Acórdão nº 3007/17.5T8BCL-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ AMARAL
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Relator (por vencimento): -José Fernando Cardoso Amaral Adjunta: Des.ª Dr.ª Helena Maria de C. G. de Melo Relator (vencido): -Des. Dr. Jorge A. M. Teixeira Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO M. C.

, no âmbito de processo de divórcio e na sequência do respectivo incidente que decidiu sobre a atribuição da casa de morada de família (propriedade do ex-casal), deduziu, em 04-09-2019, no Tribunal de Família de Barcelos, em um novo apenso, incidente de alteração do regime fixado, “nos termos do disposto nos artºs 990º, nº 4, do CPC, e 1793º, nº 3, do CC”, contra D. P.

.

Pediu que lhe seja “atribuída a utilização exclusiva” da mesma.

No requerimento, articulou o seguinte: “1 – Na conferência realizada na acção de divórcio a que se refere o processo em epígrafe, foi acordado incompreensivelmente que «a utilização da casa de morada de família fica atribuída à Autora e ao Réu, até à partilha».

2 – Acontece que é totalmente impossível a Autora e Réu habitarem a mesma habitação. Até porque já correram autos de violência doméstica contra o Réu.

3 – Foi em consequência da mesma que a Autora se viu obrigada a deixar a habitação do casal, tendo arrendado um apartamento em Braga.

4 – A Autora tem muitas dificuldades em manter o arrendamento do apartamento, onde vive. Até porque vive apenas da sua magra reforma, enquanto a do Réu é choruda.

5 – Por sua vez, o Réu deixou de dormir e confeccionar as suas refeições na casa de morada de família.

6 – Na verdade fá-lo em casa da companheira com quem vive.

7 – Além disso, mudou as fechaduras da casa para impedir que a Autora tenha acesso à mesma.

8 – Sempre que ultimamente a Autora tenta deslocar-se à habitação, o Réu não só a impede como a ameaça de morte. Aliás, até afirma que não será ele a matar a Autora, mas alguém o fará.

9 – Além disso, o Réus retirou da habitação muito do seu recheio.

10 – Como se alegou, a Autora não tem possibilidade económicas para se manter no arrendado.

11 – Por outro lado, o Réu vive com a sua companheira, mantendo-se a casa de morada de família desocupada, quando é um bem do casal.

” Indicou meios de prova e juntou procuração.

No despacho inicial a que se refere o nº 1, do artº 931º, do CPC (aplicável ex vi do artº 990º, nº 2), e abrigando-se em tal disposição, designou-se, sem mais, a data para a realização da tentativa de conciliação.

Citado o requerido após diligências diversas, aquela frustrou-se, desde logo por ausência dele. No acto, ordenou-se a sua notificação para contestar, o que fez.

No articulado respectivo, e em que concluiu que deve julgar-se “improcedente por não provado o pedido formulado, mantendo-se o já decidido”, alegou que a requerente para “a alteração” pretendida “alega factos totalmente inverídicos”, “não alega quaisquer fundamentos sérios que constituam circunstâncias supervenientes” que a justifiquem, que aquela livremente “escolheu residir na cidade de Braga” próximo da filha e que a sua situação económica não se modificou desde o divórcio (aufere rendimentos mensais de cerca de 1.500€).

Acrescentou, ainda, que “não tem qualquer dificuldade de convivência na mesma casa” (a que foi morada de família), onde “nunca deixou de dormir, confeccionar e tomar as refeições”, que a alegada “violência doméstica” é “inverídica e maliciosa”, que ali “todos os dias é visto por vizinhos, visitado por amigos” pois “não tem companheira que lhe dê abrigo”, que “não mudou quaisquer fechaduras” e “apenas procedeu à reparação de uma danificada” (pois quem fez isso foi a autora, obrigando-o a ir buscar uma cópia), “não retirou rigorosamente nada” (a autora é que retirou “alguns móveis para seu uso pessoal”). Negou, ainda, ter feito quaisquer ameaças.

Em suma: tudo pode continuar na mesma, desde que com respeito recíproco.

Indicou meios de prova.

Após diligências várias para notificar o requerido da renúncia ao mandato e constituído novo patrono, por despacho de 04-12-2019, determinou-se que a requerente identificasse o imóvel em causa, o que ela fez juntando aos autos cópia da caderneta e do registo predial.

Sem terem sido prevenidas as partes de tal intuito, por decisão de 19-02-2020, o Mº Juiz [1] resolveu conhecer, oficiosamente, da “excepção de ineptidão da petição inicial” e, julgando-a verificada, “absolver o R. da instância”.

Para tal, depois de enunciar o regime legal e de sublinhar, por um lado, o disposto no nº 1, do artº 990º, CPC, quanto à exigência de indicação dos factos fundamentadores da atribuição da casa (no caso alteração) e, por outro, o critério das “necessidades de cada um dos cônjuges” e, ainda, de citar doutrina que enfatiza, na perspectiva do arrendamento, no sentido de deverem ser tidos em conta a situação patrimonial e rendimentos dos cônjuges e, bem assim, a idade, estado de saúde, localização do imóvel, etc., entendeu, em face do alegado no requerimento inicial, que: “Quanto às necessidades de cada uma das partes, a A. não quantifica a sua “magra reforma” ou a reforma “choruda” do R.

