Acórdão nº 7810/18.0T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Abril de 2020
Magistrado Responsável | FERNANDO FERNANDES FREITAS |
Data da Resolução | 30 de Abril de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
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RELATÓRIO I.- S. C., residente em Braga, intentou a presente acção declarativa comum contra a “X, Companhia de Seguros, S. A.”, com sede no Porto, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 7.368,76 (sete mil trezentos e sessenta e oito euros e setenta e seis cêntimos), acrescida dos juros vincendos à taxa legal desde a data de citação até efectivo e integral pagamento.
A supramencionada quantia refere-se às indemnizações: a) pelos danos ainda existentes no veículo, a quantia de € 1.138,76; b) pela privação do uso do veículo, a quantia de € 1.170; c) pela privação do uso do apartamento, a quantia de e € 1.560; e d) para compensação dos danos não patrimoniais decorrentes da privação do uso do apartamento e sofridos por via do sinistro, a quantia de € 3.500.
Fundamenta alegando, em síntese, que no dia 8 de Setembro de 2017, o veículo com a matrícula UZ, que se encontrava estacionado na garagem colectiva do edifício “Y”, em Vila Nova de Famalicão, incendiou-se, em consequência do que as chamas se alastraram aos outros veículos também estacionados na mesma garagem, designadamente o veículo da Autora, com a matrícula BJ, provocando-lhe danos, bem como provocou danos na fracção que a Autora habita e cuja reparação ascendeu a € 14.034,30.
Em consequência do referido incêndio o seu veículo sofreu danos os quais não foram totalmente reparados pela Ré, faltando ainda pagar-lhe a quantia de € 1.138,76.
Mais alega que, ela própria, sofreu danos resultantes da privação do uso do seu veículo, os quais contabiliza na importância de € 1.170,00.
Alegando que até incumbir o seu advogado de intentar a presente acção desconhecia que lhe assistia o direito a reclamar os danos patrimoniais resultantes da privação do uso do seu apartamento, assim como a reclamar indemnização pelos danos não patrimoniais, liquidando agora aqueles pela importância de € 1.560, e estes pela importância de € 3.500.
Fundamenta esta última indemnização alegando que o abandono forçado e dramático, com a sua filha, da sua casa de habitação, bem como da alteração drástica da rotina estabelecida e do conforto e bem-estar a que ambas estavam habituadas, lhes causaram sérios e relevantes incómodos e mal-estar. Mais alegou ter padecido de perda de sono, medo, acordando várias vezes de noite, em pânico, à procura de sua filha, irritação e inquietação, medo que ainda hoje sente, tendo passado a ser muito sensível aos cheiros relacionados com o fumo, vindo-lhe à memória o sucedido.
Citada, a Ré contestou alegando ter já indemnizado a Autora por todos os danos sofridos e relativos ao veículo BJ, bem como que a mesma foi ressarcida dos danos ocorridos na sua habitação pela seguradora W, à qual ela, Ré, reembolsou do que pagou à Autora.
Respondeu a Autora recusando ter sido totalmente ressarcida dos danos que sofreu, recusando ainda que os recibos de quitação juntos pela Ré possam ser interpretados nesse sentido. Trata-se, alega, de documentos/recibos tipo, pré-elaborados, sendo certo que a Ré até acabou por pagar essa indemnização em períodos diferentes e por parcelas, sem atender à renúncia dos direitos dela, Autora, constantes dos aludidos recibos.
Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré a pagar à Autora: - a quantia de € 1.138,76 (mil cento e trinta e oito euros e setenta e seis cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação (06-12-2018) e até integral pagamento; - a quantia de € 520 (quinhentos e vinte euros) acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão e até integral pagamento.
Inconformada, traz a Autora o presente recurso pedindo a revogação da decisão, no segmento em que absolve a Ré do pedido de condenação desta em indemnização pelos danos não patrimoniais.
