Acórdão nº 4660/19.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 12 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução12 de Novembro de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO Nos presentes autos de inventário para partilha de bens em consequência de divórcio, em que é requerente J. S.

e requerida M. C.

, o requerente interpôs recurso de impugnação do despacho que decidiu a reclamação contra a relação de bens por ele apresentada, proferido pela Exma. Sra. Notária M. S., no processo de inventário n.º 247/2016, pugnando pela alteração de tal decisão no sentido de incluir no activo o crédito de € 125.000,00 de tornas pagas pelo casal (correspondentes a 5/6 de € 150.000,00), com dinheiro comum do casal, devidas pela cabeça-de-casal aos seus irmãos, na aquisição de 5/6 dos imóveis da herança de seus pais, e excluir o débito de € 34.472,14 do reclamante/recorrente à cabeça-de-casal, correspondente a metade do capital em dívida do empréstimo requerido pelo ex-casal junto do Banco ..., para realização de obras nos imóveis acima referidos, e que já foi pago pelo seguro do ramo vida em virtude de doença contraída pela cabeça-de-casal.

O reclamante/recorrente apresenta as seguintes conclusões [transcrição]: I - Ao não se pronunciar sobre a questão concreta de deverem ser relacionados os 5/6 do valor dos bens adquiridos pela cabeça de casal na partilha da herança de seus pais, correspondentes ao valor das tornas pagas pela cabeça de casal e pelo recorrente, com dinheiro comum do casal, a decisão recorrida é nula nos termos do artigo 615º, nº. 1, alínea d) do CPC; II - Com efeito, essa questão foi submetida à decisão e a Senhora Drª. Notária limitou-se a dizer que tais bens eram próprios da cabeça-de-casal, não decidindo sobre o que lhe foi requerido; III - Além disso, invocou o artigo 1722º do Código Civil, sem ter observado o n.º 2 desse artigo, que prevê a compensação ao património comum, que foi invocada; IV - Sendo certo e estando provado documentalmente que as tornas foram pagas na constância do casamento, com dinheiro comum, e sem qualquer declaração do recorrente que afastasse a natureza comum desse dinheiro; V - O seguro vencido em favor da pessoa de cada um dos cônjuges ou para cobertura de riscos sofridos por bens próprios, são exceptuados da comunhão, nos termos do artigo 1733º, n.º 1, alínea e) do Código Civil; VI - Porém, o seguro vencido que serviu para liquidar o empréstimo do Banco ..., de € 68.944,27, não foi estabelecido em favor de um ou de outro cônjuge, mas em favor dos dois, pelo risco garantido a cada um; VII - Na verdade, ambos eram tomadores do seguro, responsáveis pelos prémios, que saíam da conta solidária; VIII - E tal seguro garantia o pagamento do débito de ambos pela ocorrência do sinistro de saúde ou vida de um ou de outro cônjuge; IX - Pelo que a indemnização recebida, que pagou o resto do crédito, libertou do crédito ambos os cônjuges, como era o risco coberto e garantido; X - Não tendo o recorrente que compensar ou que reconhecer que a indemnização que pagou o crédito era exclusiva da cabeça de casal.

Após tal recurso de impugnação, a cabeça-de-casal M. C. apresentou nova relação de bens, na qual aditou como passivo as seguintes verbas: Verba nº. 12 – benfeitorias resultantes do empréstimo, no valor de € 68.098,68; Verba nº. 13 – benfeitorias resultantes da venda do prédio, no valor de € 87.000,00; Verba nº. 14 - crédito da cabeça-de-casal sobre o requerente, no valor de € 34.472,14.

A Sra. Notária admitiu o mencionado recurso de impugnação, referindo que o despacho decisório que pôs termo ao incidente de reclamação da relação de bens deve ser impugnado no recurso que vier a ser interposto da decisão de partilha, escudando-se no artº. 76º, n.º 2 do Regime Jurídico do Processo de Inventário (doravante designado por RJPI), aprovado pela Lei nº. 23/2013 de 5/3.

O mesmo interessado J. S., ao abrigo do disposto no artº. 57º, nº. 4 do RJPI, interpôs também recurso de impugnação do despacho determinativo da forma à partilha proferido pela Exma. Sra. Notária, pugnando pela revogação da decisão que declarou a existência de crédito da cabeça-de-casal sobre si, no valor de € 34.472,14, e pela remessa, quanto às demais questões por si elencadas, para os meios comuns.

