Acórdão nº 1487/17.8T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução08 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.- M. R. e M. J. intentaram a presente ação de investigação de paternidade contra A. B. pedindo que se declare que este é o seu pai e que seja averbado ao assento de nascimento de cada uma delas, Autoras, a paternidade do Réu bem como os ascendentes paternais em 2.º grau.

    Fundamentam alegando, em síntese, que durante o período legal de conceção de cada uma delas, a mãe manteve relações sexuais com o Réu e que este sempre as reconheceu como filhas, tratamento que cessou apenas desde o último Natal (Dezembro de 2016).

    O Réu contestou, excepcionando a caducidade da acção e, por impugnação, negando o reconhecimento/tratamento das autoras como filhas. Invoca o abuso de direito, alegando que as Autoras propõem a presente ação quase 40 anos após terem atingido a maioridade, apenas com a esperança de tentar extorquir vantagens patrimoniais e por em causa a vida privada do Réu e a sua estabilidade emocional.

    Em sede de audiência prévia, as Autoras responderam à exceção de caducidade e ao invocado abuso do direito. Foi definido o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

    Foi determinada e realizada perícia de investigação de parentesco biológico pelo INML, tendo-se concluído pelas probabilidades de 99,99999999% e 99,99999998% de o Réu ser pai das autoras M. R. e M. J., respetivamente.

    Teve lugar a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença decidindo: - Declarar ser o Réu, A. B., pai biológico das Autoras, M. R. e M. J..

    - Ordenar o averbamento no assento de nascimento das Autoras, M. R. e M. J., da paternidade destas por parte do Réu, A. B., bem como, e em consequência, do nome dos ascendentes em 2º grau das Demandantes, pais do Demandado.

    Inconformado, traz o Réu o presente recurso pedindo a reapreciação da decisão de facto e a revogação do decidido.

    Contra-alegaram as Autoras propugnando para que se mantenha a decisão impugnada.

    Foram colhidos os vistos legais e apresentado o projecto de acórdão pela Relatora, o qual, submetido à discussão, não obteve integral concordância.

    Cumpre elaborar o acórdão definitivo de harmonia com a orientação que prevaleceu.

    **II.- O Apelante/Réu formulou as seguintes conclusões: 1. A questão essencial que se suscita no presente litígio é saber se desde a tenra idade das Autoras, ora recorridas, o Réu, ora recorrente, sempre tratou, quer em termos pessoais, quer diante de outras pessoas, as Autoras como filhas, dispensando-lhes os mesmos cuidados e carinhos que concedia aos filhos nascidos do respectivo casamento, e se se verifica ou não a caducidade da ação pela cessação do tratamento nos últimos 3 anos por confronto com a data da instauração da ação (15/11/2017).

    1. Quanto a estas questões, o tribunal a quo deu como provado pelas Autoras o tratamento e como não provado pelo Réu a cessação do tratamento há mais de 3 anos por confronto com a data da propositura da ação.

    2. Em cumprimento do ónus que decorre para o recorrente do disposto no artigo 640 n.º 1 do CPC, especifica o recorrente que os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados são os pontos 12, 13, 14, 15, 18, 20, 21, 23, 25, 27, 28, e 34 sendo que, em seu entender os pontos 12, 13, 14, 15, 20, 21, 23, e 28 deveriam ter sido dados como não provados e os pontos 18, 25, 27, e 34 provados mas noutros termos.

    3. O recorrente não põe em causa que na situação dos autos foi feita prova direta da filiação biológica na sequência dos exames ADN levados a cabo.

    4. No entanto, esta prova não é suficiente, uma vez que encontra-se ultrapassado o prazo previsto no n.º 1 do artigo 1817 do CC – perfeitamente demonstrado nos autos atenta a data da instauração da ação por contraponto com o final do prazo de 10 anos a contar da maioridade das Autoras.

    5. O recorrente também não põe em causa a reputação como filhas pelo público, mas que por si só não é suficiente para consubstanciar o conceito de posse de estado - artigo 1871 do CC 7. Entende o recorrente que não foi feita a prova do tratamento (nº 3 do artigo 1817 do CC) 8. O Tribunal a quo concluiu, face ao circunstancialismo que dá como provado, e que consiste essencialmente nas relações de proximidade entre as AA e a sua família (designadamente os avós e os tios), pela existência afetiva de um tratamento de pai dispensado pelo Réu às Autoras.

    6. Ora o Tribunal a quo não fundamenta a sua decisão numa atuação do Réu reveladora de um mínimo de afeto e ajuda moral e material ao longo do tempo em relação às Autoras.

    7. O Tribunal a quo distingue claramente dois períodos, o primeiro referente à infância das Autoras, e o segundo referente ao período posterior à sua ida para Espanha em 1980, dando como provados os convívios no primeiro período como resultando das declarações das testemunhas M. A., J. B., J. R., e N. B., e das declarações de parte das Autoras, e quanto ao segundo período, alguns mas raros contactos presenciais e telefonemas no Natal como resultando apenas das declarações de parte.

