Acórdão nº 76/15.6T8ALJ.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | ANA CRISTINA DUARTE |
Data da Resolução | 12 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO No processo de interdição por anomalia psíquica – entretanto convertido em processo de acompanhamento de maior – que o Ministério Público intentou e em que era requerida D. G., vieram A. R. e M. S., respetivamente, protutor e vogal da irmã, acompanhada, alegar o incumprimento dos deveres da acompanhante E. C., requerendo a convocação do Conselho de Família.
Notificada a acompanhante, veio esta pronunciar-se, nos termos do requerimento junto a fls. 60 e 61.
Teve lugar Conselho de Família, no decurso do qual foi aprovado, com os votos dos vogais A. R. e M. S., a remoção de E. C. do cargo de acompanhante de D. G., tendo sido indicados para o cargo de acompanhante M. S. e de vogal M. C. (irmãs). O Ministério Público absteve-se por entender que não estavam reunidos todos os elementos necessários que permitam fundamentar uma decisão de remoção de E. C. do cargo de acompanhante, considerando que se deve aguardar o desfecho de dois inquéritos nos quais se investiga a prática de crimes de maus tratos e infidelidade por parte de E. C. contra bens pessoais e patrimoniais da acompanhada, uma vez que as denúncias apenas foram apresentadas na sequência do conflito entre os irmãos sobre a venda do imóvel.
Apesar da posição manifestada pelo MP, os vogais requereram, desde logo, a remoção da acompanhante.
Foram ouvidos a acompanhante e os vogais, a fim de ser apreciado o pedido de remoção da acompanhante.
O processo foi instruído com documentos, designadamente, o Relatório de visita domiciliária à residência da acompanhante, elaborado pela Segurança Social, extrato de conta bancária em nome da acompanhada, informação da Santa Casa da Misericórdia ... sobre a inscrição da acompanhada em Estrutura Residencial para Pessoas Idosas, informação da Divisão de Vitivinicultura da Direção Regional de Agricultura e Pescas do Norte sobre o direito de replantação da vinha em propriedade da acompanhada, Relatório Clínico da acompanhada, elaborado no Centro de Saúde e informação do Instituto de Segurança Social sobre as pensões de sobrevivência e sociais auferidas pela acompanhada.
O Ministério Público promoveu que seja removida da tutela E. C. e que, para exercer o cargo de acompanhante, seja nomeada M. S. (irmã da acompanhada), sendo nomeada para vogal V. F., também irmã da acompanhada.
Notificadas, as partes pronunciaram-se sobre os documentos e a promoção do MP, tendo a indicada M. S. declarado aceitar o cargo de acompanhante.
Foi proferida sentença que julgou o incidente procedente e, em consequência, decidiu remover E. C. do cargo de acompanhante de D. G. e designar como acompanhante de D. G., sua irmã M. S., nomeando como vogais a integrar o Conselho de Família, o já nomeado A. R., irmão da acompanhada, também para o cargo de protutor, e V. F., irmã da acompanhada.
E. C. interpôs recurso, tendo finalizado a sua alegação com as seguintes Conclusões: I. Por sentença proferida em 10 de agosto de 2020, o douto Tribunal a quo julgou procedente o incidente de remoção de acompanhante e, consequentemente, removeu E. C. do cargo de acompanhante de D. G., designou como acompanhante M. S. e nomeou como vogais a integrar o Conselho de Família A. R. e V. F..
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A recorrente E. C. dissente do acerto da decisão de direito ínsita no sentenciamento sob censura, impugnando-a através da presente via recursória.
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Em ordem a aquilatar-se do adequado cumprimento dos deveres próprios do cargo de acompanhante, perfilam-se dois segmentos: a) Cuidados de saúde, de higiene e de bem-estar providenciados à acompanhada por banda da acompanhante; b) Administração dos bens da acompanhada por parte da acompanhante.
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No que concerne ao primeiro vetor, resulta proficientemente dos autos que a acompanhada foi visitada diversas vezes no domicílio, encontrando-se tranquila, com aspeto cuidado, roupa lavada e asseada, sem sinais de desnutrição, sem alterações cutâneas, sem odores e num quarto com boas condições habitacionais (cfr. relatório de fls. 137 e 138 e documento de fls. 92 a 94).
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A acompanhada D. G. tem beneficiado de cuidados de elevada qualidade por parte da acompanhante. Dada a debilidade de saúde da D. G. e a sua específica condição de saúde, a prestação de cuidados em contexto familiar e de proximidade afetiva beneficiam-na sobremaneira. Por mais especializados e profissionais que possam ser os cuidados ministrados num lar de idosos ou numa estrutura do mesmo jaez, nada substitui o desvelo, o carinho, o cuidado e a importância da proximidade familiar e afetiva resultantes de a D. G. viver com a irmã E. C., em casa desta, acompanhada em permanência e beneficiando de cuidados personalizados e exclusivos.
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Se o acompanhamento da D. G. por parte da sua irmã E. C. for alterado por força da decisão contida na sentença recorrida e atribuído à irmã M. S., ficará prostrada num lar de idosos, privada do contacto regular, assíduo e permanente com a família, podendo apenas receber visitas espaçadamente e de forma assética e impessoal.
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Os irmãos da D. G. que querem retirá-la do contacto com a acompanhante E. C. disseram expressamente nos presentes autos que é seu propósito depositar a irmã na ERPI da Santa Casa de … (veja-se, a este respeito, o teor do último parágrafo do requerimento de fls. 38, as declarações de M. S. de fls. 70, onde expressamente consta que “se for nomeada acompanhante da D. G. irá colocá-la numa Unidade de Cuidados Continuados”, e os documentos de fls. 72 e 106).
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A douta sentença recorrida atém-se de forma praticamente exclusiva na parte financeira ou monetária do acompanhamento. Contudo, no que diz respeito aos cuidados de saúde, à qualidade do acompanhamento, às vantagens de não institucionalização da acompanhada, à proximidade afetiva quotidiana, aos sacrifícios inerentes a uma prestação de cuidados de proximidade e de qualidade, enfim, no que tange à vertente “pessoal” e humana do caso, é clamorosamente omissa.
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Mas mesmo que fossemos tributários de tal lógica quantitativa e numérica, sempre a decisão de remoção de E. C. do cargo de acompanhante seria errada e infundada.
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Desde logo, e no que diz respeito às quantias que a acompanhante levantou da conta da acompanhada, cumpre esclarecer que tais “movimentações bancárias” foram feitas dentro do complexo de poderes em que se encontra investida.
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Não resulta dos autos que tal dinheiro tenha sido dissipado, que tenha desaparecido ou que, de alguma forma, tenha sido subtraído à acompanhada. Nada nos autos permite afirmar que os movimentos bancários enumerados no ponto 16 dos factos provados são evidência de uma má gestão do património monetário da acompanhada.
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A sentença recorrida faz, neste domínio, uma análise dos valores que ao longo dos anos a acompanhada recebeu da Segurança Social, concluindo que existe uma diferença (para menos) entre tal montante e o valor das despesas suportadas pela acompanhante. Esta análise visa demonstrar que este diferencial de valores não justificaria o levantamento das quantias monetárias operadas pela acompanhante E. C..
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O raciocínio assim expendido faria todo o sentido não fora a circunstância de não se encontrar apurados nos autos o destino desse diferencial. Sabe-se que saiu da conta da acompanhada, sabe-se que foi a acompanhante que fez as movimentações, mas não se sabe nada acerca do paradeiro do dinheiro.
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O...
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