Acórdão nº 435/11.3TBVPA.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | JOAQUIM BOAVIDA |
Data da Resolução | 12 de Novembro de 2020 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães(1): I – RELATÓRIO 1.1. A Herança de R. P.
, representada pelo cabeça-de-casal D. S., intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra M. P.
e marido, A. P.
, pedindo que os Réus sejam condenados: «
-
Na entrega à Autora da casa de habitação inscrita na matriz urbana da freguesia de ...
, como artigo ..., do concelho de ..., livre e devoluta de pessoas e bens; B) No pagamento à Autora do valor de € 7.000 (sete mil euros), a título de ressarcimento pelo dano não patrimonial, e € 2.000 (dois mil euros), a título de ressarcimento pelo dano patrimonial, valores acrescidos dos respectivos juros a contar da citação e até efectivo e integral pagamento; C) Reconhecer a Autora como única e exclusiva proprietária do imóvel; D) No pagamento de sanção pecuniária compulsória de € 100 (cem euros) por cada dia de atraso na entrega da habitação».
Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que a autora da herança deixou como únicos e universais herdeiros o viúvo, cabeça-de-casal, D. S., e os filhos D. R. e M. M.. Acrescentou que a autora da herança era dona e legítima possuidora do prédio identificado na p.i. (composto de casa de habitação com a superfície coberta de 241,28 m2, e de quintal com 277,20 m2 de área, a confrontar de norte e nascente com caminho, sul e poente com proprietário), que adquiriu por sucessão e doação, além de ter exercido sobre o mesmo prédio todos os actos de posse, como proprietária, assim como o fizeram os seus ante possuidores.
Mais alegou que os Réus ocuparam a habitação no decurso do inventário que correu termos por morte de L. P. e D. A., autorizados pelo então cabeça-de-casal, pai do Réu marido, facto que nunca foi aceite pelos demais herdeiros, sendo que o imóvel não acabou adjudicado ao pai do Réu marido.
Por fim, alegaram existir vários episódios de insultos e ameaças, retirada de bens dos herdeiros dos locais onde os armazenam, computando danos não patrimoniais e patrimoniais.
*Os Réus contestaram por excepção, invocando a ilegitimidade activa por a acção não ter sido intentada por todos os herdeiros, impugnaram os factos alegados e deduziram reconvenção, na qual peticionam: A) – Serem os Reconvintes declarados donos e legítimos proprietários da casa de habitação, com a superfície coberta de cerca de 114 metros quadrados, adega contígua com cerca de 36 metros quadrados, e logradouro exterior, com cerca de cem metros quadrados, sendo a casa de habitação com altos e baixos, com duas divisões ou cortes na parte inferior, e na parte superior com cozinha, sala de jantar, três quartos, uma casa de banho e, ao fundo, a sul, mais dois compartimentos, sita em ...
, freguesia de ...
, concelho de ...
, a qual confronta a norte com caminho, a nascente com R. P., a sul e a poente com A. G.
, B) – Serem os Reconvintes declarados donos e legítimos comproprietários, na proporção de metade indivisa, do quinteiro ou pátio interior comum, com cerca de cinquenta metros quadrados, que confronta a norte com caminho, a nascente e sul com R. P. e poente com A. P., sito em ...
, freguesia de ...
, concelho de ...
».
*Em réplica, a Autora respondeu à excepção de ilegitimidade e defendeu-se por impugnação relativamente à reconvenção.
*1.2.
Foi admitida a intervenção principal provocada de D. R. e M. M.
.
Posteriormente, na sequência da dedução do competente incidente, considerou-se provada a cessão do direito de propriedade sobre o imóvel objecto do pedido deduzido na p.i., «que deixou de pertencer aos primitivos autores/chamados na qualidade de herdeiros de R. P. para passar a pertencer a D. S. e M. M., por direito próprio, na proporção de metade», e decidiu-se declará-los «habilitados a substituir o chamado D. R. na qualidade de herdeiro da referida herança, e deixando eles próprios de intervir na qualidade de herdeiros, mas por si e por direito próprio».
*Realizada audiência preliminar, foi proferido despacho-saneador, seleccionada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.
*1.3.
Após realização da audiência de julgamento, a Mma. Juíza proferiu sentença, cujo dispositivo a seguir se transcreve: «Face ao exposto, nos termos das disposições legais citadas, julgo a presente ação parcialmente procedente e totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência: a) declaro que os Autores D. S. E M. M. são proprietários, na proporção de metade, do prédio urbano id. em 5, e condeno os Réus M. P. E A. P. a reconhecer o aludido direito; b) absolvo os Réus do mais peticionado contra si e os Autores do pedido reconvencional».
*1.4.
Inconformados, os Autores D. S. e M. M. interpuseram recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões: «1- A Douta Sentença é ambígua e obscura, (nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 c) do C. P. C.), já que 2- reconhece os Autores como proprietários do prédio urbano ..., na “proporção de metade”, sem que seja claro que reconheça que cada um dos dois é proprietário de metade, ou que os dois sejam proprietários de ½ do artigo urbano ..., como literalmente parece querer dizer.
