Acórdão nº 2052/18.8T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução30 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Sumário: 1.

Numa situação em que, por via reconvencional, o réu vem pedir que seja declarado único proprietário do imóvel por o ter adquirido por usucapião, sendo que o autor na acção é apenas um de vários irmãos comproprietários do mesmo imóvel, estamos perante a preterição de litisconsórcio necessário natural, pois uma sentença favorável ao reconvinte não tem condições para atingir o seu efeito útil normal, que é a composição definitiva do litígio entre as partes relativamente ao pedido formulado (art. 33º,1,2 CPC).

  1. A ilegitimidade passiva daí decorrente é sanável pela intervenção dos interessados que não estão na acção: não tendo o reconvinte suscitado a intervenção dos restantes interessados, não tendo o Juiz da causa, findos os articulados, interpelado os réus no sentido deles suscitarem a intervenção dos restantes interessados, ao lado da autora (art. 6º,2 e 590º,2,a CPC), resta agora declarar a nulidade que tal omissão constituiu, a fim da mesma ser sanada.

    I- Relatório M. R.

    instaurou a presente acção declarativa contra A. R.

    e marido A. C.

    .

    Alegou que é filha de J. R. e de M. P., falecidos, respectivamente em 13/08/1977 e 29/02/1988.

    Do património dos pais da autora fazia parte o prédio urbano sito em ..., ..., freguesia de ..., concelho de Chaves, composto de casa de habitação de rés do chão e primeiro andar inscrito na matriz sob o art. …º, em nome, actualmente da ré A. R..

    Tal prédio foi construído na década de 50 pelos pais da autora, os quais nele habitaram de forma contínua e ininterrupta durante mais de 20 anos, ali pernoitando, fazendo refeições, recebendo familiares e amigos, criando os filhos, entre os quais a autora e a ré, o que sempre fizeram à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de não lesarem qualquer direito alheio.

    Assim, se outro titulo não tivessem os referidos J. R. e M. P., sempre teriam adquirido o mencionado prédio por usucapião, o que se invoca.

    J. R. faleceu a 31/08/1977, sendo instaurado inventário obrigatório que correu termos no Tribunal Judicial de Chaves, no qual o referido prédio foi partilhado do seguinte modo: ½ para a cabeça de casal, a falecida M. P., e 1/18 para cada um dos restantes herdeiros, ou seja, os 9 filhos do casal.

    Por morte de M. P. correu termos inventário obrigatório, sendo a metade do prédio aqui em causa adjudicada à referida M. O.

    .

    Deste modo, o prédio foi adjudicado, após as partilhas referidas, na proporção de 10/18 para a M. O. e 1/18 para cada um dos restantes irmãos, entre os quais a aqui autora.

    A M. O. faleceu a 30/12/2000 sucedendo-lhe como único herdeiro o seu cônjuge A. S.

    .

    Através de testamento datado de 12/01/2016 o A. S. legou aos seus cunhados A. R. e marido A. C.

    , a totalidade do referido prédio.

    Com base nesse testamento, a ré A. R. e o marido A. C. registaram o prédio, pela totalidade, em seu nome, passando a fazer dele um uso exclusivo e privando os demais consortes, entre os quais a autora, do uso a que têm direito.

    Pede que:

    1. Sejam os réus condenados a reconhecer a autora como legítima comproprietária, na proporção de 1/18 do prédio urbano identificado na petição inicial; b) Seja decretada a nulidade parcial do legado referente ao identificado prédio, com excepção dos 10/18 avos que pertenciam ao testador; c) Sejam os réus condenados a restituir o imóvel ao património comum devendo abster-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou restrinjam o uso a que os demais, consortes designadamente a autora, têm direito; d) Seja determinado o cancelamento de todos os registos realizados com base na referida disposição testamentária e que tenham por base o referido prédio.

    Regularmente citados, contestaram os réus alegando desde logo que o pedido de restituição do bem imóvel ao património comum deve ser, de imediato, julgado improcedente por falta de fundamento legal.

    Em sede de impugnação alegam que, após a partilha judicial por óbito de M. P.

    , a M. O.

    , que passou a ser proprietária de ½ do imóvel mais 1/18, comprou, juntamente com o seu marido A. S.

    , verbalmente, aos restantes comproprietários os 8/18 que lhes tinham sido adjudicados por óbito de J. R.

    , pelo valor de 30 contos (150 €), ficando, deste modo o imóvel a pertencer-lhes na totalidade.

    E desde então, ou seja, finais do ano de 1990 e até à sua morte, que ocorreu em 30/12/2000 e o do cônjuge sobrevivo em 3/02/2016 que os mesmos habitaram o imóvel na sua totalidade, agindo, com conhecimento de todos como únicos e exclusivos proprietários do imóvel em causa.

    Logo após a aquisição do imóvel na sua totalidade os mencionados M. O. e marido realizaram nele obras profundas, à vista de todos, tendo até sido contratados para a sua realização dois irmãos da autora, o C. R. e o R. A.

    .

    Nunca nenhum deles se opôs à realização das obras.