Contra-alegou a Ré propugnando para que se mantenha o decidido.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos, que foram, os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
**II.- A Apelante/Autora formulou as seguintes conclusões: 1. O Tribunal a quo ao decidir os pedidos c) e d) formulados na p.i., incorreu em erro de julgamento, de facto e de direito, sendo que, a respeito do primeiro erro (de facto), se impõe ter em devida conta que, embora não decisivo para a alteração ora pretendida, face à prova produzida nos autos, não podia deixar de dar como provado o ponto 2, de que «Até incumbir o seu mandatário para intentar esta acção, a Autora desconhecia que lhe assistia o direito a reclamar os danos patrimoniais resultantes da privação de uso do seu apartamento bem como o direito a reclamar os danos não patrimoniais»», tanto assim que, recorrendo à prova, (documental, declarações de parte e testemunhal), que o tribunal a quo se refere ter sido a valorada, resulta inequívoco que a A. provou essa matéria, seja através dos documentos seja pelo depoimento de parte e prova testemunhal, a registar: 1.1
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Documental: 1 e 2 juntos pela Ré (recibos) aa) Tais documentos, (meros formulários tipo, pré-elaborados pela Ré, sem indicação de local e data, que aludem, de forma genérica e abstrata, a “sinistro em referência”, remetidos pela Ré à A. por correio em duas ocasiões diferentes), foram impugnados pela A. e, apesar da Ré ter indicado testemunhas para “atestar” a sua veracidade do seu conteúdo, entre elas, D. T., como se verá adiante, não logrou provar ter pago os danos de privação de uso e os danos não patrimoniais; ab) O facto de a Ré ter emitido um primeiro documento com a indicação, além do mais, de “plena e completa quitação”, de 1.404,01 €, (doc. 1 junto com a contestação) a 31.01.2018 e a 18.03.2018, volvido mais de um mês, ter emitido novo documento, com o mesmo teor, mas com a importância de 558,20 €, (doc. 2 junto com a Contestação), leva também a concluir que se a Ré, efectivamente, o interpretasse e/ou entendesse como ora alega, não teria emitido um segundo recibo, com o mesmo tipo de texto, dando “plena e total quitação”.
ac) A A. desconhecia o significado e/ou distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais, (como até a própria testemunha da Ré, J. R., o reconheceu também), e/ou o sentido e alcance de “total quitação”, pois, se assim fosse, como resulta do seu depoimento, nunca assinaria o primeiro dos documentos quando ainda tinha pendente, além do mais, a reparação do veículo (Vide doc. 1 junto com a Contestação).
ad) Não se extrai desses documentos a especificação, pelo menos de forma clara, objectiva e esclarecedora, sobre quais e o tipo de danos, - patrimoniais ou não patrimoniais – que a Ré, estava a ressarcir, sendo certo que a ter o valor que se quer prevalecer, representaria da sua parte – além de indevido enriquecimento - um desvirtuamento e um aproveitamento da falta de esclarecimento e vontade da A. que nunca representou como estando a abdicar da plenitude dos seus direitos, para mais, quando ainda estava pendente a reparação total e perfeita do veículo, como resultou da prova produzida, infra especificada, valorada pelo tribunal a quo, como as declarações de parte e os depoimentos de D. T. e J. R..
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O Depoimento da Autora - S. C., gravado na aplicação informática (H@bilus Media Studio), foi esclarecedor a respeito do que se conclui supra, como se extrai da transcrição: Rotações: 30:01 a 33:32; 35:18 a 36:37; 36:35 a 37:52.
c
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D. T., funcionário da Ré (…). 2.ª Sessão de julgamento de 03 de Junho de 2019, pelas 09.45 horas. Depoimento registado no sistema H@bilus Media Studio, rotações: 00:50 a 02:27 (…) e 08:39 a 09:30.
cb) J. R., engenheiro civil. Depoimento registado no sistema H@bilus Media Studio. 2.ª Sessão de julgamento de 03 de Junho de 2019, rotações: 09:53 a 12:51; 12:52 a 14:29 (…); e 14:36 a 16:40.
1.2 O tribunal a quo admite que o próprio profissional de seguros da Ré – D. T. – que não logrou discriminar a que respeitam os valores constantes dos referidos recibos, depôs no sentido totalmente contraditório com aquele perito J. R., pois que mencionou que na sua perspectiva os recibos em causa reportavam-se ao veículo, dado que a alimentação e o alojamento foi tratado com a W.
1.3 O tribunal a quo expressa-se, sem daí tirar as devidas ilações, que «perante a conjugação dos depoimentos destas duas testemunhas, com as declarações prestadas pela Autora, ficou convencido que a Ré não indemnizou a Autora pelos danos do veículo e em causa nos autos (isto é, os reclamados pela Autora e não aqueloutros que foram reparados pela oficina), e muito menos que a Autora quando assinou os recibos constantes de fls. 30 a 32...
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