Acórdão nº 2622/19.7T8VNF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 09 de Julho de 2020

Magistrado ResponsávelJOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Data da Resolução09 de Julho de 2020
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

RELATÓRIO.

Recorrente: M. M.

A. S., residente na Rua …, N. F., residente na Av. …, M. T., residente na Rua …, e C. F., residente na Rua …, instauraram a presente ação especial de insolvência contra Bordado … – Sociedade Unipessoal, Lda., com sede no Lugar de ..., Pavilhão .., …, pedindo que se declare a insolvência desta. Citada a requerida não deduziu oposição.

Por sentença proferida em 27/05/2019, declarou-se a insolvência da requerida Bordados ... - Sociedade Unipessoal, Lda.

, fixou-se residência à gerente desta, M. M., designou-se administrador de insolvência e, além do mais, designou-se data para a realização da assembleia de credores a fim de apreciar o relatório a elaborar pelo administrador de insolvência a que alude o art. 155º do CIRE.

O administrador de insolvência elaborou o relatório a que alude o art. 155º do CIRE em que conclui que “a sociedade insolvente não tem qualquer capacidade de apresentar aos credores um plano de recuperação que preveja a manutenção da sua atividade”. Propõe aos credores o seguinte: “9.1- Sejam resolvidos todos os contratos de trabalho que, nesta data, ainda se encontram em vigor, com referência à data da declaração da insolvência; 9.2- Encerramento da atividade do estabelecimento da sociedade insolvente, com comunicação oficiosa pelo tribunal à Administração Tributária, em conformidade com o disposto no n.º 3 do art. 65º do CIRE, reportada à data da declaração da insolvência, ou seja, 28 de maio de 2019; 9.3- Uma vez que a massa insolvente se afigura insuficiente para suportarem as custas do processo e restantes dívidas da massa, o Administrador de insolvência, desde já, dá conhecimento desse facto à Senhora Juiz de Direito, para efeitos do disposto na al. d), do n.º 1, do art. 230º e/ou art. 232º do CIRE, devendo, no entanto, prosseguir a liquidação da sociedade nos termos jurídicos dos procedimentos administrativos de dissolução e de liquidação de entidades comerciais; 9.4- Prosseguir a liquidação da sociedade nos termos jurídicos dos procedimentos administrativos de dissolução e liquidação de entidades comerciais”.

Em 25/07/2019 teve lugar a assembleia de credores de apreciação do referido relatório, em que o administrador de insolvência reafirmou o teor deste e propôs que os autos prossigam para liquidação, bem como o encerramento formal do estabelecimento comercial da devedora e comunicação ao serviço das finanças, nos termos do art. 65º, n.º 3 do CIRE.

Essa proposta foi votada favoravelmente pelos credores da insolvente, pelo que, por despacho então proferido, determinou-se que os autos prossigam “para liquidação do ativo, designadamente, com vista à eventual resolução em benefício da massa dos atos praticados pela insolvente”.

Posteriormente, o Juiz a quo determinou que fosse declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência, com caráter pleno.

No prazo legalmente previsto, nenhum credor veio apresentar alegações nos termos do artigo 188º, nº 1 do C.I.R.E.

O administrador de insolvência emitiu e juntou aos autos o seu parecer, em obediência ao disposto no artigo 188º, nº 2, do C.I.R.E.

Nesse parecer pronuncia-se pela qualificação da insolvência como culposa, afetando M. M. por essa declaração, sustentando que a sociedade insolvente não cumpriu com o dever de assegurar a elaboração e manutenção da contabilidade em devida ordem, através do lançamento de todas as operações e transações realizadas, pelo que considerando as razões subjacentes aos mesmos, impossibilitou, e impossibilita, a compreensão da situação financeira e patrimonial da empresa explorada pela insolvente; Mais sustenta que apesar de organizada de acordo com o NC-ME, a contabilidade da sociedade insolvente não reflete a imagem verdadeira da situação patrimonial e financeira dessa empresa, pelas razões que concretiza nesse parecer.

Tendo tido vista nos autos, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da qualificação da insolvência como culposa, nos termos do artigo 186º, nº1, nº 2, alíneas a), d), f) e h) e i) do CIRE, devendo ser afetada pela qualificação da insolvência como culposa, M. M., sua sócia e gerente, e ser fixado o período em que esta fica inibida para o exercício do comércio, entre 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa.

