Acórdão nº 10458/15.8T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução09 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I –Relatório M. F.

e marido J. S.

(falecido na pendência da acção, em 01 de abril de 2016, tendo sido habilitadas, para além da autora, as suas filhas C. S.

e M. C.) intentaram a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, contra J. L.

e L. M., A. S.

e M. S.

e M. M.

formulando o seguinte pedido: «

  1. Ser declarado nulo o contrato de compra e venda (doc.

    n.º1) – sem qualquer efeito por não corresponder à realidade dos factos, pois não houve qualquer pagamento e/ou recebimento do preço, nem qualquer transmissão; b) Deverão ser declarados nulos e sem qualquer efeito os negócios/contratos seguintes com as legais consequências; c) Deverá o contrato indicado com doc.

    3 ser declarado também nulo e caso não se entenda assim, deverá ser resolvido por falta de cumprimento das obrigações dos demandados; d) Deverão a final serem condenados nas custas e no demais de lei».

    Invocaram, em síntese, que sendo a A. filha de M. G., o mesmo, com o propósito de a prejudicar a si e aos seus irmãos (filhos do primeiro casamento) e de enriquecer o património de F. S.

    (com que havia casado, em segundas núpcias, de acordo com o regime imperativo de separação de bens), alienou determinado prédio urbano ao réu J. L. e mulher (já falecida e na acção representada por L. M.) que, por sua vez, o venderam a F. S., sem que, na realidade, tais actos tivessem sido pretendidos por qualquer uma das partes, visto que apenas assim actuaram, de forma concertada, com o mencionado propósito de enganar.

    Mais alegaram que, posteriormente, M. G. e F. S. celebraram com os réus M. S. e M. M. um contrato de prestação de serviços e de dação em pagamento que envolveu o referido prédio urbano, o qual, para além de ser simulado, é nulo por falta de legitimação da outorgante que o deu em pagamento, visto o efeito retroactivo das nulidades. Acresce que o mencionado contrato de prestação de serviços nunca foi cumprido e, como tal, deverá ser resolvido com amparo nesse mesmo incumprimento.

    Os RR.

    (com excepção da ré A. S.) contestaram, impugnando a matéria de facto invocada na petição inicial.

    Foi delimitado o objecto do litígio e foram fixados os correspondentes temas de prova.

    Instruída a causa, realizou-se audiência final e a final foi proferida sentença, com o seguinte teor dispositivo: “Pelo exposto, julga-se a presente acção totalmente procedente, por provada, e, consequentemente, decide-se:

    1. Declarar a NULIDADE da compra e venda referida em 4), celebrada entre M. G. e J. L., outorgada por escritura pública efectuada no dia 24 de Março de 1998, no 2.º Cartório Notarial de … e que aí se acha exarada de fls. 04v a 05v, do livro de notas para escrituras diversas n.º …-D; B) Declarar a NULIDADE da compra e venda referida em 5), celebrada entre J. L. e mulher M. P. e F. S., outorgada por escritura pública efectuada no dia 24 de Maio de 1999, no 1.º Cartório Notarial de … e que aí se acha exarada de fls. 69 a 69v, do livro de notas para escrituras diversas n.º …-E; C) Declarar a NULIDADE da dação em pagamento referida em 15), apenas na parte referente ao prédio descrito em 2) [prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º .../20100708-...], outorgada por escritura pública efectuada no dia 15 de Julho de 2010, no Cartório Notarial de M. R. e que aí se acha exarada de fls. 19 a 21, do livro de notas para escrituras diversas n.º …-G; D) Ordenar o cancelamento dos seguintes registos: i.Inscrição n.º ... efectuada a favor de J. L., tendo por base a escritura pública referida em 4); ii.Inscrição resultante da Ap. n.º 26, de 09 de Junho de 1999, efectuada a favor de F. S., tendo por base a escritura pública indicada em 5) e; iii.Inscrição resultante da Ap. n.º 2048, de 22 de Julho de 2010, relativa à nua propriedade, efectuada a favor dos réus M. S. e M. M., tendo por base a escritura pública referida em 15) e; iv.Inscrição resultante da Ap. n.º 3225, de 23 de Março de 2012, relativa à aquisição da propriedade plena, efectuada a favor dos réus M. S. e M. M.

      .

    2. Condenar os réus no pagamento das custas processuais da acção, na proporção de 1/3 para os réus J. L. e L. M., 1/3 para A. S. e de 1/3 para M. S. e M. M.”.

