Acórdão nº 6153/18.4T8VNF-C1.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução26 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório Nos presentes autos de embargos de terceiro que C. M. move contra J. V. e V. M., a requerente peticiona o levantamento da penhora que incide sobre a conta ......563 do Banco ....

Para tanto alegou, em síntese, que é titular da conta nº ......563 do Banco ..., a qual foi objeto de penhora de saldos bancários por conta de uma dívida do cotitular, seu filho, V. M., aqui segundo embargado, situação que desconhecia até há apenas uns dias atrás.

Não obstante constar como primeira titular da conta em apreço, o Banco ... nunca avisou a ora Embargante, nem por carta, nem por e-mail, nem por extrato de conta, da existência de tal penhora.

Tomou conhecimento da penhora de saldos apenas no dia 02/10/2019 por contacto pessoal com o Banco que procedeu à alteração da morada da Embargante no sistema e, além disso, emitiu, a pedido da mesma, extratos bancários desde o mês que procedeu à venda da casa de … (a na Rua …).

O saldo da conta penhorada é totalmente da embargante.

*Liminarmente admitidos, o embargado J. V. apresentou contestação, pugnando pela improcedência dos embargos de terceiro.

Para tanto alegou, em resumo, que a penhora da conta foi feita no final do mês de junho de 2019 e a Embargante, assim como o Executado, foram notificados pelo banco da penhora da conta no final de junho de 2019.

Os embargos deduzidos são manifestamente intempestivos, tendo por isso caducado o direito de embargar de terceiro.

**Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foram considerados válidos e regulares os pressupostos objetivos e subjetivos da instância, tendo-se procedido à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova.

*Procedeu-se a audiência de julgamento.

*Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença, nos termos da qual julgou procedentes os embargos de terceiro e, em consequência, determinou o levantamento da penhora que incide sobre o saldo da conta bancária n.º ......563, do Banco ....

*Inconformado, o embargante J. V. interpôs recurso dessa sentença e, a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1.ª O presente recurso é interposto da sentença que julgou procedentes os embargos de terceiro deduzidos pela Recorrida para levantamento da penhora que incide sobre a conta bancária n.º ......563 do Banco ..., efectuada na execução de que os embargos são apenso, em que é executado o filho da Recorrida, V. M..

  1. O Recorrente não se conforma com a douta sentença sob recurso por entender ter havido manifesto erro na apreciação da prova por desconformidade entre os elementos probatórios existentes nos autos e a decisão do Tribunal Recorrido, quando desconsiderou prova existente nos autos.

  2. Os embargos deram entrada no Tribunal no dia 04/10/2020, tendo a Recorrida alegado ter tomado conhecimento dos embargos apenas “no dia 02/10/2019, por contacto pessoal com o Banco que procedeu à alteração da morada da Embargante no sistema” e que o saldo existente na conta penhorado é apenas seu pois corresponde na sua totalidade ao preço da venda de uma casa de que era proprietária.

  3. O Recorrente contestou os embargos alegando que estes são extemporâneos, uma vez que a Embargante teve conhecimento da penhora muito antes da data por ela alegada e ainda que o saldo da conta bancária pertencia também ao Executado, seu filho.

  4. O Tribunal Recorrido julgou tempestivos os embargos com base nos factos julgados provados, em particular o n.º 4 desses factos, “Não obstante constar como titular da conta bancária em apreço, o Banco ... não informou a ora embargante da existência de tal penhora”.

    A prova da não notificação da penhora à Recorrida resultou do depoimento da testemunha P. M. que disse que a penhora de um saldo bancário sediado no Banco ... nunca é comunicada pela instituição bancária aos titulares dessa conta que não sejam executados no processo onde foi ordenada a penhora.

  5. O prazo para a dedução de embargos é de 30 dias contados da data da diligência que afectou o direito do embargante ou de 30 dias contados da data em que teve conhecimento da ofensa (artigo 344.º, n.º 2 do C.P.C.

  6. Quanto ao primeiro prazo, não dúvidas de que, no momento em que a Recorrida deu entrada dos embargos, esse direito havia já caducado, uma vez que a penhora foi feita no dia 21 de Junho de 2019 e os embargos de terceiro deram entrada apenas no dia 02/10/2019.

  7. Quanto ao segundo prazo, previsto na norma, 30 dias após o conhecimento, importa dizer que o conhecimento da penhora por parte de quem vê o seu direito ofendido não resulta apenas da comunicação escrita feita pelo banco, podendo chegar ao seu conhecimento por outros meios.

  8. O Recorrente entende que existem nos autos elementos que permitem concluir quer a Recorrida teve conhecimento da penhora muito antes da data que esta alega ter tido esse conhecimento.