Mais considera dever determinar-se a perda de quaisquer créditos de M. M. sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente por si detidos, a existirem, e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; serem os afetados condenados a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respetivo património; e ser a inibição para o exercício do comércio registada na Conservatória do Registo Civil e, quando as pessoas afetadas forem comerciantes em nome individual, também na Conservatória do Registo Comercial, com base na comunicação eletrónica ou telemática da secretaria, acompanhada de extrato da sentença - artigo 189º, nº 3 do CIRE e 69º, nº1, al. l) Código Registo Civil.

Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 188º, nº6 CIRE, tendo a insolvente e M. M. sido, respetivamente, notificada e citada para se oporem, querendo, quanto à qualificação da insolvência como culposa e quanto aos fundamentos para tanto invocados pelo administrador de insolvência e pelo Ministério Público.

M. M. veio oferecer articulado de oposição a fls. 107 e ss., alegando desconhecer as razões de na conta da contabilidade da insolvente existir um saldo no valor de 70.215,26 euros, dinheiro esse que sustenta não existir, tratando-se de um valor meramente indicativo, isto porque, atendendo ao uso que é dado frequentemente à conta da caixa, tal indicador, por si só, não indicia a existência de uma contabilidade fictícia; Aceita os factos alegados no ponto 1º do parecer do Ministério Público mas advoga que daí não se pode concluir terem sido beneficiados alguns credores em detrimentos de outros; Alega que há vários anos não exerce a gerência de facto da sociedade insolvente, sendo essa gerência de facto exercida por P. S., limitando-se aquela a assinar a documentação que este último lhe apresentava para assinar, razão pela qual não pode ser afetada pela qualificação da insolvência como culposa.

O Ministério Público requereu então, perante a enunciada defesa de M. M., a intervenção principal provocada de P. S., com vista à condenação solidária deste com M. M. nos efeitos da qualificação da insolvência como culposa.

Nenhum interveniente processual se opôs ao referido incidente.

Por decisão proferida em 15/11/2019, deferiu-se a intervenção principal provocada de P. S. e ordenou-se a citação deste para deduzir, querendo, oposição.

O interveniente P. S. deduziu oposição, impugnando que tivesse alguma vez sido gerente de direito ou de facto da sociedade insolvente, sustentando ter sido mero trabalhador dessa sociedade, na qual exercia as funções de chefe de secção.

Conclui pedindo que seja absolvido do incidente de qualificação da insolvência como culposa.

Proferiu-se despacho fixando o valor do presente incidente de qualificação da insolvência em 30.000,01 euros.

Mais se proferiu despacho saneador tabelar, fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação, e conheceu-se dos requerimentos de prova apresentados pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final.

Realizada audiência final proferiu-se sentença, qualificando a insolvência como culposa e como pessoa afetada por essa declaração M. M., constando essa sentença da seguinte parte dispositiva: “Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decido: a) Qualificar como culposa a insolvência de Bordados ... - Sociedade Unipessoal, Lda., declarando afetada pela mesma M. M.; b) Fixar em 6 (seis) anos o período da inibição de M. M.

para administrar patrimónios de terceiros, o exercício do comércio, ocupação de cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, bem como para administrar patrimónios de terceiros.

  1. Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por M. M.

    e condená-la na restituição de eventuais bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; d) Condenar, ainda, a requerida M. M.

    a pagar aos credores o montante correspondente ao total dos créditos reconhecidos na lista apresentada pelo Administrador da Insolvência nos termos do art. 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não forem liquidados pelo produto da liquidação do ativo, ou seja, o montante dos créditos que fiquem por liquidar, valor a fixar em liquidação de sentença.

  2. Absolvo P. S.

    do pedido contra si formulado.

    Fixo o valor do incidente em €30.000,01.

    Custas pela requerida M. M.

    - artigo 527º, nº1 CIRE”.

    Inconformada com essa decisão, M. M. interpôs o presente recurso de apelação, em que apresenta as seguintes conclusões: I) Ao condenar a Recorrente, nos presentes autos, no montante dos créditos que fiquem por liquidar, sem o limite legal e imperativamente estabelecido das forças do património da afetada, há, prima facie, uma condenação diversa da peticionada pelo M.P. na sua promoção. Ocorre assim, a nulidade da sentença, porquanto a condenação da al. d) da parte decisória, configura um vício de extrapetição que determina a nulidade da sentença por condenação em objeto diverso do pedido, nos termos da 2º parte da alínea e) do nº 1 do art. 615º do C.P.C.

    II) Em 16 dos factos provados foi dada por assente a seguinte matéria: “Numa altura em que a sociedade insolvente era já devedora perante diversos credores, a sua sócia e gerente M. M. utilizou aqueles valores para pagar arbitrariamente a credores, designadamente...

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