    8. A prova dos convívios entre pai e filhas durante a infância, contrariamente ao referido na sentença, não decorre do depoimento da testemunha M. A. prestado na sessão de julgamento de 03 de abril de 2019, ficheiro 20190403121948 de (04:04 a 05:20), de (06:20 a 06:37) de (10:58 a 13:05) de (13:33 a 13:55) que afirmou não saber se eles conviviam porque “morava um pouco distante e que nunca viu o Réu passear com as filhas” 12. Também não decorre do depoimento da testemunha J. R. prestado na sessão de julgamento de 03 de abril de 2019, ficheiro 20190403152042 de (00.54 a 01:22) de (01:52 a 02:07) de (7:22 a 09:42) de (10:08 a 10:33) de (12:43 a 13:20), e do ficheiro 20190403153440 de (3:43 a.04:18), de (4:35 a 04.44) de (06:40 a 06:44) de (08:43 a 08:55), uma vez que esta testemunha não tem um conhecimento direto dos factos ou seja as respostas que deu reconduzem-se a uma mera opinião, extravasando manifestamente os limites da prova testemunhal, tendo apenas concluído que não consegue avaliar o relacionamento entre as Autoras e o Réu.

    9. Quanto à testemunha N. B., irmão do Réu conforme refere a sentença a quo apenas admitiu a possibilidade de as Autoras poderem ter sido tratadas pelos seus pais como netas embora nunca tenha presenciado o Réu na presença das Autoras em casa dos pais, depoimento ficheiro 20190605115339 na audiência de 05 de junho de 2019 de (06: 19 a 06:46) de (07:13 a 07:41) de (10.37 a 11:37) 14. Ao invés resulta dos vários depoimentos das testemunhas ouvidas nomeadamente vizinhos e residentes na aldeia desde sempre, J. S., vizinho durante a infância das AA, ficheiro 20190403141748 audiência de 03 de abril de 2019 de (06:00 a 06:35) de (06:46 a 06:53) de (08:56 a 09:19), de J. B., vizinho, ficheiro 20190403142901 audiência de 03 de abril de 2019 de (06:00 a 06:34) de (08:45 a 09:07) de (09:30 a 09:42) de (19:32 a 19:45), que nunca houve relacionamento entre as Autoras e o Réu.

    10. O mesmo se dirá quanto às testemunhas O. P. (viveu em Alfaio entre 1960 e 1976), ficheiro 201904031450328 audiência de 03 de abril de 2019 de (5:00 a 05:13) de (5:49 a 06:00) da testemunha J. A., vizinha das Autoras, ficheiro 20190403151030 audiência de 03 de abril de 2019 de (5:11 a 5:22) de (05:44 a 06:11), 16. Tal ausência de convívios e contactos também decorre dos depoimentos das testemunhas indicadas pelo Réu, nomeadamente a sua filha legítima, M. C., ficheiro 20190403160332 audiência de 03 de abril de 2019 de (01:25 a 06:08) de (07 :11 a 09: 23) de (22:55 a 24:21) de (29:36 a 30:11) de (31 :05 a 31: 57) de (32:23 a 32: 29) de (34:43 a 34:45), depoimento que não foi valorado pelo Tribunal a quo.

    11. Tal materialidade referida em 16, também resulta do depoimento do outro irmão do Réu, M. B., ficheiro 20190605112740 audiência de 05 de junho de 2019 de (4:29 a 05:00) de (09.10 a 09:29) de (10:30 a 10:50) de (11:34 a 11:38) de (12:18 a 12:57) de (15:03 a 15:10) 18. Assim não poderia ter sido considerado demonstrada e provada a materialidade acolhida nos pontos 12, 13, 14 porque dos depoimentos transcritos nenhuma testemunha veio corroborar qualquer contacto entre o Réu e as Autoras, nem na rua, nem em casa dos avós, durante a infância/adolescência destas, embora se admita que as mesmas tenham frequentado a casa dos avós na ausência do Réu, pelo que deverá o Tribunal ad quem fazer uso da faculdade prevista no artigo 662 do CPC e modificar a resposta dada a estes pontos, dando-se os mesmos como não provados.

    12. Quanto ao ponto 13, a filha legítima do Réu M. C. não confirmou ter convivido com as Autoras M. R. e M. J. quando estas eram crianças, até porque em 1978, esta tinha 5 anos e as Autoras 18 e 16 anos respectivamente, pelo que não é credível que este único episódio relatado e dado como provado pelo Tribunal a quo com base nas declarações de parte da Autora M. J. que afirmou nas suas declarações prestadas na audiência de julgamento de 03 de abril de 2019 (depoimento 20190403114128) entre os 15.41 min. e os 16:14 min. que teriam ido passear com o Réu e com os filhos legítimos dele no carro dizendo “que iam os 4 meninos atrás no carro”, incongruência da qual o Tribunal a quo não retirou qualquer conclusão, dando como provado sem mais o ponto 13, com base nas declarações das Autoras, quando deveria ter sido dado como não provado.

    13. Quanto ao ponto 14 dos factos provados, o tribunal a quo não podia ter dado com provado que as Autoras tratavam o Réu por pai, não recusando este tal tratamento, apenas e tão só com base nas declarações das Autoras, sem qualquer outro meio de prova, pois nenhuma testemunha, e muito menos a testemunha M. A., presenciou qualquer encontro ou conversa entre eles que viesse confirmar tal tratamento.

    14. Quanto ao ponto 15, não podia o Tribunal a quo ter dado como provado este facto com base no depoimento da testemunha M. A. que prestou um depoimento contraditório e pouco convincente (conforme decorre das declarações acima transcritas), dizendo o dito pelo não dito, afirmando...

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