  9. O Banco ... juntou aos autos informação na qual diz que junta “Elementos de suporte às transferências referenciadas, sendo que as mesmas foram ordenadas por via electrónica” e que “os extractos são pelo banco disponibilizados em formato digital” -ofício junto aos autos pelo Banco ... em 08/04/2020, tendo a Recorrida, no seu requerimento de 20/4/2020, com a referência 35377975, veio confirmar o que já antes havia alegado, ou seja, que é ela quem movimenta a conta bancária.

    Da conjugação da informação prestada pelo Banco … com o que foi alegado e confessado pela Recorrida, o Tribunal devia ter dado como provado o seguinte: - a conta bancária era movimentada pela Recorrida, - as transferências dessa conta para outras contas eram feitas por via electrónica, e - os extractos eram disponibilizados aos titulares da conta em formato digital.

  10. Estes factos relevam para efeitos de verificação da tempestividade dos embargos deduzidos pela Embargante e de existência ou não de caducidade do direito de embargar, porém foram desconsiderados pelo Tribunal Recorrido, que não lhes deu qualquer relevância, pois de outro modo não podia ter julgado provado o conhecimento da penhora por parte da Recorrida apenas no dia 2 de Outubro de 2019.

  11. Decorre do extracto bancário junto aos autos pelo banco que, desde a data em que a Embargante depositou na conta o cheque correspondente ao preço da casa que vendeu - 18/03/2019 - e a data em que se efectivou a penhora dos 19.000,00 € - 21/06/2019 - a Embargante retirou da conta, por transferência electrónica e levantamentos em caixas ATM, a quantia de 131.776,54 €, o que denota um padrão no que respeita aos movimentos efectuados na conta que indicia a intenção de “esvaziar” rapidamente aquela conta, padrão este que se mantém depois da penhora, com os condicionalismos resultantes dessa penhora, que impediu a Recorrida de retirar da conta o valor de 19.000,00€.

  12. A partir da data da penhora, a Embargante continuou a retirar da conta as quantias necessárias para que esta apresentasse sempre um saldo próximo do valor penhorado o qual, devido à penhora se apresentava como indisponível.

    A Recorrida não podia por isso ignorar que se encontrava penhorada a quantia de 19.000,00€ à ordem da execução.

  13. No dia em que o Banco ..., na sequência da notificação da penhora feita por este Tribunal, procedeu à penhora dos 19.000,00 € à ordem da execução, a conta apresentava um saldo de 50.342,03 €, ficando, após a penhora, com um saldo disponível de 31.342,00 €.

    Curiosamente, nesse mesmo dia, a Recorrida transferiu para uma outra conta sua, a quantia de 31.000,00 €, valor muito próximo daquele que se encontrava disponível na conta após a penhora, ficando a conta com um saldo disponível de apenas 342,00 €.

  14. A Recorrida não pode alegar que não teve conhecimento da penhora no mesmo dia em que esta se efectuou, pois só assim se compreende que tenha, nesse mesmo dia, transferido para outra conta sua o valor remanescente.

    Acresce que, 16.ª De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 7.º do aviso do Banco de Portugal n.º 4/2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 161, de 20 de Agosto de 2009, “as instituições de crédito devem prestar aos seus clientes informação relativa a todos os movimentos a débito e a crédito efectuados nas suas contas de depósito, através de extracto que inclua, no mínimo, os seguintes elementos: (...) I) Saldos contabilísticos resultantes dos movimentos; e J) No caso das contas à ordem, o saldo disponível no final do período a que se refere o extracto”.

  15. No cumprimento deste aviso do Banco de Portugal, em todos os bancos, inclusive o Banco ..., estas são informações que constam dos extractos mensais disponibilizados aos titulares das contas, figurando na página inicial do homebanking os seguintes dados: - saldo contabilístico - saldo autorizado ou saldo disponível - saldo cativo ou saldo indisponível 18.ª A Recorrida certamente acedeu à conta diversas vezes após a penhora, sendo certo que o fez pelo menos no dia da penhora para transferir os 31.000,00 € ainda disponíveis para uma outra conta sua e no dia 29/07/2019, data em que transferiu para uma conta do executado, seu filho, a quantia de 400,00 €, com a qual retirou da conta um valor muito próximo do saldo disponível - é demasiada a coincidência...

    A partir daquele dia este continuou a ser um procedimento habitual da Recorrida/Embargante que foi fazendo levantamentos em caixas ATM, os quais normalmente se seguiam ao depósito das prestações de 300,00 €, feitos por S. O., mantendo o saldo da conta sempre próximo dos 19.000,00 € penhorados, que não podia movimentar por se tratar de saldo indisponível e por este motivo também não pode ignorar a existência da penhora, uma vez que é informação que consta da conta bancária à qual acedia com frequência.

  16. Estes factos que foram alegados permitem concluir o seguinte: - a Embargante, pelo menos no dia 21/06/2019 (dia da penhora) e 29/07/2019 acedeu à conta, tomando conhecimento de que se...

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