Acórdão nº 581/12.6TBPVL-H.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelFERNANDA PROENÇA
Data da Resolução05 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório.

No processo de insolvência com o nº 581/12.6TBPVL, pendente no Juízo de Comércio de Guimarães, J3, Comarca de Braga, foi proferido, a 25/06/2020, o seguinte despacho: “A Autoridade Tributária veio aos presentes autos, apresentou o seguinte requerimento aos autos:  A 26/12/2012 foi nomeada para as funções de Administradora de Insolvência nos autos de Insolvência supra mencionados, a Dr.ª M. C..

 No decurso da referida insolvência foi alienado em 2013, o imóvel inscrito na matriz predial urbana, da união das freguesias de …, … e …) (…), concelho de Braga, sob o artigo …º, pelo montante de 424.949,46 EUR, tendo a transmissão sido concretizada através da celebração de escritura publica datada de 28/10/2013, realizada no Cartório Notarial de C. R..

 Nos termos do artigo 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS) constituem mais-valias os ganhos obtidos com a alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis.

 Nesse sentido foi efetuada a liquidação de IRS n.º 2016 ... (declaração Modelo 3 entregue pelo SP, em 01/06/2016) respeitante ao ano de 2013. Não tendo sido efetuada a regularização do IRS liquidado dentro do prazo legal de pagamento, foi instaurado o competente processo de execução fiscal (PEF n.º .........40).

 No âmbito de um processo de insolvência de uma pessoa singular, os bens suscetíveis de penhora são apreendidos, conforme dispõe a alínea g) do n.º 1 do artigo 36º do CIRE, uma vez que se destinam à satisfação dos interesses dos credores da insolvência, denominada massa insolvente.

 A massa insolvente, de acordo com o conceito do n.º 1 do artigo 46º do CIRE, “destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”.

 Esses bens (apreendidos nos termos do artigo 36º do CIRE) são entregues ao administrador da insolvência, que se assume como um órgão da insolvência sem poderes de representação do insolvente que seja pessoa singular, contrariamente ao que sucede relativamente às pessoas coletivas (n.º 4 do artigo 81º do CIRE), mas é quem pode exercer poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (n.º 1 do artigo 81º do CIRE).

 Conforme se defende no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 01410/16, de 2017-05-31, "(...) a massa insolvente tem autonomia patrimonial, que existe quando se está perante uma «certa massa de bens afetada ao pagamento de um conjunto próprio de dívidas», mas não constitui uma pessoa (singular ou coletiva), um novo ente, distinto daquele a quem o património autónomo continua a pertencer. (...)’  Ou seja, embora expurgado dos seus bens, o insolvente, enquanto pessoa singular dotada personalidade tributária, não está impedido de obter rendimentos, nomeadamente os necessários à sua subsistência.

 Na verdade, o AI assume por efeito da lei a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessem à insolvência, estipulando o artigo 51º do CIRE, “que são dívidas da massa insolvente as ocasionadas pelos atos de administração, liquidação e partilha ou atuação do AI, no exercício das suas funções”.

 O ganho obtido pela venda de bens imóveis, ainda que esta se faça em processo de insolvência e o respetivo produto fique afeto à satisfação dos credores da insolvência, não deixa de ser um rendimento obtido pelo insolvente, e como tal, está obrigado a declará-lo, (Obrigação declarativa), por outro lado a exigibilidade do imposto incumbe à massa insolvente, (Obrigação de pagamento), é também neste sentido que diversa jurisprudência se pronuncia, (veja-se a titulo de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 01410/16, data do Acórdão 2017-05-31, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 8729/12.4BVNG-G.P1).

 No caso em apreço, o Sujeito Passivo insolvente cumpriu com a obrigação prevista no n.º 1 do artigo 57º do CIRS, tendo entregue (apesar de fora de prazo) a Declaração Modelo 3 de IRS em 01/06/2016, dando origem à liquidação de IRS n.º 2016 ....

 Estando o imóvel afeto ao património particular do sujeito passivo insolvente, o rendimento obtido com a sua venda, concorre para a determinação da matéria coletável em sede de IRS, e sendo o valor da venda superior ao valor pelo qual imóvel foi adquirido, constitui-se um rendimento sujeito a IRS, enquadrável no conceito de mais valia, nos termos do artigo 10º do CIRS.

 E assim sucedeu, dando o Administrador de Insolvência cumprimento ao estipulado no artigo 158º do CIRE, vendendo o bem apreendido para a massa insolvente, e, gerando por essa via, dívidas emergentes de atos de liquidação da massa insolvente (alínea c) do n.º 1 do artigo 51º do CIRE).

 Conforme dispõe o n.º 1 e n.º 3 do artigo 172º do CIRE: “1 - Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários à satisfação das dívidas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo.

 O pagamento das dívidas da massa insolvente tem lugar nas datas dos respetivos vencimentos, qualquer que seja o estado do processo.”  Assim e face ao exposto supra, é entendimento da Autoridade Tributária (AT) que a regularização das dívidas identificadas (PEF n.ºs .........40), assim como as que, entretanto, se tenham vencido ou venham a vencer, e que sejam imputáveis à massa insolvente nos termos do artigo 51º do CIRE, são da responsabilidade da massa insolvente.

Respondeu o credor Banco ..., SA que:  Conforme os tribunais têm decidido, se no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma pessoa singular, forem alienados bens por valor superior àquele pelo qual tinham sido adquiridos pelo insolvente, o imposto devido pela mais-valia gerada por essa alienação é uma dívida da massa insolvente, nos termos do art. 51º, n.º1, c) do CIRE.

 Contudo, a Autoridade Tributária não reclamou o tributo em causa, nem o mesmo foi pago pela massa insolvente, no decurso do processo de insolvência, como o impunha o disposto nos artigos 172º, n.º3, e 232º, n.º3, do CIRE, o qual já se encontra encerrado.

 No caso concreto, o encerramento do processo foi decretado após a realização do rateio final, nos termos do artigo 230º, n.º 1, alínea a), e com os efeitos do artigo 233º, n.º 1, alíneas a) a d), todos do CIRE, conforme douto despacho datado de 26-06-2015, com a ref.ª1411106816.

 O douto despacho de encerramento não foi posto em crise e transitou em julgado.

 Ora, segundo o disposto no artigo 233º, n.º1, d), do CIRE, encerrado o processo de insolvência, os credores da massa insolvente podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos.

 Desta disposição decorre que se as dívidas da massa não tiverem sido satisfeitas no processo de insolvência, o respectivo credor pode, depois do encerramento do processo de insolvência após o rateio final, exigir do devedor que deixou de estar insolvente o seu pagamento.

 Assim, a Autoridade Tributária agiu bem ao liquidar e exigir o pagamento do tributo à Devedora C. B..

 No sentido supra exposto, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11-04-2018, rel. ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA, proc. 521/14.8T8OAZ.P1, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário infra se transcreve dada a similitude fáctica e legal com o caso sub iudice: I - Encerrado o processo de insolvência após o rateio final não é possível reabrir a instância do processo de insolvência para praticar de novo quaisquer actos que contendam com a reclamação de créditos, a sua verificação e graduação, a sua inclusão no plano e mapa de rateios e o seu pagamento pelo administrador de insolvência.

II – A qualificação dos créditos como créditos sobre a insolvência e créditos sobre a massa insolvente não decorre de diferenças ao nível da titularidade da relação creditícia e serve para assegurar que primeiramente se paguem as dívidas relativas a actos sem os quais a própria liquidação não teria lugar e que redundam afinal em proveito comum dos credores.

III - O CIRE não é fonte jurídica material de novas obrigações alheias ao devedor, nem interfere materialmente com a estrutura das obrigações creditícias cuja liquidação se vai fazer no processo de insolvência.

IV - Nos termos do art.º 233.º, 1, a), do CIRE, após o encerramento do processo os credores da massa podem reclamar do devedor os seus direitos não satisfeitos; isso é assim porque as dívidas geradas pela liquidação do activo, independentemente da sua qualificação como dívidas da massa, continuam a ser na sua estrutura jurídica dívidas da responsabilidade do insolvente.

V - Através da exoneração do passivo restante, o devedor é liberado dos créditos sobre a insolvência, não dos créditos sobre a massa e, em caso algum, dos créditos tributários.

 Conclui-se, pois, que o Credor Reclamante, ora expoente, ou a massa insolvente (inexistente), não deve pagar o montante solicitado pelo Administrador de Insolvência, a título de imposto devido pela mais-valia gerada pela alienação, porquanto, além de já não existir massa insolvente, a responsabilidade pelo seu pagamento incumbe, agora, à Devedora C. B., nos termos do disposto no artigo 233º, n.º1, d), do CIRE.

A insolvente também respondeu nos seguintes termos:  C. B., insolvente/devedora, nos autos de processo à margem referido e aí melhor identificada, tendo sido notificada do Douto Despacho proferido, com a Ref.ª CITIUS 164788891, vem apresentar o seu contraditório, o que faz, nos termos e com os fundamentos seguintes:  A dívida gerada pelo apuramento das mais-valias é uma dívida da massa insolvente e não do insolvente/devedor.

 Com efeito, quando, no decurso da liquidação dos bens que...

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