    Acresce que, quando as obras foram realizadas, as portas exteriores do imóvel foram substituídas e em momento algum a M. O. e o marido entregaram as chaves de acesso a qualquer outra pessoa, nem as mesmas lhes foram, por qualquer meio solicitadas, designadamente pela autora.

    Assim, ao longo de mais de 26 anos que a M. O. e o marido habitaram exclusivamente o imóvel, durante vários anos, apenas no período das férias uma vez que trabalhavam em Espanha, e mais tarde como residência própria e permanente à vista de todos e sem qualquer oposição ou contestação de quem quer que seja, designadamente da autora, de modo ininterrupto, com a convicção certa e segura de que o mesmo lhes pertencia em propriedade plena, exclusiva e absoluta, aí habitando sem dar nem prestar contas a ninguém, pagando os respectivos impostos com a consciência de não ofenderem direitos de ninguém.

    E foi nessa convicção que o referido R. A. o legou na sua totalidade aos réus.

    Após a sua morte a posse, com as referidas características continuou nos réus, na qualidade de sucessores, ao abrigo do disposto no art. 1255º, do Cód. Civil, pelo que adquiriram o direito de propriedade através da via da usucapião, que invocam.

    Deduzem ainda reconvenção.

    Pedem que sejam julgados improcedentes os pedidos formulados pela autora e que seja julgada procedente a reconvenção e, em consequência, serem os réus declarados únicos e exclusivos proprietários do prédio sito em ..., ..., freguesia de ..., concelho de Chaves, inscrito na matriz sob o art. …, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, encontrando-se a aquisição pelos réus, registada pela inscrição Ap. 1061 de 2016/02/18.

    A autora replicou alegando que, a alegada compra das quotas dos restantes comproprietários, a ter ocorrido, seria nula por vicio formal, o que aqui se invoca. E como possuidores em nome alheio, não podiam adquirir por usucapião sem inverter o título da posse, o que não sucedeu.

    Sustenta a improcedência do pedido reconvencional.

    Teve lugar a realização de uma audiência prévia no âmbito da qual se admitiu a reconvenção deduzida, se definiu o objecto do litigio, se seleccionaram os temas de prova e se proferiu despacho sobre os meios de prova produzidos e requeridos.

    Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, e foi então proferida sentença que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu os réus dos pedidos contra si formulados.

    E julgou procedente a reconvenção, e em consequência, declarou os autores titulares do direito de propriedade sobre o prédio urbano situado em ..., ..., freguesia de ..., concelho de Chaves inscrito na matriz predial sob o art. … e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º …, e inscrito a favor dos réus/reconvintes pela Ap.

    1061 de 2016/02/18.

    Inconformada com esta decisão, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (arts. 627º,1, 629º,1, 631º,1, 637º, 638º, 639º, 640º, 644º,1,a, 645º,1, e 647º,1, todos do CPC, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões: 1.

    Visa o presente Recurso questionar a apreciação da prova produzida e respectiva acomodação na decisão da matéria de facto, com especial ênfase para o erróneo tratamento da incontornável questão da inversão do título da posse, assim como alertar para a até aqui descurada excepção dilatória da ilegitimidade da autora para a instância reconvencional porquanto, desacompanhada dos demais consortes, herdeiros de J. R. e M. P., não ser a mesma dotada de legitimidade ad causam por preterição do litisconsórcio necessário (tudo conforme se explanará nos pontos 6.1, 6.2 e 6.3 destas alegações).

    Da necessidade de eliminar o ponto 10 dos factos provados 2.

    Na sentença recorrida – ponto 10 dos factos provados - considera-se provado que “Após a partilha efectuada por óbito de M. P., a M. O., verbalmente, comprou, a alguns dos irmãos, a sua quota (1/18) pelo valor de 30 contos (150 €).” 3.

    Desde logo, a referida compra verbal, a ter ocorrido, seria nula por vício de forma, pelo facto de o respectivo contrato não ter sido celebrado por escritura pública, para o que, aliás, se alertou no artigo 3.º da Réplica.

  2. Depois, não se dá por provado um único facto que sustente minimamente a alegada compra.

  3. Não se identifica um único irmão (ou sobrinho) a quem a M. O. tenha alegadamente comprado a sua quota: terá sido ao C. R., à S. P., ao J. P., à A. R., ao R. A., à M. R., à F. P., aos sobrinhos, filhos do pré falecido M. R.? 6.

    Não se especifica como terá pago.

  4. Tão pouco em que condições de tempo e lugar terá pago.

  5. De onde facilmente se retira que a matéria de facto apurada não sustenta minimamente a conclusão de que a M. O. comprou verbalmente a alguns irmãos.

  6. Acrescentando-se que todos os depoimentos das testemunhas arroladas pelos ora Recorridos são depoimentos indirectos, depoimentos de “ouvi dizer”, excepção feita à própria Recorrida que referiu laconicamente ter recebido “30 contos” pela sua parte na casa.

  7. Na própria Fundamentação da resposta à matéria de facto, a única referência que se faz à alegada compra resume-se ao...

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