Os fundamentos invocados reconduzem-se às seguintes conclusões [transcrição]: I) - O recorrente integra no presente recurso de impugnação o recurso que já foi interposto da decisão do incidente de reclamação da Relação de Bens; II) – A complexidade da prova a produzir e a analisar sobre a compensação devida pelo património comum ao património do recorrente pelos valores resultantes do preço da venda da casa recebida dos pais requerente; III) – E pelo património comum ao património do requerente, pelo preço da venda de servidões próprias, e a confusão desses valores no património comum do casal; IV) – Ou a prova de que esses valores foram directamente gastos no pagamento das tornas devidas pela cabeça-de-casal aos seus irmãos para a aquisição em partilha dos bens que licitou; V) – E ainda a declaração da natureza de bem comum ou de bem próprio do requerente, da casa recebida de seus pais, quando tinha sido construída pelo requerente, antes do casamento; VI) - São questões que devem ser remetidas para os meios comuns, nos termos do artº. 36º do RJPI; VII) – Já a natureza de bem comum do dinheiro pago pelo seguro do banco credor, de € 68.944,28, é bem comum do casal; VIII) - Porque resultante da cobertura de um sinistro contratada pelo casal, em contrato de seguro de vida grupo para pagamento de um crédito bancário; IX) - Pelo que não existe a obrigação de compensação do património comum ao património próprio da cabeça de casal, não existindo o declarado crédito de € 34.472,14 da cabeça de casal sobre o recorrente.

Este recurso foi admitido por despacho da Sra. Notária de 20/08/2019, no qual determinou a remessa do processo para o Tribunal de 1ª instância.

O Tribunal “a quo” admitiu os supra mencionados recursos interpostos pelo interessado J. S. por despacho de 11/09/2019 (cfr. fls. 152).

A requerida/cabeça-de-casal M. C., por sua vez, interpôs recurso de impugnação do despacho determinativo da forma à partilha proferido pela Exma. Sra. Notária, pugnando pela revogação da decisão que anulou a licitação, efectuada por si, das verbas nºs 12 e 13, pelo valor global de € 30.000,00, após ter admitido a licitação sobre as benfeitorias ou, subsidiariamente, pela revogação de tal decisão e sua substituição por outra que determine a avaliação das benfeitorias.

A recorrente apresentou as seguintes conclusões [transcrição]: I) A Sra. Notária anulou a licitação efectuada pela cabeça-de-casal, dessas verbas, no valor global de € 30.000,00, após admitir a licitação sobre as benfeitorias; II) A licitação não deveria ter sido anulada, devendo manter-se, uma vez que a licitação de benfeitorias é admitida; III) No caso de não se entender assim, o valor das benfeitorias terá que ser objecto de avaliação.

Este recurso foi admitido por despacho da Sra. Notária de 2/10/2019, no qual também determinou a remessa do processo para o Tribunal de 1ª instância.

O interessado J. S. apresentou resposta ao recurso de impugnação da cabeça-de-casal, pugnando pela sua improcedência, alegando, para tanto, que: - a avaliação dos bens, no inventário notarial, só pode ser requerida ou determinada até ao início da conferência preparatória, nos termos do artº. 48º, nº. 2 do RJPI; - a questão que existe nos autos é sobre a natureza de “bem comum” do dinheiro aplicado nos prédios da cabeça-de-casal, e não sobre o seu montante, ou o valor actual das benfeitorias; - a Sra. Notária reparou uma nulidade processual, que foi a de pôr à licitação benfeitorias insusceptíveis de serem separadas de prédio de terceiro, que não faziam parte da relação de bens, assim reparando a ilegalidade de a recorrente poder definir, para menos, os encargos do património comum, a dividir, que já estavam fixados no seu valor.

O recurso interposto pela cabeça-de-casal M. C. foi admitido por despacho do Tribunal “a quo” proferido em 10/01/2020 (cfr. fls. 200).

Em 10/03/2020 foi proferida sentença que julgou os recursos interpostos pelo interessado J. S. parcialmente procedentes e, em consequência: a) declarou-se a decisão que apreciou o incidente de reclamação à relação de bens nula, por omitir a apreciação da relevância da contribuição do património comum do casal para o pagamento, pela cabeça-de-casal, de tornas no processo especial de inventário n.º 3722/07.1TBGMR, que correu termos no extinto 3º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Guimarães; b) revogou-se a decisão que apreciou o incidente de reclamação à relação de bens no segmento em que declarou a existência de um crédito da cabeça-de-casal sobre o interessado J. S. no montante de € 34.472,14, decorrente do pagamento, por seguradora, do valor em dívida relativo ao contrato de mútuo celebrado por ambos os interessados.

Mais se decidiu julgar o recurso interposto pela cabeça-de-casal M. C. integralmente improcedente.

Inconformada com tal decisão, a requerida/cabeça-de-casal M. C. dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: I) O recorrido impugnou a relação de bens, pretendendo que fosse relacionado 5/6 de dois bens imóveis, e nada mais.

II) O recorrido não solicitou que fosse relacionado qualquer crédito, sendo certo que a recorrente não se pronunciou, sobre a origem do dinheiro das tornas, nem tinha que se pronunciar, nem tão pouco a Sra. Notária, uma vez que a única coisa a decidir era saber se deveria ou não ser incluído na relação de bens os 5/6 dos dois imóveis, não tendo ficado apurada a proveniência do dinheiro.

III) Assim, não se verifica qualquer nulidade, uma vez que a Sra. Notária não tinha que se pronunciar sobre uma questão que não foi colocada, e que não é de conhecimento oficioso.

IV) O Meritíssimo Juiz a quo pronunciou-se sobre uma questão, de que não podia conhecer, pelo que há nulidade da decisão, nesta parte, por excesso de pronúncia, uma vez que tratou de uma...

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