Acórdão nº 831/19.8T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Abril de 2020

Magistrado ResponsávelESPINHEIRA BALTAR
Data da Resolução30 de Abril de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em Conferência na Secção Cível da Relação de Guimarães (1) Os autores J. C. e C. R. em que é ré Banco ... S.A., não se conformando com os despachos proferidos na audiência de julgamento em que o tribunal indeferiu um requerimento a solicitar a acareação do autor com uma testemunha sobre a oposição de um determinado facto relevante para a descoberta da verdade, e a admissão liminar de um articulado superveniente, interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: “1 - Os AA. ora Recorrentes não se conformam com dois despachos proferidos pelo tribunal a quo.

2 - É o seguinte o teor dos despachos proferidos pelo tribunal a quo: 2.1. - Despacho proferido no dia 21 de outubro de 2019, que indeferiu a acareação entre o A. marido e a testemunha do R., Dr. N. F., por entender que, e passa-se a citar, que: “nos termos do artigo 523º do C.P.C., é possível realizar uma acareação se se verificar existir uma oposição directa, acerca de determinado facto, entre os depoimentos das testemunhas ou entre eles e o depoimentos de parte. Os Autores foram ouvidos nos presentes autos em declarações. Por outro lado, o Autor, desde o início desta sessão de julgamento, encontra-se presente a assistir e a ouvir o depoimento da testemunha em relação ao qual é requerida a aludida diligência de acareação.

Nestes termos, por se entender que carece de fundamento legal a pretendida acareação e, para além disso o interesse na realização da diligência, ainda que se entendesse admissível, se encontra comprometido pelo facto de a parte se encontrar presente e ter assistido ao depoimento, indefere-se o requerido. Notifique.” 2.2. – Despacho proferido no dia 12 de novembro de 2019, que rejeitou, ao abrigo do disposto no artigo 588.º n.º 4 do C.P.C., o articulado superveniente apresentado pelos AA, sustentando tal decisão nos seguintes termos: “Com a presente acção os autores pretendem que o banco réu seja condenado a indemnizá-los pela violação de deveres de boa-fé e de informação no momento de subscrição do boletim de aceitação de oferta pública de troca de valores mobiliários, ocorrida em Maio de 2015. Vieram neste momento alegar que só agora tomaram conhecimento da existência do documento apresentado. No entanto não no parece que assim seja. Desde a instauração da presente acção que o autor tem conhecimento do que fez e do que não fez, do que lhe foi transmitido pelo Banco e do que não lhe foi transmitido pelo Banco e, desde a instauração da acção, tem conhecimento daquilo que assinou e daquilo que não assinou. Não foi por ter ouvido depoimentos das testemunhas em audiência de julgamento que passou a ter conhecimentos daquilo que se passou e daquilo que não se passou. Se entendiam ser factos constitutivos do direito que invocaram deviam tê-los alegado no articular inicial que deu origem à presente ação. Em face do exposto, nos termos do artigo 588.º n.º 4 do CPC, rejeita-se o articulado superveniente ora apresentado.”.

3 - Os AA. não se conformam com os despachos proferidos pelo tribunal a quo por considerar que, quanto ao despacho que indeferiu a requerida acareação, com os fundamentos indicados pelo tribunal a quo, em violação do artigo 523.º do CPC, não suportam devidamente tal decisão, devendo em consequência ser tomada decisão que deferisse a requerida acareação, por ser fundamental para a boa decisão da causa; e por considerar que, quanto ao despacho que rejeitou o articulado superveniente apresentado, violou o disposto no artigo 588.º do CPC.

A – Do despacho que indeferiu a requerida acareação: 4 – Da ata da sessão de julgamento datada de 21 de outubro de 2019, consta o requerimento de acareação e o despacho que o indeferiu, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 646.º n.º 3 do CPC.

5 - A acareação requerida configura-se fundamental para a descoberta da verdade material e a boa e justa decisão da causa, considerando que em sede de petição inicial os AA. alegaram nos artigos 76.º a 78.º da p.i. que: “76.º Em janeiro de 2017, quando os AA. se encontravam em França, o Dr. N. F., agora funcionário do R. à frente da sucursal, contactou o A. marido, alertando-o que era melhor vender as ações ou repor mais dinheiro, de forma a evitar “perder tudo”.

  1. Perante isto, os AA. decidiram vender as ações, pensando que recuperariam o seu dinheiro (cfr. doc. n.º 2, que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

  2. No entanto, quando regressaram a Portugal verificaram que não foram depositados € 32.000,00 na sua conta, mas apenas € 4.702,02 (cfr. docs. n.º 3 e 4, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais).” 6 - Perante tal alegação, decidiu a M. Juiz que constituía tema de prova dos presentes autos, inserindo-o como ponto 5 dos mesmos, o seguinte: “O contacto efectuado pelo funcionário do Banco ao Autor marido em Janeiro de 2017;” 7 - Acontece que, quando inquirido em sede de audiência de discussão e julgamento, o referido funcionário, ao invés do que havia sido referido pelo A. marido aquando das suas declarações de parte (em suma confirmando o por si alegado), negou que tais factos houvessem ocorrido.

    8 - Tais factos são fundamentais para o desfecho dos autos, e dele ocorreram depoimentos em oposição direta.

    9 - Perante tal, a M. Juiz a quo, entendeu ser de indeferir tal acareação, sustentando tal entendimento em duas razões: a de que carecia fundamento legal para tal, pois que segundo o plasmado no art. 523.º do CPC, “se houver oposição direta, acerca de determinado facto, entre os depoimentos das testemunhas ou entre eles e o depoimento da parte…”, sendo que o A. marido foi ouvido em declarações de parte; a de que, o A. marido, “desde o início desta sessão de julgamento, encontra-se presente a assistir e a ouvir o depoimento da testemunha em relação ao qual é requerida a aludida diligência de acareação”, pelo que “o interesse na realização da diligência, ainda que se entendesse admissível, se encontra comprometido pelo facto da parte se encontrar presente e ter assistido ao depoimento,”.

    10 - Ora, sendo verdade que o art. 523.º do CPC não prevê expressamente que possa ser requerida a acareação entre uma testemunha e quem prestou declarações de parte, a questão que se coloca é se haverá razões para entender que o legislador quis proibir a acareação entre uma testemunha e quem presta declarações de parte, ou se antes, estamos perante uma lacuna legal.

    11 - A este propósito discorreu o desembargador Luís Filipe Pires de Sousa, in“As declarações de parte. Uma síntese”, disponível in http://www.trl.mj.pt/PDF/As%20declaracoes%20de%20parte.%20Uma%20sintese. %202017.pdf, e que no ponto 5, pág. 8 e 9 de tal estudo, se debruça questão em causa, sustentando que nada obsta a que seja admitida a acareação entre uma testemunha e quem presta declarações de parte.

    12 - O iter argumentativo é o seguinte: “(…) nos segmentos das declarações de parte em que não ocorra confissão, nada obsta a que se requeira a acareação com as testemunhas que depuseram de forma colidente. Conforme refere CATARINA GOMES PEDRA, «Sendo o valor probatório das declarações das partes apreciado livremente, não se vê que especiais riscos possa comportar a possibilidade de acareação entre estas ou entre estas e os depoimentos das testemunhas. Na verdade, não é desprovida de razão de ser e de utilidade a possibilidade daquela acareação em nome da descoberta da verdade material e na medida em que não há, entre umas e outros, disparidade de valor probatório.» Não se ignora que numa fase adiantada do julgamento, na qual normalmente ocorrerá a prestação das declarações...

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