3- Esta dúvida está associada ao facto de, face aos factos provados e não provados, qualquer leitura ser possível, nomeadamente porque parece ser dada como provada a existência de duas habitações contíguas e autónomas – cfr. Factos 14 e 26.
4- Por outro lado, foram os próprios Réus que, em sede de Douta Contestação, referem que existem dois prédios distintos, que foram autonomizados há mais de 30 anos – cfr. Artigo 23.º da Contestação, 11/01/2012, referência 251850 – o que implica que, antes da alegada “autonomização” tenha existido apenas um prédio com o artigo ...
.
5- Ou seja, face à Contestação, e face aos factos provados 14 e 26, pode a Decisão significar que aos Autores só é reconhecido ½ da propriedade do artigo ....º (sendo que, nesse caso, o restante ½ não lhes será reconhecido).
6- No entanto, também é interpretável como que o Autor D. S. seja proprietário de ½ do prédio, sendo que o restante ½ será propriedade da Autora M. M.
.
7- Se acrescentarmos que os Autores foram absolvidos do pedido reconvencional, o que implica que aos réus não é reconhecida a propriedade tal como a invocam, ficamos sem perceber o que ao certo significa.
8- Nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 c) do C. P. C.
9- Os Autores foram totalmente absolvidos do pedido Reconvencional.
10- No entanto, os Réus foram apenas condenados a reconhecer os Autores como proprietários do prédio urbano ..., na proporção de “metade”, sendo absolvidos dos pedidos de condenação a devolver-lhes a casa livre de pessoas e bens, a indemnizá-los por danos patrimoniais e não patrimoniais, a reconhecê-los como únicos e exclusivos proprietários do prédio, e ainda no pagamento de sanção pecuniária compulsória de € 100, por cada dia de atraso na entrega do imóvel.
11- Acontece que ao absolver totalmente os Autores do pedido reconvencional, o tribunal determinou que o alegado pelos Réus foi totalmente inviabilizado pelo Tribunal.
12- Recorde-se que os Réus pugnaram pela sua absolvição dos pedidos, e em reconvenção pediram que fosse declarado que eles fossem declarados donos e legítimos proprietários de “…casa de habitação … a qual confronta a norte com caminho, a nascente com R. P., a sul e poente com A. G.”.
13- Mas se os Autores foram totalmente absolvidos deste pedido, não se compreende que apenas tenha sido declarado que os Autores são proprietários “… do prédio urbano id. em 5, e condenados os Réus … a reconhecer o aludido direito;” mas absolvidos os Réus do mais peticionado.
14- Ao absolver, totalmente, os Autores do pedido reconvencional, o Digníssimo Juiz do Tribunal ad quo tinha necessariamente que condenar os Réus a devolver-lhes a casa livre de pessoas e bens, a indemnizá-los por danos patrimoniais e não patrimoniais, a reconhecê-los como únicos e exclusivos proprietários do prédio, e ainda no pagamento de sanção pecuniária compulsória de € 100, por cada dia de atraso na entrega do imóvel.
15- Se acrescentarmos a matéria que consta de factos provados 8, 9, 10, 11, 24, 26, 27, 29, 30, 31, que em suma determina que ambas as partes da casa partilham as mesmas fundações e paredes mestras interiores e exteriores, e que mantinham ligações internas (que foram fechadas pelos Réus), que tem um quinteiro interno, com apenas um acesso ao caminho, e apenas utilizado pelos Autores, e que ¼ do artigo urbano ... adveio aos Autores por doação de M. B., e ¾ por via do Inventário 76/1991, e que os Réus entraram para a parte que ocupam durante esse inventário, por mão do pai do réu, que era cabeça de casal no inventário, que ponderava a hipótese de adjudicar o prédio, e que, após o inventário, os réus não deixaram a casa contra a vontade da autora (tudo matéria alegada pelos Autores), 16- Ficamos na dúvida: 17- Então se a parte ocupada pelos Réus não lhes pertence (visto os Autores terem sido absolvidos do pedido Reconvencional), mas visto os Réus terem sido absolvidos dos pedidos de deixar a parte por eles ocupada, então que decide o Tribunal? 18- A parte ocupada pelos Réus não é de ninguém?!!! 19- O Tribunal não decidiu! 20- Tal como dito supra em A), a Douta Sentença é ambígua, e tudo pode significar, mas, vista a matéria de facto (mormente Factos provados 8, 9, 10, 11, 24, 26, 27, 29, 30, 31) e analisada a Decisão, ficamos com a noção de que o Tribunal não é consequente, e congruente, pois não tira as devidas consequências, que poderiam ser ou a condenação dos Réus em deixar a parte por eles ocupada (a mais lógica face aos factos provados), ou a condenação dos Autores no pedido Reconvencional (que não aconteceu).
21- Face a isto, os Autores respeitosamente entendem que se encontram violados os artigo 607.º, 609.º (limites da condenação), e do disposto no artigo 608.º n.º 2 do C. P. C.
22- A resposta à matéria de facto é confusa, e incoerente.
23- Isto porque é contraditória, seja dentro das respostas aos factos provados, seja adequando as respostas aos...
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