Acórdão nº 1620/03 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29 de Outubro de 2003

Magistrado ResponsávelMANSO RAÍNHO
Data da Resolução29 de Outubro de 2003
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência na secção cível da Relação de Guimarães: A e Junta de Freguesia de T, intentaram, pelo tribunal da comarca de Barcelos, providência cautelar inominada, complementada pela acção popular, contra "E, Lda", pedindo, sob a invocação de violação de interesses difusos, que esta fosse proibida ou impedida de proceder à abertura ou iniciar a laboração da tinturaria que pretende explorar e que lhe seja imposta a abstenção de desenvolvimento de qualquer actividade de tinturaria têxtil ou similar na área supra apontada.

Alegaram para o efeito, em síntese, que o processo camarário com vista à obtenção do licenciamento da unidade industrial da requerida enferma de grosseiras violações legais que inviabilizam a concessão do referido licenciamento, além de que a sua laboração irá atingir o direito à saúde pública, qualidade de vida ambiental e preservação do património da população de T.

Foi ouvida a requerida, que concluiu pelo indeferimento da providência.

A final foi proferida decisão a indeferir a providência.

A requerente Junta de Freguesia de T desistiu do pedido, desistência que foi julgada válida.

Inconformado com a decisão que indeferiu a providência, interpôs o requerente A o presente agravo.

Da respectiva alegação extrai as seguintes conclusões: a) - Vem o presente recurso da douta sentença proferida que indeferiu a providência.

  1. - Está provado que o ruído emitido por máquinas a partir da unidade fabril da Requerida excede o máximo permitido por lei em 2 a 3 dB, de acordo com a legislação posterior ao seu início de laboração.

  2. - Está ainda demonstrado que o ruído perturba os habitantes das moradias que confrontam com as instalações da Requerida, impedindo-os de dormirem e descansarem durante a noite.

  3. - Face a esta prova, é entendimento do Recorrente que a decisão do Tribunal à quo viola os artigos 3° e 25°, nº1 da Declaração Universal do Direitos do Homem, os artigos 65°, 66° e 67° da Constituição da República Portuguesa, os artigos 70°, 1346°, 1347° e 325° do Código Civil, bem como a lei que regulamenta a emissão de ruídos.

  4. - O ruído é emitido pela Requerida durante o dia e durante a noite.

  5. - Esse ruído perturba os habitantes das moradias que confrontam com as instalações da Requerida, impedindo-os de dormirem e descansarem durante a noite.

  6. - Porem, apesar destes factos, entendeu o Tribunal à quo que devem os moradores continuar sem dormir e sem possibilidade de repouso. a bem da facturação da Requerida, invocando-se um interesse (do nosso ponto de vista oco) de manutenção de postos de trabalho para justificar a improcedência do requerimento.

  7. - No entanto, nestes autos não estão em causa os eventuais interesses dos trabalhadores da E, Lda.

    I -.A manutenção dos postos de trabalho não se pode fazer à custa do sacrifício, dos interesses e direitos difusos de quem vive e sempre viveu na área circundante as instalações da Requerida.

  8. - Resulta assim dos autos, que existe um conflito entre o direito de personalidade dos moradores e o interesse da Requerida na obtenção do lucro económico.

  9. - Neste conflito os direitos em confronto são desiguais uma vez que os dos moradores são direitos que têm a ver com a ,sua personalidade moral, enquanto os da Requerida se conexionam com a sua actividade económica e lucrativa; m) - Antes mesmo da laboração da E, Lda, já os moradores tinham residência no local. Já os moradores lá viviam em habitações devidamente licenciadas e servida de rede eléctrica, acessos e outras infra-estruturas.

  10. - É entendimento do Agravante que, nos termos do artigo 335°, n ° 2 do C. Civil, o Tribunal à quo devesse ter dado prevalência aos direitos e interesses difusos do Agravante; o) - Por outro lado, nenhum licenciamento administrativo tem o condão de legalizar a ofenda a direitos básicos de personalidade, sob pena de a definição do direito ficar confiada à opção de qualquer agente administrativo.

  11. - No caso presente é fora de dúvida que o direito ao repouso e ao descanso foi e continua a ser objecto de violação com relação aos moradores, pois, é de todo insustentável legalmente o provocarem com o , funcionamento da empresa ruído de tal ordem que impede os moradores de dormirem.

  12. - Lendo o trecho do depoimento da Testemunha S, morador no local, verifica-se a situação dramática e desesperante dos residentes naquele local, que alem de recorrerem já a tratamento médico em resultado da emissão de ruídos, procuram já vender as suas habitações e sair do local onde nasceram e sempre viveram; r) - A decisão do Tribunal à quo constitui um esmagamento absoluto e total dos mais elementares direitos de personalidade (adquiridos) dos moradores do lugar da C, da freguesia de T, do concelho de Barcelos, que esta acção para defesa de interesses difusos procura acautelar.

  13. - E o poderio económico da Requerida, ante a pequenez dos moradores, alastra como uma mancha que tudo seca por onde passa, em especial os elementares direitos de personalidade do Agravante; t) - Não tinha a Requerida a obrigação de saber antes de laborar que lhe assistia a obrigação de respeitar os direitos de personalidade dos moradores? u) - Desprezando tal acautelamento, e perante o facto consumado da laboração e da existência dos postos de trabalho, devem vingar os interesses económicos da Requerida.

  14. - Face ao teor dos autos, é indubitável que o Tribunal à quo, ao julgar como julgou, violou as normas referidas na alínea b) destas conclusões, bem como fez um interpretação incorrecta das mesmas.

  15. - Existe ainda prova que com o inicio da captação maciça de água por parte da Requerida verificou-se a diminuição do caudal da água do rego do Campo de Barreiros e secou um poço situado a 100 metros das instalações da...

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