      Os RR. M. S. e M. M. não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, tendo concluído as suas alegações, do seguinte modo: 1-Como a douta sentença expressamente reconhece, não existe qualquer prova direta que comprove que a existência de simulação nas escrituras de compra e venda celebradas pelo pai da Autora muitos anos antes do contrato de “Prestação de Serviços e Dação em cumprimento” celebrado por ele e pela mulher com os ora apelantes em 15.07.2010; 2-Sendo frequente que tal suceda em casos de simulação (dado ser muitas vezes inescrutável o ânimo ou intenção dos contratantes), que é do seu foro íntimo, é naturalmente aceitável, como é geralmente entendido, que essa prova possa ser realizada através de presunções, judiciais, naturais ou hominis, que possibilitam que, a partir de factos conhecidos (factos-índice), analisados à luz da experiência se possa firmar um facto desconhecido, como se exprime o art. 349 do CC; 3-No entanto, se é certo que, em caso de impossibilidade ou mesmo extrema dificuldade de prova direta, é lícito ao Tribunal alicerçar a sua decisão em elementos probatórios que sejam idóneos para concluir por uma probabilidade segura da existência do facto cuja prova direta não consegue alcançar, forçoso é ter em conta que essa probabilidade, baseada nas regras da experiência, tem que ser muito forte, de modo a criar no julgador uma convicção de certeza, isto é, não só que que aqueles elementos sejam idóneos para permitir tal conclusão, mas que deles não possa razoavelmente extrair-se conclusão diversa; 4- Na verdade, como se salienta no douto acórdão do STJ de 11.04.2014 (relator Gabriel Catarino), em que aliás a sentença pretende louvar-se (mas cujo conteúdo e considerações, salvo o devido respeito, justificarão, ao invés, decisão contrária), a aceitação da pertinência e eficácia da prova por presunções, possibilitando inferir de um facto conhecido um outro desconhecido de que aquele seja indício, deve ter em conta que “o principal requisito é a certeza”, excluindo as meras “suspeitas” ou “intuições“ do juiz e “também aqueles factos dos quais só deixe predicar a sua probabilidade e não a sua certeza inquestionável” salientando ainda que: “Outro dos requisitos que (…) deve reunir o indício é a precisão ou univocidade: o indício é unívoco ou preciso quando conduz necessariamente ao facto desconhecido: é pelo contrário equívoco quando pode ser devido a muitas causas ou ser causa de muitos efeitos. Por fim, exige-se o requisito da “pluralidade”, (…), acompanhado de um outro, designado de “concordância” (…).

      5- É que o que justifica dar o “salto para o desconhecido” que representa a utilização de presunções para poder considerar provado um facto sobre o qual não existe qualquer prova direta é a circunstância de os indícios obtidos que apontam para esse facto criarem uma inquestionável certeza da realidade desse facto, e não uma mera “probabilidade”, ainda que razoável, de assim ser, o que exige, nomeadamente, que os indícios sejam múltiplos, concordantes e inequívocos, de forma a criar a força da “inabalável convicção” de certeza que tem que ser exigível.

      6- Resulta das considerações anteriores que não deveria a douta sentença recorrida considerar provados os factos elencados sob os números 6., 7., 8., 9., 10., 11., 12. e 13 dos “Factos Provados” constantes da respetiva “Motivação”, que correspondem à existência de simulação nas compras e vendas tituladas pelas escrituras de compra e venda realizadas em 24.03.1998 e de 24.05.1999; 7- Com efeito, nenhuma das testemunhas que depuseram referiu sequer conhecimento de tais factos, como a douta sentença recorrida reconhece, nem eles resultam como inferência lógica, necessária e indiscutível dos demais factos provados, com base em presunção, como faz a douta sentença recorrida; 8- Na verdade, o que o Tribunal invoca, como razões para as presunções de que se socorre para dar como provada a matéria de facto constante daqueles os pontos da decisão de facto são os seguintes factos-índice: má relação do M. G. com 9 dos seus 11 filhos, após o segundo casamento; a sua afirmação de que quando morresse haveria de “deixar bem” a sua mulher, por quem tinha grande afeto e que era bastante mais nova; o facto de o inicial comprador do prédio, que depois o revendera à mulher daquele vendedor, ser primo dela; e a circunstância de, após a venda inicial do prédio o vendedor e a mulher continuarem ainda a viver nele, até aquele comprador o ter revendido à mulher do inicial vendedor, pouco mais de um ano depois.

      9- É certo que resultou da prova produzida, sendo incontestável, que o M. G. se não dava bem com quase todos os filhos, que dizia que, à sua morte, havia de “deixar bem” a mulher, que o comprador J. L. era primo da mulher do M. G., e que este, primitivo vendedor, continuou, juntamente com sua mulher, a ocupar a casa durante os treze meses que mediaram entre a venda da casa ao J. L. e a data em que este voltou a vender à F. S., mulher do M., mas, embora estes factos sejam compatíveis com a existência de simulação nas vendas, não impõem, de todo, por inferência lógica, conjugados com os mais apurados pelo Tribunal, que se tenha tratado de negócios simulados, não queridos, visando esconder, sob a sua aparência, o intuito de retirar bens do seu património para no futuro prejudicar os filhos, como o Tribunal considerou provado 10. É que se pode ter havido simulação, também pode não ter havido: mesmo que o vendedor tivesse querido prejudicar os filhos (e apenas se sabe que se dava mal com a maior parte deles) isso não impunha que a venda realizada não fosse verdadeira, pois o dinheiro da venda facilmente seria escamoteável da futura herança, e o “deixar bem” a mulher não é incompatível com...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT