Acórdão nº 6686/18.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução08 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO A. T. e mulher M. B. intentaram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A. J. e mulher C. M., pedindo que: 1) se declare validamente denunciado o contrato de comodato identificado nos autos; 2) sejam os RR. condenados a restituir aos AA. o prédio descrito nos artºs 4 e 5º da petição inicial; 3) sejam os RR. condenados a pagar aos AA. a quantia de € 2.100,00 pela privação do uso desse prédio desde 23 de Abril de 2018 até ao mês da instauração da presente acção (Novembro de 2018), acrescida de € 300,00 por cada mês ou fracção dos meses seguintes.

Para tanto alegam, em síntese, que o referido prédio pertencia a A. F., o qual, em 23 de Abril de 2003, por escrito particular, declarou ceder gratuitamente o seu gozo aos aqui RR., pelo prazo de 15 anos contados a partir da data da sua assinatura.

Foi aí acordado entre o referido Sr. A. F. e os RR. que o contrato seria prorrogado automaticamente se não fosse denunciado por nenhuma das partes até 6 meses do seu fim.

No dia 17 de Novembro de 2004 faleceu o referido A. F., no estado de viúvo de R. S., sem descendentes nem ascendentes, tendo deixado testamento em que instituiu seus únicos e universais herdeiros J. S. e mulher M. L..

Estes últimos, em 15 de Fevereiro de 2017, celebraram escritura pública em que declararam vender ao aqui A. marido, que declarou comprar, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ..., da freguesia de ..., mostrando-se a propriedade daquele registada em nome dos AA. desde 23 de Fevereiro de 2017.

No dia 9 de Agosto de 2017 os AA. requereram a notificação judicial dos RR., por agente de execução, dando-lhes “conhecimento de que o requerente não pretende que o contrato de comodato se renove, na próxima data de renovação”.

Em 20 de Setembro de 2017, os RR. foram notificados da cessação do contrato, por não renovação do mesmo, mas não entregam o prédio, estando desde 23 de Abril de 2018 a privar os AA. de utilizar ou permitir que outros utilizem o referido prédio, impedindo os AA. de obterem um rendimento, caso o arrendassem, não inferior a € 300,00 por mês.

O R. A. J. contestou, invocando a ilegitimidade da Ré mulher, porquanto a mesma não é parte no referido contrato de comodato, nem sequer o subscreveu, não podendo a mesma restituir aquilo que nunca lhe foi entregue.

Referiu, ainda, que o prédio em questão lhe foi entregue cheio de mato e de silvas, tendo o R. procedido à limpeza daquele prédio rústico, a fim do mesmo ficar com as características que o compunham.

Para o ajudar na execução desses trabalhos de limpeza, o R. contratou dois homens durante cerca de um mês. Após tais trabalhos, foi necessário efectuar uma limpeza mais profunda, mediante a contratação de uma máquina de terraplanagem, procedendo ainda à implantação do sistema de rega, bem como à plantação de árvores e aplicação dos respectivos esteios.

O R. adquiriu material de rega para implantar no terreno, 500 árvores de kiwi que plantou no referido campo de cultura arvense e de regadio e nas quais aplicou esteios, e adquiriu adubos e sulfatos que aplicou no terreno e nas árvores que plantou.

Com os trabalhos e a aquisição de material acima referidos despendeu a quantia de € 11.319,17.

Além das árvores de kiwi, o R. plantou 3 ameixoeiras, um damasqueiro, duas pereiras, um pessegueiro, macieiras, fisálias e mirtilos, árvores essas que se encontram incorporadas no solo do terreno.

O réu goza, por conseguinte, do direito de retenção do prédio até à liquidação daqueles valores pelos Autores.

Deduziu reconvenção, dando por reproduzidos os factos alegados nos artºs 10º a 23º da contestação.

Mais alegou que, após a plantação das árvores supra referidas, o réu usou sempre uma produção agrícola biológica, pelo que a maturação daquelas árvores de fruto demorou mais tempo. Contudo, no ano de 2018, todas as árvores já estavam a dar frutos e de qualidade, pelo que aquele campo de cultura arvense e regadio constitui um pomar de alta qualidade, num segmento de grande procura actual, que é o da produção biológica.

O pomar tem um valor que estima em € 50.000,00, com que os AA. irão enriquecer o seu património, após entrega do prédio.

O valor médio anual dos frutos que aquele pomar produz ronda os € 3.000,00, pelo que aquele será um lucro que os AA. passarão a obter em detrimento do Réu.

Acrescenta, ainda, que se instalar um pomar noutro terreno, terá que esperar, pelo menos, cinco anos até que o mesmo produza fruta naquele valor, pelo que tem direito a ser indemnizado no valor de € 15.000,00, correspondente aos cinco anos que terá de esperar para poder voltar a ter um rendimento médio anual de € 3.000,00.

