Acórdão nº 5118/17.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelFERNANDA PROENÇA
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório.

M. J. e mulher, M. C., intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, nos Juízos Centrais Cíveis de Guimarães, Juiz 5, Comarca de Braga, contra “RE – Rede Eléctrica ..., S.A.”, pedindo a condenação da ré a pagar-lhes as quantias de: - € 73.859,55, a título de danos patrimoniais; - € 25.000,00, a título de danos não patrimoniais; e - juros de mora contados desde a apresentação em juízo da presente acção, até efectivo e integral pagamento da indemnização.

Alegaram para o efeito que são proprietários de prédio urbano onde desenvolvem a sua actividade comercial de reparação e venda de veículos automóveis e que a ré, sem lhes dar prévio conhecimento, invadiu-o, procedeu ao abate de árvores neste implantadas e instalou sobre o respectivo espaço aéreo uma linha de muito alta tensão. Durante a execução dos trabalhos, os autores suportaram no seu prédio a presença de máquinas e trabalhadores da ré, em movimento constante, com prejuízo da limpeza e da tranquilidade que até então gozavam no prédio. Depois da entrada em funcionamento, vivem com permanente receio dos malefícios produzidos pelos campos electromagnéticos, desgaste mental resultante do ruído gerado pelo transporte de electricidade na linha, sobretudo em dias húmidos ou chuvosos, para além de que o prédio se encontra paisagisticamente afectado e desvalorizado pelo desinteresse que o atravessamento pela linha gera em potenciais compradores. A presença da linha no espaço aéreo gera ainda uma servidão administrativa sobre o terreno do prédio dos autores, que limita as respectivas utilização florestal e potencial edificativo.

*Contestou a ré (fls. 33 v.º e ss.), admitindo a instalação da LMAT sobre parte do espaço aéreo do prédio dos autores e a criação de uma área de protecção condicionante da actividade florestal, mas negando a desvalorização do prédio nos valores sugeridos pelos demandantes, já que não resultou afectada a capacidade edificativa no mesmo. Impugnou a produção de campos electromagnéticos ou ruídos nefastos para os autores ou para outras pessoas que frequentem o prédio, mantendo que os valores gerados se encontram, em qualquer dos casos, muito abaixo dos limites legais aplicáveis.

Os danos patrimoniais resultantes para os autores cifram-se em apenas € 1.205,00, compensação correspondente ao valor do arvoredo abatido prematuramente e aos lucros cessantes da área onerada pela servidão.

*Com dispensa de realização da audiência prévia foi identificando o objecto do litígio, descrita a matéria assente e os temas da prova, seguido de despacho de apreciação dos requerimentos probatórios.

*Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “III - DECISÃO*Em face do exposto:*A.

Julgo parcialmente procedente a acção, condenando a Ré a pagar aos Autores as quantias de: - € 8.094,00 (oito mil e noventa e quatro euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; - € 2.000,00 (dois mil euros) a título de dano não patrimonial, acrescido de juros à taxa legal contados desde a prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento.

B.

Julgo parcialmente improcedente a acção, absolvendo a Ré da parte restante dos pedidos formulados pelos Autores.

*Custas por Autores e Ré na proporção do decaimento, sem prejuízo de eventual benefício de apoio judiciário (art.º 527º, n.º 1 do C.P.C.).

Registe e notifique.”*Inconformados com esta decisão, os autores dela interpuseram recurso e formularam, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): “Conclusões I. No caso em apreço discute-se, grosso modo, o quantum indemnizatório devido aos Recorrentes pela instalação de linhas elétricas de muito alta tensão sobre o seu prédio e a consequente oneração com uma servidão administrativa.

  1. O valor a indemnizar passará pela adequada avaliação do valor do solo, baseada em critérios objetivamente definidos por lei, e cujo valor dependerá da classificação desse solo.

  2. Compulsada a douta sentença, não são esclarecidos os critérios subjacentes à determinação da indemnização devida aos Apelantes.

  3. O Tribunal a quo não explica porque classificou o prédio dos Recorrentes com afeto à exploração florestal, quando foi dado como provado que o mesmo é composto por uma oficina, está pavimentado, está murado e vedado, tem acesso à via pública e à rede de abastecimento de água, saneamento, luz, telecomunicações (cfr. factos provados 2, 3, 5, 7 ) V. De modo que, a indemnização fixada pelo Tribunal a quo deveria assentar na consideração integral do solo como apto à construção, nos termos do Código das Expropriações, sendo este o único diploma legal que define os critérios para a qualificação dos solos para a determinação das indemnizações devidas por expropriação ou constituição de servidão (vd. Art.8º C. Exp.).

