se cifra nos 83,51 anos para as mulheres (segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, “Estatísticas Demográficas”, com tendência para aumentar até pelo aumento da longevidade da vida a nível europeu, 17. será sempre devida uma indemnização na ordem dos € 20.000,00 (vinte mil euros).

  15. Este valor foi encontrado recorrendo a juízos de verosimilhança e de probabilidade, partindo da situação concreta e das suas especificidades próprias e seguindo trilhos de normalidade que somos impelidos, na busca do quantum respondeatur, a socorrer-nos de critério que arranca da ideia segundo a qual essa indemnização deve consistir na atribuição de uma quantia em dinheiro que elimine a sua perda patrimonial, alcançando tal objectivo com a atribuição de uma quantia em dinheiro que produz o rendimento mensal perdido mas que, ao mesmo tempo, lhe não propicie um enriquecimento ilegítimo, sendo necessário para tal que na data final do período considerado, se ache esgotada a quantia atribuída, mas que tem em conta o factos de os rendimentos futuros tenderem a subir em função não só da inflação, da taxa de juros, mas também em virtude de ganhos na produtividade e progressões na carreira – cfr. Ac. da RC de 4/4795, in CJ, não XX, Tomo II, pág. 23, e Ac. do STJ de 4/2/93, in CJ, Acórdãos dos STJ, ano I, tomo I, pág. 128 e ss, e de 5/5/94, in CJ, Acórdãos do STJ, Ano II, pág. 86 e ss., 19. apoiando-se tanto em tabelas financeiras como em fórmulas matemáticas como meio de mais facilmente se obter um valor equitativo e equilibrado da indemnização por danos futuros (O critério de cálculo com recurso a tabelas financeiras é uma das várias fórmulas de se obter o valor da indemnização por danos futuros, embora esta deva ser sempre temperada segundo o prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade (art.ºs 564.º n.º2, 566.º n.º3, e 496.º n.º 3 do Código Civil).

  16. Há que considerar ainda a evolução da esperança média de vida à nascença em Portugal, a qual, de acordo com os mais recentes dados estatísticos revelados pelo I.N.E., se situa em 80,93 anos, sendo 77,95 anos para os homens e 83,51 anos para as mulheres, o que nos permite considerar como equilibrado, tendo em conta o cada vez maior avanço da medicina, um limite temporal provável de vida activa do lesado nos 70 anos de idade, no seguimento, aliás, de entendimento jurisprudencial que vem sendo ultimamente seguido (veja-se por todos, os Acs. da R.P. de 11/04/2000, 30/01/2001, 31/10/2001 e 28/11/2001, sumariados em www.dgsi.pt/jtrp.nsf, e mais recentemente o Ac. da R.P. de 22/01/2004, publicado no mesmo sítio) e até em face das actuais tendências de política legislativa ao nível da fixação do termo da vida profissional activa.

  17. Finalmente, há que tomar em consideração igualmente, como o exige o recurso à equidade, outros factores (imponderáveis) como a incerteza sobre as alterações ao estado de saúde em cada...

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