O R. pagou aos dois trabalhadores que contratou para fazer a limpeza do terreno a quantia de € 2.500,00 (€ 1.250,00 x 2), que tem direito a receber dos Autores.

Conclui, pugnando pela improcedência dos pedidos dos pontos 2 e 3 da petição inicial, face ao direito de retenção do R., e pela procedência da reconvenção, com a consequente condenação dos AA. a indemnizarem o R. no valor de € 78.819,17, acrescido de juros de mora à taxa legal, calculados desde a citação até efectivo pagamento.

Os AA. apresentaram réplica, pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade e da reconvenção deduzidas pelo R. e invocando a inexistência do direito de retenção por ele invocado.

Por despacho proferido em 17/10/2019, foi admitida a reconvenção, fixado o valor da causa e, por força deste, o Juízo Local Cível de Guimarães declarou-se incompetente para preparar e julgar a presente causa, considerando o Juízo Central Cível de Guimarães competente para o efeito.

Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade, tendo sido, ainda, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.

Posteriormente, foi realizada audiência prévia a requerimento do R. A. J., na qual este requereu o aditamento de um tema de prova, o que foi deferido pela Mª Juíza “a quo”.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do legal formalismo.

Após, foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, “declara-se cessado o contrato de comodato relativo ao prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ..., na freguesia de ..., com a área de 12.800 m2, composto de campo de cultura arvense e de regadio, a confrontar, do norte com A. M. e outro, do sul com J. N. e outro, do nascente com Estrada Nacional e, do poente, com M. R. e herdeiros, mais se condenando o réu A. J. na entrega imediata do mesmo aos ora autores e, bem ainda no pagamento da quantia de € 175,00 (cento e setenta e cinco euros)/mês, contada desde o dia 23 de Abril (considerando-se os proporcionais) até efectiva entrega.

A ré C. M. vai absolvida do pedido.

Mais vai a reconvenção julgada improcedente, com a consequente absolvição dos autores do pedido.

Custas da acção na proporção do decaimento que se fixa em 1/3 para os autores e 2/3 para o réu – art. 527º do CPC.

Custas da reconvenção a suportar pelos réus, sem prejuízo do apoio judiciário – art. 527º do CPC”.

Inconformado com tal decisão, o R.

A. J.

dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: 1ª A matéria de facto dada como provada foi incorrectamente julgada quanto aos factos alegados nos artigos 11º, 12º, 32º e 33º da contestação / reconvenção, pois conforme consta do ponto II. 4. do corpo destas alegações, face à reapreciação da prova gravada quanto ao depoimento prestado pelo recorrente e aos depoimentos das testemunhas J. M. e N. F., com a conjugação de todos os outros elementos probatórios, impõe-se que seja dado como provado o seguinte facto: "Quando foi entregue ao réu o prédio referido em 1), ele encontrava-se cheio de mato e silvas" e, consequentemente, seja acrescentado uma nova alínea aos factos dados como provados.

  1. A alínea 12) da matéria de facto dada como provada foi incorrectamente julgada, pois conforme consta do ponto II. 5. do corpo destas alegações e da reapreciação da prova gravada, a sua prova viola as imposições relativas à prova por confissão, bem como, à prova por declarações de parte, sendo que, também não foi produzida qualquer prova que levasse a que este facto da alínea 12) fosse dado como provado, pelo que, impõe-se que aquela alínea 12) dos factos provados, passe para os factos não provados.

  2. A alínea b) da matéria de facto dada como não provada foi incorrectamente julgada, pois conforme consta do ponto II. 6. do corpo destas alegações, face à reapreciação da prova gravada quanto ao depoimento prestado pelo recorrente em sede de declarações de parte e ao que consta da motivação da decisão de facto, bem como, à conjugação de todos os elementos de prova, impõem-se que aquela alínea b) da matéria de facto dada como não provada, seja eliminada e seja acrescentada uma nova alínea aos factos provados onde conste o seguinte facto: "Apesar de não estar certificada como biológica, ou que seja possível a sua certificação, a produção de frutas pelo Réu é biológica no sentido de não se usar qualquer produto químico para a produção em massa".

  3. Nos presentes autos, estamos perante um prédio rústico, mais concretamente, perante um campo de cultura arvense e regadio, pelo que, para verificarmos o que são benfeitorias necessárias ou úteis, temos que atender às definições constantes no Novo Regime do Arrendamento Rural, previsto no Decreto-Lei nº 294/2009 de 13 de Outubro.

  4. Assim, temos que ter presente a definição de acções de conservação da alínea a) do artigo 5º do Decreto-Lei nº 294/2009 de 13 de Outubro que entende por acções de conservação, as acções que tenham como objectivo manter as características e potencialidades fundamentais do prédio e, consequentemente, a respectiva capacidade produtiva.

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