Não concretiza em que se traduzem as “dificuldades” em manter o arrendamento do apartamento onde vive, não dizendo sequer o valor da renda e por que razão afirma que não tem possibilidade económicas para se manter no arrendado.

Não concretiza que “autos de violência doméstica” correram contra o R., qual o respetivo desfecho ou sequer que factos concretos ficaram demonstrados ou foram, ao menos, denunciados.

Refere que o R. abandonou a casa de morada de família, que mantém desocupada, o que nada nos diz quanto à necessidade de atribuição da sua utilização, posto que também a A. deixou a habitação, passando a residir em local arrendado.” Argumentou ainda: “Mais, se em sede de divórcio as partes acordaram que a utilização da casa de morada de família ficou atribuída a A. e R., até à partilha – a confirmar-se que o R. abandonou a habitação – sempre poderia a A. voltar a ocupar a casa por dispor de título para o efeito.” Depois de observar que o problema “não se coloca, todavia, na verificação do interesse em agir” mas sim “na ausência da alegação de factos”, de invocar as regras previstas para as acções declarativas comuns sobre a exposição dos factos integrantes da causa de pedir e noção desta, bem como a sua relevância e consequências de tal omissão (artºs 552º, nº 1, alínea d), e 581º, nº 4, alínea d), 186º, nºs 1 e 2, alínea a), 196º e 200ºCPC), e de citar sobre a matéria Alberto dos Reis, Antunes Varela, Anselmo de Castro e Miguel Teixeira de Sousa, discorreu: ”E compreende-se a exigência legal, porquanto não só o juiz tem de saber o que está em causa nos autos, isto é, o que as partes pretendem que seja dirimido na ação, como ainda tal alegação é de manifesta importância para a definição da causa de pedir e do pedido, elementos estes de primordial importância à delimitação do âmbito do caso julgado e também à arguição de uma possível litispendência (art.os 580º e 581º do CPC).” Por fim, asseverou-se: “Numa ação judicial, quando se diz que as partes têm de expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir (art.º 552º, n.º 1, al. d) do CPC) é precisamente isso que se quer dizer: elas têm de fazer as precisas afirmações dos factos que, provados, conduzem à constituição do seu direito. Não se podem ficar por dúvidas, porque as dúvidas, por natureza, não são afirmações de facto que possam ser provadas.

A causa de pedir num procedimento de atribuição da casa de morada de família consiste, fundamentalmente, na alegação de factos que permitam ao Tribunal ter a perceção das necessidades de cada um dos cônjuges e, sendo o caso, o interesse dos filhos do casal.

É certo que estamos no domínio de um processo de jurisdição voluntária, em que o Tribunal não está subordinado a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adoptar as soluções que julgue mais convenientes e oportunas para o caso (art.º 987º do CPC).

Isso não dispensa as partes de alegar um núcleo de factos essencial à procedência da sua pretensão, sob pena de subversão do papel que processualmente lhes incumbe.”.

A autora não se conformou e apelou a que este Relação revogue o assim decidido e ordene o prosseguimento dos autos, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões: “1- Na conferência da acção de divórcio, a que se reportam os autos principais, a casa de morada de família ficou atribuída à Autora e ao Réu, até à partilha.

2- Nos termos do disposto no artº 1793º nº3 do C. C. “O regime fixado, quer por homologação do acordo dos cônjuges, quer por decisão do Tribunal, pode ser alterado nos termos gerais da jurisdição voluntária”.

3- Foi com base nesse dispositivo que a apelante veio pedir a alteração daquele regime.

4- Pra o feito alegou: […] [2] 5- Foi com base na situação factual descrita - a causa de pedir-, que a Apelante veio pedir alteração do regime acordado e lhe fosse atribuída a casa de morada de família- o pedido 6- A Meritíssima Juiz, titular do processo, recebeu a petição inicial, que leu e, porque entendeu que reunia os requisitos necessários ao seu recebimento e ao prosseguimento dos autos, designou dia para a tentativa de conciliação, por douto despacho de fls.

7- Em 15/05/2019 foi efectuada a tentativa de conciliação, conforme acta de fls..

8- A Meritíssima Juiz agiu em conformidade com o dispositivo no artº 931º nº1 1 do C. P. C. por força do disposto no artº 990º nº2 daquele Código.

9- Mais tarde, o Réu veio contestar e entendeu muito bem tanto a causa de pedir como o pedido, não arguindo de inepta a petição inicial.

10- Veio agora o Meritíssimo Juiz a quo proferir decisão, em que considera inepta a petição inicial.

11- O Meritíssimo Juiz veio pôr em causa a competência profissional da Magistrada que proferiu o despacho inicial e presidiu à tentativa de conciliação.

12- Tal decisão, para além de violar o caso julgado formal, pondo em causa o douto despacho que ordenou o prosseguimento dos autos e designou dia para a tentativa de conciliação, viola ainda o disposto nos artºs. 931º...

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