Acórdão nº PROC. Nº 1405/14.5TBVCD.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28 de Setembro de 2017
Magistrado Responsável | RAQUEL BAPTISTA TAVARES |
Data da Resolução | 28 de Setembro de 2017 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório “F - COOPERATIVA AGRÍCOLA E DOS PRODUTORES DE LEITE” E “A - UNIÃO DAS COOPERATIVAS DE PRODUTORES DE LEITE” intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra R. R. E “R. R., UNIPESSOAL, LDA.” pedindo que estas sejam condenadas a pagar a quantia de €1.646,26, quanto à Autora “F - COOPERATIVA AGRIÍCOLA E DOS PRODUTORES DE LEITE”, e a quantia de €18.569,76, quanto à Autora “A - UNIÃO DAS COOPERATIVAS DE PRODUTORES DE LEITE”, acrescidas de juros de mora desde a citação.
Para tanto e em síntese, alegaram que celebraram com a Ré R. R. um contrato pelo qual esta última se obrigou a vender leite cru à Autora “F - COOPERATIVA AGRIÍCOLA E DOS PRODUTORES DE LEITE”, que, posteriormente, aquela Ré cedeu a sua posição contratual à Ré “R. R. Unipessoal, Lda.”, tendo as Autoras aceite tal cessão.
Que após, em 3 de Julho de 2013, a Ré “R. R. Unipessoal, Lda.” deixou de vender leite às Autoras tendo passado a fazê-lo a terceira entidade e perante tal incumprimento, defendem as Autoras que as Rés ficaram obrigadas, tal como contratualmente previsto, a indemnizá-las pelos prejuízos daí emergentes até ao termo do prazo contratual em curso (ou seja, até 31/07/2015), consubstanciando-se os prejuízos no lucro que as Autoras deixaram de auferir, por força do impedimento na venda do leite fornecido pelas Rés, sendo que tais prejuízos ascenderão a €1.646,26, quanto à Autora “F - COOPERATIVA AGRIÍCOLA E DOS PRODUTORES DE LEITE”, e a €18.569,76, quanto à Autora “A - UNIÃO DAS COOPERATIVAS DE PRODUTORES DE LEITE”.
As Rés contestaram, invocando a Ré R. R. a sua ilegitimidade tendo em conta a invocada cessão da sua posição no contrato.
As Rés invocaram a nulidade do contrato, por ser contrário à lei, uma vez que a compradora do leite, a Autora “F - COOPERATIVA AGRIÍCOLA E DOS PRODUTORES DE LEITE”, não se encontra administrativamente autorizada a tal e disseram ainda que, a ter sido celebrado contrato de compra e venda de leite entre a Ré R. R. e a Autora “A - UNIÃO DAS COOPERATIVAS DE PRODUTORES DE LEITE”, o mesmo seria meramente verbal, impugnando também a alegada cessão da posição contratual, referindo ter ocorrido uma simples transmissão de quota leiteira e respectiva exploração agrícola da 1ª para a 2ª Ré.
Mais alegaram que se assim não se entendesse, a cessão da posição contratual sempre acarretaria a cessação do anterior contrato e a celebração de um novo e que com a entrada em vigor do DL 42/2013, de 22/3, o contrato passou a estar sujeito à forma escrita, e um dos elementos essenciais que dele deve constar refere-se ao preço (referência esta omissa no contrato em análise), pelo que o contrato sempre seria nulo, por vício de forma, nos termos do artigo 220º do Código Civil.
Assim, pugnaram as Rés pela improcedência do pedido contra elas formulado.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador que julgou verificada a excepção de ilegitimidade passiva relativamente à 1ª Ré R. R., tendo a mesma sido absolvida da instância.
Prosseguindo os autos com vista à apreciação dos pedidos formulados contra a 2ª Ré foi proferido despacho identificado o objecto do litigio e enunciando os temas da prova, o qual não mereceu qualquer reparo.
Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva, que se transcreve: “Pelo exposto, julgo improcedente a presente acção e, em consequência, absolvo a R. “R. R., Unipessoal, Lda.” dos pedidos formulados pelas AA. “F - COOPERATIVA AGRIÍCOLA E DOS PRODUTORES DE LEITE” e “A - UNIÃO DAS COOPERATIVAS DE PRODUTORES DE LEITE”. Estando em causa uma situação de coligação de autores, as custas ficam a cargo das AA., individualmente, tendo em conta o valor do pedido formulado por cada uma delas (arts. 527º, nºs. 1 e 2, e 528º, nº 4, do CPC). Registe e notifique”.
Inconformadas, apelaram as Autoras da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: I) O contrato de compra e venda de leite cru, celebrado entre a Ré, 1ª A e 2ª A (tripartido), cumpre com toda a legislação em vigor à data da sua celebração.
II) Desde a celebração que a 2ª A encontra-se inscrita como compradora de leite cru de vaca junto das entidades competentes, nomeadamente o INGA; III) Tendo por base o requerimento subscrito pela Ré, que instruiu o pedido de transferência de comprador junto do INGA (prévio à celebração do contrato), previamente à celebração do contrato a 2ª A assumiu a qualidade de compradora, independentemente do que consta do mesmo.
