Acórdão nº 328/18.3T8CBC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelMARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Data da Resolução08 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I – Relatório S. S.

e M. G.

instauraram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra M. C.

e M. P.

pedindo a sua condenação: (a) a reconhecerem que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio misto sito na Rua ..., nº …, lugar de ..., freguesia e concelho de …., descrito na C.R. Predial ... com o nº ..../19910409 e inscrito nas matrizes prediais sob os art. …º urbano e …º rústico, ambos da freguesia ...; (b) a reconhecerem que é parte integrante desse prédio misto uma rampa, com cerca de 5 metros de comprimento e 2 de largura, que permite a ligação da garagem e das escadas de acesso ao primeiro andar do prédio urbano à via pública, bem como o acesso ao terreno do prédio rústico, com 1.150,00 m2; (c) a absterem-se de praticar actos que violem esse direito de propriedade e a desobstruírem o acesso através da dita rampa, desde a via pública; (d) a indemnizarem, solidariamente, cada um dos autores, mediante o pagamento de uma quantia nunca inferior a € 500,00, pelos danos morais por estes sofridos em virtude da ilegítima ocupação da rampa.

Subsidiariamente, pediram que as rés reconheçam que aqueles: (e) adquiriram a faixa de terreno onde está implantada a rampa em apreço, com cerca de 10m2, por usucapião.

Ainda, subsidiariamente, pediram que se declarasse e que fossem as rés condenadas: (f) a reconhecerem a existência de uma servidão de passagem, com as características da mencionada rampa, a beneficiar o prédio registado a favor dos autores e a onerar o prédio das rés.

Em caso de condenação nos pedidos (e) ou (f), pediram que as rés fossem condenadas, também: (g) a absterem-se de praticar actos que violem os direitos reconhecidos nos pedidos (e) e (f) e a desobstruírem o acesso através da rampa desde a via pública.

Por último, pediram que as rés fossem condenadas: (h) no pagamento de sanção pecuniária compulsória de € 50,00 por dia, a partir da data do trânsito em julgado da sentença e até ao seu efectivo cumprimento, designadamente até à remoção dos tijolos e pedras colocados entre a rampa e a via pública que impedem o acesso à garagem e ao terreno murado.

Para tanto alegam, em síntese, que são proprietários do prédio misto referido m (a), o qual, há mais de 40 anos, sempre teve acesso à via pública através de uma rampa que descrevem com a largura de cerca de 2 metros e o comprimento de cerca de 5 metros. Em Setembro de 2018 esta rampa foi obstruída por pedras e tijolos colocados pela 1ª ré com o conhecimento e aceitação da 2ª ré.

*As rés apresentaram contestação pugnando pela improcedência da acção.

Deduziram reconvenção para a eventualidade de proceder a acção quanto ao pedido de reconhecimento da servidão de passagem, na qual pediram a condenação dos autores no pagamento de uma indemnização no montante de € 4.000,00 pela desvalorização do seu prédio.

Mais pediram que os autores fossem condenados, enquanto litigantes de má-fé, em multa e indemnização a arbitrar a favor das mesmas em montante nunca inferior a € 2.000,00.

Para tanto alegaram, em síntese, que a parcela de terreno reivindicada pelos autores sempre foi por si e antepossuidores utilizada como um eido/quinteiro, designadamente para a triagem de produtos hortícolas e colocação de molhos de lenha e mato, como local de estacionamento dos respectivos automóveis e, mais recentemente, para canteiro, o que vem sucedendo desde há mais de 50 anos, à vista de toda a gente. Os autores apenas se deslocavam muito pontualmente ao local em causa, não fazendo um uso regular, ininterrupto e contínuo do “espaço” reivindicado. Mais alegaram as rés que os autores não têm qualquer garagem no seu prédio, porquanto a largura de entrada não permite que ali entrem veículos automóveis e que têm um outro modo de aceder ao seu prédio, pela via pública, sem ser através do prédio das rés, nomeadamente através da parte cimentada em frente do portão.

Por fim, invocam que os autores litigam com má fé, ao conscientemente alegar factos falsos com o intuito de causar danos às rés e ao ocultar outros que seriam essenciais à descoberta da verdade material.

*Os autores apresentaram réplica pronunciando-se sobre os factos e documentos juntos com a contestação na parte em que aqueles, segundo alegaram, configuravam matéria de excepção. Mais contestaram a reconvenção pugnando pela improcedência do pedido reconvencional e mantendo, em síntese, o alegado na petição inicial.

*Os rés pronunciaram-se referindo que os autores não poderiam ter respondido aos factos por elas alegados na contestação.

*Procedeu-se a audiência prévia, na qual foi admitida a reconvenção, fixado o valor da causa, admita a réplica apenas no segmento em que serve de resposta à reconvenção e na parte em que os autores se pronunciam quanto à documentação junta com a contestação/reconvenção.