  4. Com efeito, conforme se extrai da motivação de direito, sob o título “do montante indemnizatório”, o Tribunal a quo considera apenas, para efeitos de indemnização, as limitações impostas pela constituição da servidão administrativa no que respeita à exploração florestal do prédio dos Recorrentes, desconsiderando, inter alia, a inequívoca afetação do prédio à atividade industrial e comercial, bem como a ocupação do seu espaço aéreo e ainda o acesso indevido dos trabalhadores da Recorrida ao prédio dos Apelantes, antes da sua notificação do início dos trabalhos (cfr. facto provado 11).

  5. A única forma de obter o equilíbrio entre os benefícios de toda a comunidade e a salvaguarda do direito de propriedade, constitucionalmente garantido (artigo 62º da CRP), é a indemnização dos prejuízos causados pela constituição da servidão administrativa.

  6. É unívoco que, a constituição da servidão administrativa, decorrente da instalação de linhas elétricas de muito alta tensão sobre o prédio dos Apelante, lhes confere o direito à indemnização. Porém, não é já unívoco o quantum indemnizatório.

  7. A desvalorização aferida pelo Tribunal a quo, estriba-se num critério infundado e errado e, por conseguinte, injusto e incompreensível. O referido montante foi determinado pelos Srs. Peritos, considerando que a linha de muito alta tensão instalada ao longo do prédio dos Recorrentes se insere, segundo o PDM da Póvoa de Lanhoso há data do licenciamento da linha, em espaço florestal.

    Desconsiderando, para efeitos de determinação da indemnização devida, a realidade ôntica do prédio dos Apelantes e dos factos dados como provados nº2, 3, 5, 7, 15, 30.

  8. A garantia da justa indemnização contida no nº 2 do art. 62º da Constituição da República não se limita aos atos ablatórios da titularidade do bem, mas também o sacrifício de uma das faculdades de gozo ou uso que a coisa proporciona.

  9. A constituição da servidão tem, assim, um efeito equivalente à expropriação sempre que os danos decorrentes dessa constituição possam ser considerados impeditivos ou limitativos da plena utilização do bem, conforme se encontra confortada pelo art. 8º do Código das Expropriações.

  10. A indemnização pelas servidões administrativas deve ser calculada de acordo com as normas respeitantes à indemnização por expropriação, caso a lei não preveja outro critério especial.

  11. Neste conspecto, o nº 1 do art. 23º do Código das Expropriações enuncia como (principal) critério valorimétrico na avaliação do objeto da expropriação o critério do valor de mercado entendido não em sentido estrito, mas em sentido normativo, isto é, o valor de mercado normal ou habitual, despido dos elementos especulativos.

  12. Adaptando esse critério às servidões administrativas, tal significa que a respectiva indemnização deverá corresponder à diminuição do valor de mercado do prédio serviente, tendo em conta as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da constituição da servidão, o qual deverá ser atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, conforme prescreve o artigo 24º, nº1 do C. Exp.

  13. O Tribunal a quo adere a este critério para determinar a indemnização, porquanto refere que os danos patrimoniais decorrem da depreciação do prédio. No entanto, para aquilo que efetivamente é relevante, até porque não existe outra definição legal, o Tribunal a quo descola do estatuído no C. das Exp., quanto à classificação dos solos.

  14. Independentemente do critério, seja o definido no C. das Exp. seja em lei especial, o cálculo da indemnização varia em função da classificação dos solos, como apto à construção ou solo para outros fins, nos termos do artigo 25º, nº1 do C. Exp.

  15. Ora, ficou cabalmente demonstrado que, o prédio dos Recorrentes é um prédio, composto por uma oficina em bom estado de conservação, devidamente murado, vedado e pavimentado, onde os Apelantes exercem a sua atividade profissional, dispondo ainda de acesso às redes viárias, água, luz, saneamento, telecomunicações (cfr. factos provados 2, 3, 5, 7, 15, 30).

  16. O valor total do prédio era de € 253.908,50 - cfr. facto provado nº 34.

  17. Por conseguinte, atendendo às suas características ônticas, o prédio dos Recorrentes, enquadra-se na previsão da al. a), do nº2 do artigo 25º do C. Exp., independentemente da sua classificação em instrumento de gestão territorial, (que aliás consubstanciaria um outro critério caracterizador do solo apto à construção).

  18. Assim, o Tribunal a quo deveria fixar a indemnização, considerando o solo do prédio dos Apelantes como apto à construção, cujo valor, por metro quadrado, é de € 25,00, conforme resposta ao quesito 12 e 13 da Ré.

  19. Contudo, o Tribunal a quo determinou o quantum indemnizatório, relativo aos danos patrimoniais, considerando tão-somente a limitação da exploração florestal, ao longo da faixa de proteção da linha, com área de 1.369m2.

  20. Respaldado no relatório pericial, o Tribunal a quo considerou que o preço...

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