IV) A 1ª A assumiu sempre a qualidade de intermediário do negócio, cujo registo inexiste à data da celebração do contrato; V) Atento o exposto, nunca poderá ser considerado o contrato nulo por não ser sido celebrado com um comprador registado junto do INGA; VI) Acresce que, a eventual falta de registo como comprador encontra-se sancionada como contra-ordenação, motivo pelo qual, o legislador previu outra sanção ao referido incumprimento, não se podendo assim aplicar o instituto da nulidade do contrato previsto no art. 294º do C.C., nos termos da sua segunda parte; VII) De realçar que, o contrato sempre foi aceite pelos contraentes e sempre foi cumprido nos seus precisos termos e condições, por todas as partes, ao longo de mais de 10 anos; VIII) É um claro abuso de direito requerer e ver reconhecida a nulidade do contrato com o único intuito de evitar uma indemnização às contraentes cumpridoras; IX) Contrariamente ao plasmado na sentença do Tribunal a quo, analisado o DL 240/2002 verifica-se que não estamos perante um normativo com relevante interesse social que pretenda regulamentar o processo de recolha e tratamento de leite e inerente saúde pública; X) Estamos perante um normativo que tem como intuito regular a oferta e procura da produção de leite no mercado nacional, na sequência da transposição de directivas comunitárias, motivo pelo qual não pode ser considerada uma norma de carácter imperativo e cujo incumprimento é sancionado com a nulidade do contrato nos termos previstos no 294º do CC; XI) Cominar ainda o contrato como nulo por falta dos elementos essências previstos no DL 43/2013 não só não corresponde à realidade, como é descabido; XII) O Contrato objecto dos autos cumpre com a legislação em vigor; XIII) Se porventura se aceitasse a falta de algum elemento, tal apenas poderia acarretar uma contraordenação por se tratar de uma irregularidade; XIV) Os elementos essenciais (preço, volume e forma de pagamento) encontram-se plasmados no contrato; Sem prescindir XV) Sempre foi vontade da Ré vender o leite da sua exploração à 2ª A que por sua vez sempre pretendeu adquirir e o contrato sempre foi cumprido pelas contraentes nos seus precisos termos e condições; XVI) É razoável assumir que as partes admitem a conversão do contrato objecto dos autos num outro, que partilhe com aquele as mesmas características essenciais, de substância e de forma: mesmo objecto (compra e venda de leite cru de vaca), as mesmas obrigações principais (quantidade de venda, preço estabelecido de acordo com a tabela de leite ao produtor da A - UNIÃO DAS COOPERATIVAS DE PRODUTORES DE LEITE, forma processo e meio de pagamento, etc) e sujeito a forma escrita.
XVII) A ser entendido como nulo, deve ser convertido num contrato com o mesmo objecto, condições e forma, solução que tem assentimento no artigo 293.º do Código Civil e que deve ser tida em consideração nesta sede recursal.
XVIII) Finalmente, com a celebração do contrato objecto dos autos foi acordado um vínculo tripartido relativamente à compra e venda de leite cru de vaca, com obrigações assumidas por todas as partes contratantes; XIX) O incumprimento do referido vínculo contratual terá que resultar numa indemnização às partes cumpridores, por parte da contraente incumpridora, que neste caso foi a Ré.
XX) A sentença que pôs termo ao processo violou, entre outros, o disposto no artigo 293º, 294º do C.C., 20º do DL 240/2002, art.º 8º nº 1 do DL 43/2013.
Pugnam as Recorrentes pela integral procedência do recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida e a condenação da Ré no peticionado pelas Autoras.
A Ré R. R., UNIPESSOAL, LDA. contra alegou pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
***II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelas Recorrentes, são as seguintes: 1. Saber se o contrato é nulo por ter sido celebrado contra disposição legal imperativa; 2. Saber se, verificando-se a nulidade do contrato, é possível proceder à sua conversão; 3. Saber se existe abuso de direito na invocação da nulidade do contrato.
***III. FUNDAMENTAÇÃO 3.1.Os factos Factos considerados provados em Primeira Instância: 1) A constituição da 2ª A. “A - UNIÃO DAS COOPERATIVAS DE PRODUTORES DE LEITE” teve na sua génese um grupo alargado de Cooperativas de produtores de leite, com o objectivo primordial de unir sinergias para uma melhor e mais eficaz gestão de toda a fileira do leite visando a protecção dos interesses do produtor.
2) O intuito foi criar dimensão suficiente numa União de Cooperativas (a “A - UNIÃO DAS COOPERATIVAS DE PRODUTORES DE LEITE”) para que se conseguisse, para além de reduzir os custos da recolha do leite, poder gerir e potenciar todo o processo do leite, desde a compra ao produtor até comercialização do produto final acabado ao consumidor.
3) Decorre do artigo 4º dos estatutos da 2ª A que “A União tem por fim defender os interesses comuns das cooperativas agrupadas, desenvolver o espírito...
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