Mais foi fixado o objecto do litígio, foram enunciados os temas da prova, admitidos os requerimentos probatórios, foi ordenada uma verificação não judicial qualificada por técnico especializado (topógrafo), nomeado pelo tribunal e foram designadas datas para audiência de julgamento.

*Após junção do relatório apresentado pelo referido técnico procedeu-se a audiência de julgamento, finda a qual foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos em parte: “Nestes termos, julgo parcialmente procedente a ação e totalmente improcedente a reconvenção e, em consequência: - Condeno as rés a reconhecerem que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio misto sito na Rua ..., n.º …, lugar de ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial com o n.º ..../19910409 e inscrito nas matrizes prediais sob os artigos ...º urbano e ...º rústico, ambos da freguesia ...; - Condeno as rés a reconhecerem a servidão de passagem carral e pedonal, com as características da parcela de terreno representada como “área em litígio” na planta topográfica de fls. 95 verso, daí se excetuando o patamar das escadas, a beneficiar aquele prédio dos autores; - Condeno as rés a absterem-se de praticar atos que violem esse direito e a desobstruírem o acesso através daquela parcela de terreno, desde a via pública; - Absolvo autores e rés do mais peticionado. (…)”.

*Não se conformando com esta sentença vieram as rés dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “

  1. A decisão sob recurso não só se apresenta como nula, como é resultado de manifestos erros do Tribunal a quo, tanto na apreciação da matéria de facto, como, e aqui de forma flagrante, na aplicação do direito; B) O Tribunal a quo decidiu condenar as Recorrentes no reconhecimento de uma servidão de passagem com localização, configuração e extensão diversas da que foi alegada e, consequentemente, peticionada pelos Recorridos na petição inicial; C) Isso mesmo se extrai, desde logo, para além, obviamente, da leitura da petição inicial, da simples visualização da representação topográfica de fls 95, para a qual o Tribunal a quo remete, porquanto a zona delimitada a vermelho, ou seja, a dita área em litígio – mesmo exceptuando-se o patamar das escadas –, não corresponde, nem de perto, nem de longe, à configuração geométrica descrita na petição inicial; D) Como assim se conclui quer da inquirição levada a cabo pelo Ilustríssimo mandatário dos Recorridos ao técnico responsável pela elaboração da representação topográfica referida (min 2:51 a 5:05), E) quer do que resulta do documento número 5 junto com a petição inicial, pois que só uma área que se inicia a partir do portão de acesso ao prédio urbano dos Recorridos e daí, na extensão de 5 metros, por dois de largura, até ao final da rampa cimentada é compaginável com a representação do perímetro do prédio dos Recorridos que estes mesmos indicam e representam neste documento; F) Ao dar como provado e ao decidir que a área em litígio, a área correspondente à parcela sobre a qual os Recorridos reclamam um direito de servidão de passagem, é à “área em litígio” identificada na representação topográfica de fls 95., o Tribunal a quo socorreu-se de factos, utilizou factos, essenciais para a decisão tomada que não foram alegados pelas partes, concretamente, pelos Recorridos.

  2. Consequentemente, a sentença é, desde logo, nula, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.

  3. Concomitantemente, tendo o Tribunal a quo, condenado as Recorrentes no reconhecimento de uma servidão – e na consequente obrigação de não praticar actos que violem o direito a essa concreta servidão – com extensão física, configuração e em local diferente do peticionado, condenou em objecto diferente do pedido; I) Pelo que, também por esta razão, a decisão, nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 615º do CPC, se apresenta como nula, J) Sem prejuízo das apontadas nulidades, entendem as Recorrentes que o Tribunal a quo, para além dos erros de natureza adjectiva que comprometeram a validade da sentença, incorreu noutros erros de julgamento, tanto na decisão da matéria de facto, como na aplicação do direito; K) O tribunal a quo errou na decisão sobre a matéria de facto quando dá como provados os factos elencados sob os pontos “7” e “8” dos mesmos.

  4. O facto elencado sob o número “7” não só não resultou provado da demais da prova produzida, como resulta infirmado, de forma clara, pelos depoimentos conjugados do técnico responsável pela verificação não judicial (min. 8:40 a 9:37) e das testemunhas M. T. (min. 4:42 a 5:20), arrolada pelas Recorrentes, e J. C. (min. 14:32 a 15:06), arrolada pelos Recorridos; M) Já no que se refere ao facto elencado sob o número “8”, atendendo a que o Tribunal a quo considerou – já se viu que mal – como área da servidão de passagem reclamada pelos Recorridos a parcela identificada como “área de litígio” representada a fls 95, pela simples análise desse levantamento topográfico se conclui que a área jamais poderia ser aquela aí descrita e configurada.

  5. O que tem cerca de 5 por 2 metros...

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